segunda-feira, 21 de março de 2011

A Volta de Deus na Teologia Contemporânea.

Por: Idauro Campos


1 – INTRODUÇÃO

Deus é o encanto da teologia. Mas, a despeito do interesse que a teologia tem por Deus, nem sempre conseguiu manter homens atentos para com a realidade de Deus. Em diversos momentos da história a realidade de Deus foi questionada e o centro onde Ele reinava foi desejado. Vejamos neste breve ensaio como isto aconteceu e como o interesse pela realidade divina retornou em épocas recentes.

2 - Deus na Teologia Pré-Moderna:


Antes da modernidade se inserir como uma lente com a qual a realidade seria compreendida , esta era discernida como tendo o seu ponto de partida em Deus. Ou seja, Deus era a base da realidade. Destarte, a teologia, que se propunha a explicar a relação entre Deus e a realidade, dominava o discurso. Não apenas o discurso religioso, mas também os demais campos do conhecimento, pois estes, embora seculares, também estavam sujeito à análise teológica. A Teologia, portanto, buscava encontrar o elo de encadeamento entre Deus e as expressões do conhecimento humano. Este conhecimento estava influenciado e até mesmo aprisionado pelo dogma religioso. A autoridade religiosa falava em nome de Deus como seu porta-voz . A idéia de representação no mundo pré-moderno era intensa. A monarquia absolutista, por exemplo, era a expressão política da compreensão pré-moderna de representação. O soberano rei era ordenado por Deus e esta doutrinação política era resultado do discurso dogmático da religião no que tange este campo de ação . Assim, Deus, era a causa e explicação de tudo quanto existia. O discurso teológico lastreava todas as tentativas de compreensão e descobertas. Assim Deus era a explicação, o encanto, o assombro e “a medida perfeita de todas as coisas” .

Como na pré-modernidade Deus era o fundamento da realidade, o conhecimento sobre Ele era estimulado e para, de fato conhecê-LO, o acesso era a revelação. As Escrituras Sagradas conferiam este acesso, pois suas páginas apresentavam Deus, revelando-se em Cristo. Era desta forma que os teólogos patrísticos e medievais, personagens da era pré -moderna, entendiam. Deus era o Mistério Último .

Este cenário dominou o pensamento ocidental por séculos. Houve, sem dúvida, questionamentos e alternativas, mas a tese sobreviveu até a René Descartes, quando então, um novo paradigma foi apresentado e novas lentes passaram a fazer a leitura acerca da realidade. A razão entre em cena, enquanto que Deus, isto é, o discurso que o tinha como fundamento da verdade, sai.


2 - A Ausência de Deus na Modernidade:



Em 1637, em Leiden, na França, René Descartes, publica seu tratado matemático e filosófico, conhecido como O Discurso do Método . Obra que celebra a razão como critério da verdade. O discurso teológico (e a autoridade eclesiástica) passou a ser questionado. O Cartesianismo foi uma proposta epistemológica, isto é, uma doutrina do conhecimento, porquanto discernimento da realidade dependeria tão somente do crivo da razão. A razão passou a ser a autoridade. Para se conhecer era necessário empregar métodos, onde a experiência, a observação científica (empirismo), estabeleceria o que deveria ser crido e o que deveria ser descartado como falso. Este método influenciou profundamente a cosmovisão da sociedade ocidental, até então marcada pelos axiomas do cristianismo. Os campos de saber foram marcados pela ênfase do cartesianismo. A própria teologia foi influenciada, pois, sendo uma área de conhecimento, a razão deveria também ser utilizada na teologia como critério da verdade teológica. A observação cientifica também seria convocada para julgar o discurso religioso. A própria existência de Deus passou a ser analisada sob o viés do racionalismo. Como os métodos científicos não podiam satisfatoriamente responder as questões levantadas quanto à realidade de Deus, o agnosticismo (a impossibilidade de se conhecer conclusivamente), o deísmo (um Deus existente, mas distante), o panteísmo (um Deus imanente), o panenteísmo (um Deus em que todas as coisas estão contidas), e até mesmo o ateísmo (Deus inexistente) foram confirmados como propostas para explicar tal realidade. David Tracy afirma que “a realidade de Deus foi reformulada a fim de ser adequadamente entendida por uma mente moderna” . Ou seja, como na era moderna o homem se emancipou da religião e a razão tornou—se senhora e juíza de tudo e de todos, as afirmações teológicas precisariam convencer esta razão. Deus, então, que está contido no discurso teológico, semelhantemente, precisava ser analisado sob a perspectiva racionalista.
A influência do racionalismo soprou sobre a teologia. O Liberalismo Teológico Alemão, movimento do final do século XVIII e que chegou ao seu auge no século XIX, empregava elementos do racionalismo para questionar doutrinas históricas do cristianismo.

O dogma, à medida que o racionalismo foi sendo adotado como critério epistemológico, foi se enfraquecendo. A idéia de Deus, até então, considerada fundamento da realidade e posicionada no centro do significado da existência humana (teocentrismo), foi sendo deslocada para a periferia. O homem foi para o centro (antropocentrismo). Com a força e as possibilidades da razão, o homem se assenhorear de si e do seu destino, produzindo, inclusive, toda uma euforia e um otimismo em suas expectativas. As Escrituras Sagradas, fonte epistemológica da era pré-moderna, passou a ser questionada à luz da Alta Crítica e teólogos influenciados pelo racionalismo revisaram os textos neotestamentários, negando seu caráter divino e até mesmo pondo em dúvidas relatos, como os milagres de Jesus, por exemplo .

Na modernidade a Teologia deixou de ser a “Rainha das Ciências”, o discurso teológico foi questionado, a própria existência de Deus foi posta em dúvida e tentativas de explicar a realidade divina surgiram, enfraquecendo a compreensão acerca de Deus. Finalmente, a teologia se rendeu, oferecendo propostas, em sua expressão liberal, que mais prejudicou do que ajudou a sociedade entender a realidade de Deus e de sua relação com os homens.



3 – O Retorno de Deus na Teologia Contemporânea:



O fracasso do homem no século XX; a derrota da Teologia Liberal; a influência de Karl Barth; o fim da compreensão da história como um esquema linear, mas sim como constituída idas e vindas ou “de desvios e labirintos e interrupções radicais” ; a decepção com as máximas da modernidade que privilegiaram a civilização européia ocidental, marginalizando, ao mesmo tempo, outros saberes e contribuições; o declínio das utopias; o fim das trincheiras; a globalização.; o fim do comunismo. Todas estas expressões contemporâneas, de alguma maneira, resgataram o discurso teológico. A realidade de Deus volta a ser motivo de interesse. E a realidade de Deus vem na pós-modernidade para consolar, libertar, oferecer esperança, superar a crise. Ou seja, Deus é novamente “descoberto” para erguer o homem desiludido consigo próprio. As duas Grandes Guerras provaram o quão longe o homem pode chegar de sua humanidade quando este perde Deus de vista. O Racionalismo demoveu o teocêntismo. Os resultados foram avassaladores. A raça conheceu o pior de si. Sua face mais bizarra foi revelada. O fantástico conhecimento humano não foi capaz de impedir à monstruosidade do próprio. Ficou provado que o homem não pode ficar sozinho. Ele não é apto a ser senhor de sua história. Teve sua chance, mas, terrivelmente, fracassou.
Obviamente, o retorno de Deus não significa na pós-modernidade o uso e emprego de categorias tradicionais que explicam a realidade divina. A Teologia Relacional é uma prova. Ao mesmo tempo esta proposta teológica rejeita o assenhoreamento da história por parte do homem (como na modernidade), assim como o controle absoluto de Deus sobre o mesmo (como na pré-modernidade). Prefere uma parceria em que o homem e Deus são os agentes. O homem é chamado por Deus a construir uma história, sendo parceiro de Deus.

As diferentes explicações da realidade de Deus é uma das características mais claras da pós-modernidade. Ela rejeita os esquemas fixos da pré-modernidade e da própria modernidade e sugere alternativas na busca pela espiritualidade. Esta postura pós-moderna tem, nas palavras de Tracy, como proposta a certeza de que “não é o momento de prorromper em novas proposições sobre a realidade de Deus. É antes o momento de permitir novamente admirar-se do irresistível mistério de Deus” .

O retorno do interesse da realidade de Deus; a busca pela espiritualidade. A rejeição da dogmática tanto religiosa como racionalista, são evidências de que um novo tempo chegou para todos. Qual será o resultado disso? A teologia tem diante de si o desafio de tentar responder.


CONCLUSÃO


Não se pode negar a influência da pós-modernidade na teologia. Mas, diferentemente do que se apregoa que esta tendência é empecilho ao discurso cristão, pois este é fixo e centrado em Cristo, enquanto que o relativismo típico da pós-modernidade exige que se exclua a exclusividade cristã, é, salutar, que a teologia Cristã se afirme sim, porquanto tem ao seu lado o Cristo que é eterno e sendo eterno é pré-moderno, moderno e contemporâneo. Jesus Cristo resistiu aos questionamentos quanto à verdade em seus dias de encarnação (João 18.38). Tais questionamentos sempre aparecem na história com uma nova roupagem, sob a égide de alguém. Mas, a boa notícia de Apocalipse é que o Cordeiro vence! Cristo sempre vence. Venceu em seus dias de encarnação na Cruz. Venceu as controvérsias cristológicas nos primeiros séculos após seu retorno ao Pai. Venceu usando os reformadores. Venceu o racionalismo. Venceu o liberalismo. Vencerá também a pós-modernidade. Sendo ou não o fim da história da atual era, a boa notícia, é que o Cordeiro vence!

Soli Deo Glória!!!



REFERÊNCIAS

A BÍBLIA SAGRADA. Português. Tradução: João Ferreira de Almeida. 2 ed. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2000.

CAMPOS, Idauro. Os Desafios de Uma Nova Reforma. 2005. 58 f. Monografia (Pós- Graduação) – Seminário Teológico Escola de Pastores, 2005.


TRACY, David. Teologia, Para Quê: A Volta de Deus na Teologia Contemporânea. Revista Concilium, Petrópolis, N. 256. P.51.1994.

LLOYD-JONES, David Martyn. Estudos no Sermão do Monte. São José dos Campos: Fiel, 1999.


MCALISTER, Walter.. Conferência de Despertamento Espiritual. São Gonçalo: Igreja Evangélica Congregacional em Ponte Seca, 1997. 1 Fita de Vídeo (270 min.), VHS, som, color.









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