segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A Espiritualidade do Seguimento

Por: Eduardo Rosa Pedreira

“Não resta dúvida: o cerne da espiritualidade cristã está em seguir a Jesus.”

No princípio, era o seguidor! Jesus irrompia inesperadamente e dizia: “Segue-me, venha após a mim”. A resposta positiva exigia uma ruptura com a maneira de viver até aquele momento do que aceitava o convite. A vida deveria ser reorganizada. O centro era o mestre e o caminho apontado por ele. Quem aceitava tal convite nos seus termos tornava-se um discípulo. Também, no princípio, existia o simpatizante: aquele que se emocionava com as palavras do Cristo, achava fantásticos os seus milagres, impressionava-se com a originalidade de suas atitudes, nutria enorme curiosidade por encontrá-lo – mas não colocava o pé no caminho. Simpatizava até o ponto de não precisar mudar seu estilo de vida. Tinha admiração, mas não estava interessado na transformação resultante da formação espiritual à qual todos os discípulos viveriam quando resolvessem caminhar o caminho proposto pelo Filho de Deus.

Ainda no princípio, havia o consumidor. Este sequer tinha tempo de ouvir o Senhor; desejava, isso sim, comer o pão e o peixe multiplicados, ansiava pela cura da perna atrofiada, somente tinha interesse em ser restaurado da lepra... Uma vez alcançada a graça, nem sequer lembrava de retornar para agradecer. O discípulo seguia Jesus porque o admirava; o simpatizante admirava sem o seguir, e o consumidor nem seguia e nem admirava, posto que Jesus era apenas um provedor de suas necessidades, e não alguém a apontar-lhe um caminho transformador.

Jesus conviveu indistinta e graciosamente com estes três grupos dentro da multidão que gravitava ao seu redor. Nunca se negou a oferecer caminho aos seguidores, admiração aos simpatizantes e provisão aos consumidores. Todavia, o rabi sabia que os discípulos eram os protagonistas para cumprir sua missão no mundo. Certamente, ele não contava com simpatizantes e consumidores para o estabelecimento do Reino de Deus. Estava certo, como sempre! Nos duzentos anos que se seguiram à sua morte, o pequeno e frágil grupo inicial de discípulos, apaixonado por sua missão, se espalhou por todo Império Romano. Eles haviam sido convocados pessoalmente para seguir um caminho; colocaram o pé na estrada e saíram pelas vilas e cidades com a mesma convocação com que foram convocados: sigamos o seu caminho. Quanto aos simpatizantes e consumidores, não se sabe o que aconteceu com eles. Afinal, quem fez a história foram os discípulos.

Não resta dúvida: o cerne da espiritualidade cristã está em seguir a Jesus. Quando decidimos conscientemente seguir o seu caminho, então a espiritualidade cristã começa a fluir em nós. O Pai, pelo seu Espírito, vai nos transformando na imagem de seu Filho à medida que damos os passos no caminho. Fora do seguimento, não há espiritualidade. Todos nós estamos necessitados de retornar à experiência original dos primeiros discípulos. Sim, nossa carência essencial está em “ver” Jesus de novo surgir em meio à nossa complexa e agitada vida, cheia de cansaço e dores, e sussurrar com ternura e vigor ao nosso coração: “Vem e segue-me!” Quando ele irromper no nosso cotidiano, como aconteceu com os pescadores da Galiléia ou com o coletor de impostos da Judéia, com aquele sedutor olhar a nos convidar a seguir o seu caminho, e largarmos as redes ou a segurança da coletoria, aceitando seu convite, então, experimentaremos real comunhão com o Deus trinitário. Longe do caminho do Filho, não seremos capazes de enxergar a face do Pai e tampouco vivenciar a presença do Espírito. De fato, no cristianismo bíblico, espiritualidade é um mero sinônimo de seguimento.

Se as nossas orações, liturgias, louvores, corais, células, congressos e mensagens não apontam o caminho do Senhor e não convocam o mundo para segui-lo, então, tudo isso pode até ser espiritualidade, mas não é cristã. Se nossas igrejas se tornam fontes de atração para consumidores e admiradores, ao invés de espaços comunitários formadores de discípulos, tenhamos consciência: todos devem ser tratados com graça e amor, como Jesus fez, mas só cumpriremos sua missão no mundo sendo e formando seguidores.

Não deveríamos, mas, infelizmente, estamos hoje diante de uma encruzilhada, que por natureza é o entroncamento de dois caminhos. Entrar por um é necessariamente excluir o outro. Ou escolhemos a espiritualidade do entretenimento, que produz simpatizantes e consumidores, ou optamos pela espiritualidade do seguimento, a que gera discípulos. Tenhamos, contudo, uma certeza – desde sempre, Jesus já fez a sua escolha. Basta, apenas, que o imitemos nela.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A Espiritualidade no Evangelicalismo Brasileiro: Conceitos, Características e Consequências

POR: Idauro Campos

INTRODUÇÃO

O Evangelicalismo brasileiro é dicotômico no que tange a realidade, pois, por um lado, a discerne como sendo divina, sacra e, portanto, espiritual, mas também identifica uma outra dimensão secular, mundana e profana. Esta visão bipartida da realidade, estranha ao ensino das Escrituras Sagradas e à Teologia Reformada, da qual o evangelicalismo é herdeiro, é responsável pelos contornos em que o conceito de espiritualidade ganhou no Brasil evangélico de hoje. Podemos afirmar que a espiritualidade evangélica brasileira é mística, introspectiva e alienante, e nossa proposta, neste ensaio, é tentar entender o porquê de tais matizes, quais os seus efeitos e de que maneira pode-se discutir uma solução.

Uma Espiritualidade Mística


Entendendo como Francis Schaeffer, que a “verdadeira espiritualidade” reside na fé cristã e que esta, por sua vez, à luz das Escrituras Sagradas, especialmente o Novo Testamento, é um dom de Deus oferecido gratuitamente aos que foram “chamados para fora”, para a exercerem e a manifestarem na sociedade em que estamos inseridos, a igreja, como despenseira desta espiritualidade, tem, portanto, a missão de compartilhá-la através do Kerigma e da ação do cristão em prol da transformação do mundo, objetivando com isto a glória de Deus. Este foi o discernimento que os reformadores como Lutero, Calvino, Melanchton, Zwinglio e outros tiveram. Para os mesmos a espiritualidade era vivida no âmbito da fé (subjetividade) e da ação (objetividade).

No Brasil, o evangelicalismo, especialmente por influência do pentecostalismo e o neopentecostalismo, separou estes conceitos de tal forma que transformou a fé e, portanto, a espiritualidade cristã em algo meramente subjetivo, abstrato, sobrenatural e, logo, místico. Com esta ênfase em uma espiritualidade subjetiva houve a valorização do culto místico, marcado pela ênfase no sobrenatural. Tal conceito é muito valorizado no atual cenário evangélico brasileiro, onde há uma predominância numérica de comunidades de fé de cunho carismático. Ser espiritual, neste contexto é ter experiências sobrenaturais. O que deveria, portanto, ser extraordinário, uma experiência possível, porém incomum à ordem do dia, virou um padrão de normalidade. Tais experiências se tornaram, na prática, uma necessidade e um termômetro do culto e da vida cristã. A realidade natural, a sociedade, o trabalho, os deveres e direitos são vistos como algo de importância menor, pois fazem parte do que é “objetivo”, não devendo, portanto, serem considerados como prioritários.

É bom que se diga que há, na vivência da espiritualidade cristã, um lugar saudável para as experiências pneumáticas. O cristão é alguém que se relaciona com o Espírito Santo e é, por Ele visitado, curado, consolado, orientado e edificado. A questão aqui não é negar as operações reais do Espírito Santo, mas sim avaliar criticamente a insistência de muitos círculos em colocar o sobrenatural como a porta de entrada e balizador da espiritualidade genudeína. Entendemos que tal interpretação prejudica a saúde da fé bíblica, pois confunde o extraordinário com o ordinário, o milagre com o que é comum e o que é apenas possível com o que é fundamental e necessário.

Na espiritualidade mística, tudo o que é objetivo é visto com desconfiança, assim há pouco lugar para o racional. Destarte, a teologia não recebe a devida atenção, e, na prática, a própria Palavra só é aceita quando "toca" o emocional do indivíduo, pois para este o que importa é se a mesma lhe traz alívio. A doutrina torna-se secundária. A questão não é mais conhecer a verdade, mas sim obter dela benefícios. Se a verdade não traz alívio e não torna o indivíduo mais feliz, esta não o interessa.

Podemos afirmar, então, que o misticismo é uma das principais características da espiritualidade contemporânea. Ser cristão não é mais questão de entender as verdades cristãs e logo aceitá-las como padrão de espiritualidade. Ser cristão virou uma experiência subjetiva. Não mais importa o que se crer, mas sim o que se experimenta de Deus.


Uma Espiritualidade Introspectiva

Um outro aspecto do evangelicalismo brasileiro é a sua introspecção. A espiritualidade ao invés de externada naturalmente nas ações coletivas e, principalmente na visão de mundo, é, na verdade, guardada no íntimo e só refletida, quando muito nas investidas evangelísticas. Desta forma, o indivíduo consegue ser cristão, a despeito de ser um péssimo patrão, pois entende que a fé é um expediente circunscrito ao íntimo e pessoal. O empresário levanta suas mãos em adoração no culto dominical e com as mesmas, durante a semana, frauda, sonega e rouba. O empregado negligencia as horas que deve à empresa, sem nenhum prejuízo à consciência. O estudante cola e trapaceia, mas no domingo participará do coral na igreja. O ministro do Evangelho consegue se impor semanalmente no púlpito de sua congregação mesmo quando todos conhecem os fracassos de suas relações interpessoais. Nesta postura introspectiva, a ética passiva é vista como virtude, mesmo que isto lhe custe à consciência da omissão frente à verdade, à justiça e ao que é reto e digno. Assim, conseguimos adorar mesmo quando sabemos que perto de nós um irmão sofre com a perda de um ente querido, ou porque não sabe como fará para pagar as contas que já venceram. A igreja vira um lugar onde vou buscar “a minha bênção” e não um lugar de compartilhar alegrias, frustrações, pão, atenção e orações. O bem do outro é visto como algo que ele deve conseguir com seus próprios esforços e fé. Se não consegue é porque é fraco, sem fé, inconstante e não perseverante. A espiritualidade evangélica não é koinônica, mas verticalizada. A espiritualidade, assim, torna-se um aspecto da vida e não a própria vida. Não é “massa do próprio sangue”, mas está confinada a uma área restrita e que só é acionada quando a ocasião se fizer necessária.

Em uma espiritualidade introspectiva a moral cristã toma outros contornos. Há pouca ênfase no protesto, mas sim na resignação. A luta social é confundida com militância partidária e agito perigoso. A crítica, inclusive a religiosa, com insubmissão. E assim manutenção do “status quo” é estimulada.

Uma espiritualidade introspectiva torna o evangelicalismo pouco relevante para o seu contexto social, pois é incapaz de dialogar sobre as grandes questões que afligem a sociedade. Dietrich Bonhoeffer, em sua obra, “Ética”, declara que há “soluções cristãs para problemas seculares”, não significando com esta afirmação que a igreja possui uma agenda para equacionar todos os dramas da sociedade, mas sim que a igreja tem algo a dizer sobre os mesmos. No entanto, tal resposta só é oferecida quando a igreja deixa de ser introspectiva e resolve a “marchar com as multidões”. Uma espiritualidade autêntica, de acordo com o exemplo dos crentes primitivos e do próprio Senhor é vivida na horizontalidade, onde os que se cercam interagem entre si, onde a comunhão e o discipulado formam modelos de conduta e caráter. A fé, é verdade, continuará a brotar do íntimo do ser, mas se exteriorizando, encarnando e transformando uma sociedade. Um cristão que opta na introspecção de sua espiritualidade, é um mosteiro ambulante, anacrônico, inadequado, anti-bíblico, e, portanto, irrelevante no e para o seu tempo e geração.


Uma Espiritualidade Alienante

O Reverendo Manuel Bernardino de Santa Filho, ministro congregacional e reitor do Seminário Teológico Congregacional do Rio de Janeiro, em uma palestra ministrada para professores de escola dominical, apontou o “Soteriocentrismo” como uma das causas do pouco envolvimento dos crentes com os desafios do mundo contemporâneo. Ou seja, já que marchamos para o céu, por que se preocupar com este mundo? Se este “jaz no maligno” por que devo me envolver, importar e cansar por ele? Esta atitude (de fuga) da realidade é ao mesmo tempo uma cultura de gueto, gueto evangélico. Temos nossas próprias roupas, lugares de lazer, nossas próprias músicas e até uma forma peculiar de falar. Enquanto nos escondemos em um gueto, o mundo segue seu curso. E nos esquecemos que a proposta bíblica é que apresentemos a esta sociedade uma contra-cultura, através da nossa forte inserção na mesma. Fomos chamados para trabalhar este mundo, trazendo-o cativo para os domínios de Cristo. A isto a Teologia Reformada chama de “Mandato Cultural”, ou seja, por meio do nosso trabalho, a sociedade pode ser moldada e os valores do Reino de Deus identificados.

Uma espiritualidade indiferente com o mundo ao redor, onde as causas humanitárias, as lutas ambientais, as preocupações ecológicas, a exploração do trabalho infantil, a miséria dos países do hemisfério sul e as condições indignas de vida não são pensadas é alienante e, portanto, irrelevante. É digno de nota que o Reavivamento visto na Inglaterra nos dias de João Wesley e George Whitefield não só trouxe pessoas ao conhecimento de Cristo, mas também provocou mudanças profundas nas estruturas sociais do país.

Uma espiritualidade alienante é nociva ao testemunho da fé bíblica, pois gera insensibilidade, além de não impactar a sociedade, sendo, portanto inútil e prestando um desserviço ao Reino de Deus.



Conclusão


Há uma resposta a ser dada a estas nuances do evangelicalismo contemporâneo no que tange nossa idéia de espiritualidade.
Em primeiro lugar é necessário propormos uma agenda reflexiva no Brasil. É fundamental tentarmos entender o que é uma vida espiritual; o que significa ser cristão e como viveremos neste mundo. Tal postura é importante, pois percebe-se que no Brasil o que dita a conduta da igreja não é a ortodoxia e sim a ortopraxia. Somos pragmáticos demais, práticos demais. Há pouco espaço para a reflexão teológica e, assim, erramos com muita frequência. A experiência, na espiritualidade moderna, tornou-se mais importante do que a Escritura. Isto vai continuar enquanto não houver por parte das lideranças eclesiásticas uma proposta de repensarmos os conteúdos de nossa fé. A ortodoxia viva, o ensino correto e vibrante das Escrituras, deve nos conduzir a uma ortopraxia. E não o contrário.

Em segundo lugar é necessário repensarmos nossa metafísica, pois com uma cosmovisão, como esta que herdamos, onde se concebe uma realidade bipartida em secular e sagrada, mundano e sacro, torna-se difícil à prática e o desenvolvimento de uma espiritualidade holística, integral e completa. O que há na verdade hoje é uma sutil ressurreição do gnosticismo, onde um mundo espiritual não é relaciona com o material. Graves distorções estão acontecendo em função desta metafísica maniqueísta. Tornando a igreja e, consequentemente, a espiritualidade arcaica, monástica e sem penetração. O resgate do Mandato Cultural é premente nestes dias polarizados. Ainda é tempo. O evangelicalismo brasileiro ainda é jovem e pode aprender. A espiritualidade bíblica, saudável, pertinente, poderosa, impactante e transformadora de consciências, vidas e mundos ainda pode ser salva. Para isto é necessário, à semelhança de Lutero, voltar às bases, voltar às Escrituras Sagradas, para que elas norteiem e ensinem esta geração. As sementes de uma verdadeira espiritualidade ainda podem ser lançadas.

Finalmente, não podemos apenas nos preocupar com uma proposição intelectual, como apresentada acima. Os fundamentos são importantes. Entretanto, há outra dimensão que precisa ser cuidada. A erudição precisa ser acompanhada de uma poderosa piedade! Caso contrário, resgataremos apenas uma forma contemporânea de escolasticismo protestante. O escolasticismo (protestante) dos séculos XVII e XVIII, também conhecido com Ortodoxia, foi responsável por um importante legado teológico, onde os grandes tomos de teologia foram escritos e todo um pensar teológico protestante progrediu. Porém, seus erros e exageros foram substanciais, pois ao se preocupar apenas com as formulações lógicas da fé cristã, os teólogos distanciaram esta da experiência íntima que todo indivíduo deve passar. Grupos racionalistas surgiram deste ambiente de reflexão sem paixão, contribuindo para esfriar o compromisso do testemunho cristão das gerações posteriores aos reformadores. Erudição sim, mas piedade também! Reforma sim, mas avivamento também! Conhecimento das Verdades sim, mas conhecimento do poder também! Foi isso que homens, como Jonathan Edwards, por exemplo, fizeram. Não foi por menos que ficou conhecido como “Teólogo do Avivamento” por ocasião de suas reflexões e análises no “Grande Despertamento” das colônias americanas, no século XVIII. Reflexão e transformação pelo evangelho! Mente e coração! Razão e paixão! Escritura e Oração! Teologia e alegria! Proposição e canto! Nada pode ser mais bíblico, mais saudável e tão necessário à pratica de uma espiritualidade autêntica, enraizada na Palavra e no testemunho da História da Igreja.


SOLI DEO GLÓRIA!!!

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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

IGREJA: FORMA E ESSÊNCIA


"Fique muito atento se o vinho que você está entregando em seu ministério não tem sido contaminado pela estrutura que o cerca"


Por: Rodolfo Garcia Montosa

"Ninguém põe vinho novo em odres velhos. Se alguém fizer isso, os odres rebentam, o vinho se perde, e os odres ficam estragados. Por isso, o vinho novo é posto em odres novos." Marcos 2.22

Difícil não se impressionar com o processo de fabricação dos vinhos. Quando estive no Chile tive a oportunidade de conhecer uma vinícola e entender os detalhes e segredos que conferem a eles tal sabor e aroma. O que mais chamou a atenção foram os tonéis onde a bebida é armazenada para o processo de fermentação e envelhecimento. Aprendi que os melhores são tonéis franceses, fabricados em carvalho - madeira nobre e resistente, nativa da Europa e do Mediterrâneo - que chegam a custar três mil reais.

Quando em estado de espera dentro desses imensos barris de madeira clara, o vinho confere aos tonéis uma cor avermelhada, como se o fizesse sangrar. Por outro lado, é esse contato com a madeira que irá conferir à bebida um sabor especial. Definitivamente, ambos nunca mais serão os mesmos após serem ajuntados!

Para falar sobre forma e essência no Reino de Deus, é necessário entender, primeiramente, que uma não sobrevive sem a outra e é imprescindível para o perfeito funcionamento dessa ou daquela. É como na vinicultura. A bebida pode ser a essência e o tonel apenas a forma, mas ambos são necessários no processo de amadurecimento do vinho. O vinho será marcado, transformado pela madeira. E vice-versa. Isso significa que todo aquele que rompe com determinada estrutura, necessariamente criará outra estrutura, mesmo que não admita isso. Não existe essência sem uma determinada forma.

É fundamental entender também que o vinho e a madeira devem desenvolver-se juntos. Um vinho novo que passará por um processo de fermentação intenso não pode ser colocado em tonéis velhos. Ou perderá seu sabor, ou romperá os tonéis. Isso significa que determinadas estruturas devem ser abandonadas quando se perdeu a essência do evangelho. Conteúdo novo, ou melhor, o velho que se perdeu, deve ser iniciado em uma nova estrutura.

Outro ângulo de ver a analogia é definindo a forma como "atividade meio" e a essência como "atividade fim". Ninguém quer "tomar" um tonel. Ele é apenas um meio através do qual se atinge o fim de um vinho de qualidade. Na prática do dia-a-dia, contudo, percebe-se um encantamento com as atividades meio e um desvirtuamento das finalidades. Se a finalidade passa a ser o de ganhar dinheiro ou perpetuar-se no poder, por exemplo, basta aplicar algumas fórmulas "mágicas" que o povo o seguirá. Mas isso nada tem a ver com a essência relacional do evangelho. Muitos estão correndo atrás de fórmulas, ou formas que dão certo. Cresce o apego à forma em muito maior proporção que o amor à essência do evangelho. Estão aí os ritos e rituais que perpassam séculos, perdendo por completo seu sentido e significado, mas perpetuando-se como atos de magia que tem poder intrínseco em si mesmo.

Fique muito atento se o vinho que você está entregando em seu ministério não tem sido contaminado pela estrutura que o cerca, incluindo você em suas motivações e desejos pessoais. Aos líderes chamados de cristãos interessa fazer somente o que seu mestre fez: trazer à festa um novo vinho de qualidade superior e não vinagre em embalagem enganosa.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Perdão e Confissão

Perdão e Confissão:

"Se já fomos perdoados por quê precisamos pedir perdão?"


POR: Caio Fábio D'Araújo Filho.


Novos instrumentos sempre precisam de afinações. Assim é também quando novas compreensões nos chegam ao coração. Sempre há necessidade de fazer uma sintonia fina de vez em quando. Isto porque as novas alegrias muitas vezes nos impedem de fazer uma síntese mais equilibrada das coisas por um tempo. E a prova disso é que Hoje você me faz esta pergunta. Sinal de que há uma nova reflexão sendo feita. O que é muito bom!

Respondendo a pergunta, proponho-lhe uma figura.


Eu tive a bênção de ter um pai de quem jamais duvidei do amor. Eu sempre soube que ele me perdoaria de qualquer coisa, embora eu também sempre tenha sabido que qualquer coisa indigna que eu viesse a fazer, e ele a saber, seu coração se entristeceria bastante, talvez até profundamente.

Assim, eu sempre soube que ele me perdoaria porque ele me ama, mas nunca deixei de pedir perdão a ele apenas por saber disso.

Ora, se é assim com meu pai terreno, como seria com meu Pai que está nos céus?

Ao meu pai eu peço perdão porque ele precisa saber que minha consciência está viva e sadia. E também porque o respeito e desejo honrá-lo até nos meus erros.

Já em relação ao meu Pai que está nos céus, peço perdão por mim mesmo, para o meu próprio bem, como reconhecimento de que minha consciência está viva, e, sobretudo, porque minha vida é um flagrante permanente diante Dele.

Assim, embora de antemão perdoado, peço perdão;
posto que meu pedido de perdão é a confissão de minha boca de que minha consciência continua cativa da verdade de Deus; e isto é importante para mim, visto que Deus sabe.

Eu, porém, sou ensinado a orar dizendo: “Perdoa as minhas dívidas assim como eu perdôo os meus devedores”.

Desse modo há duas dimensões aqui envolvidas:

1. A primeira ensina que perdão é perdão. Ou seja: porque perdôo, sou perdoado; isto porque já estou perdoado; portanto, não tendo mais o direito de não perdoar. Desse modo, não perdoar equivale e dizer que não se acredita em perdão, ficando-se, assim, postos por nós mesmos, na posição de não-perdoados outra vez.

2. A segunda tem a ver com Deus, que de antemão me perdoou, mas que espera que meu coração reconheça o perdão com seriedade, a fim de que a minha consciência não fique sem exercício. Portanto, quando peço perdão, confesso que ainda estou vivo e grato; e mais: confesso meu desejo de deixar coisas e partir para outras melhores.


Arrependimento, diz o Novo Testamento, é Graça de Deus. É Deus quem concede o arrependimento, e quem conduz ao arrependimento. Portanto experimentar arrependimento já é fruto da Graça do Perdão divino.

Assim, eu diria: somente perdoados se arrependem!


Prova disso é Davi, que, uma vez confrontado pelo profeta Natã, disse: “Pequei contra o Senhor!”— e ouviu o profeta dizer: “Também o Senhor já perdoou o teu pecado!”

Assim é que é bem-aventurado o homem a quem o Senhor não “imputa iniqüidade”. Como também é bem-aventurado todo aquele que “não se condena nas coisas que aprova”.

Desse modo, a Graça de Deus nos dá toda segurança, mas demanda de nós que vivamos buscando não pecar, não porque o pecado “tire pedaços de Deus”, mas sim porque tira os pedaços da gente.

Na revelação há sempre duas dimensões: uma eterna e outra temporal.

Assim, pela revelação sabemos o que é eterno, e, portanto, já é, e ninguém mudará. Ao mesmo tempo em que há advertências temporais, as quais têm dimensões de natureza, eu diria, psicológicas; isto porque concernem à alma humana e à continuidade da existência na Terra.

Por isto, eu sei que em Cristo tudo já é e já está Consumado; mas sei também que em mim mesmo, nada está acabado e concluído, pois vivo na carne, no corpo, no tempo, no espaço, e no que ainda é em parte.

Portanto, eu lhe digo: Os perdoados sempre pedem perdão; e, além disso, sempre perdoam!

Quando há o momento da “contrição” na hora de um culto, eu sempre aproveito para o meu bem. Mas meu confessionário é no caminho, enquanto vou, e à medida que minha consciência fala comigo.




Nele, em Quem já sou tudo a fim de poder ser,

A COMPETIÇÃO DAS IGREJAS

A igreja passou a ser mais uma instituição sem grande valor e importância

Por: Oziel Alves

Há duas grandes notícias sobre as igrejas evangélicas contemporâneas. Uma boa e outra má. A boa é que não resta a menor dúvida que, com ou sem teologia da prosperidade, ela pode melhorar significantemente a vida de uma pessoa. A má é que ela já não interpreta o certo e o errado para a sociedade. O respeito incondicional pela igreja moralizadora está em extinção. Aceita-se o que é bom, rejeita-se o resto. Frente à gama de escândalos que o povo se acostumou a ver e ouvir, até os mais bem intencionados membros, colocam um pé atrás, antes de acreditar piamente nas palavras de um líder.

Jacques Ellul, em seu livro The New Demons, deixou claro que a instituição “igreja” foi convidada “a ocupar um assento no vasto anfiteatro da sociedade” em outras palavras “ela é demitida de seu posto de protagonista moralizante, onde ditava as regras e dizia o que era certo e errado, para ser apenas mais uma 'instituição', sem grande valor e importância, a assistir o show da degradação dos valores morais”. A sociedade aceita conviver com a igreja. Coexistir, como diria Bono. Mas é preciso que ela fique em silêncio e não ouse interferir na liberdade-libertina que o mundo há tanto tempo sonhou alcançar, e hoje se deleita.

Há igrejas que resistem. Há outras que abrem mão de seus princípios, em prol de uma maior aceitação na sociedade. Sob o manto das mudanças, do desenvolvimento político, cultural, científico e tecnológico, está inserida, também, a nova igreja do século XXI. Segundo a Revista Veja, “Com menos ênfase no sobrenatural e mais investimento em técnicas de auto-ajuda, [...] aumentando sua penetração na classe média”. A igreja encarou novas exigências. Modernizou-se, ruma ao profissionalismo, tornou-se mais tolerante. Mais humana. Boas medidas que contribuíram para o aumento “das massas” e capacitaram as lideranças a oferecerem “um tratamento psico-social e espiritual” visivelmente de maior qualidade para os crentes. São, porém, medidas perigosas, nas mãos dos falsos mestres que se utilizam da palavra de Deus, visando única e exclusivamente, angariar lucros de forma fácil e abusiva. A Bíblia diz que estes “falsos mestres” “apascentam a si mesmos, sem nenhum temor” (Jd 1:12b), isto é, em causa própria e indevidamente, utilizam-se de recursos que deveriam ser destinados a melhoria e a boa administração da obra de Deus.

Enquanto a espiritualidade do brasileiro aumenta, há muitos de olho na lucratividade que uma igreja pode render. Para estes, a Bíblia tem um recado: “Ai deles! Que foram pelo caminho de Caim e pelo amor ao lucro se atiraram ao erro de Balaão [...]”. “[...] Pastores que apascentam a si mesmos, sem temor, são nuvens sem água, levadas pelos ventos, são árvores sem folhas nem fruto, duas vezes mortas, desarraigadas” (Jd 1:11a -12b).

A igreja é uma empresa, sim. Preocupa-se, igualmente, com as contas a pagar, com os salários dos pastores, músicos, ministros, obreiros, missionários, com os investimentos materiais. E, não há nenhum mal nisso. Nossos líderes – que trabalham com afinco e amor a obra de Deus - merecem muito mais do que as migalhas a que se submetem. Mas é preciso diferenciar uma situação. Todas as igrejas são empresas, mas há empresas que supostamente são igrejas. A verdadeira igreja, antes de ser empresa, precisa ser casa de serviço e adoração. Que leve realmente a sério as questões espirituais, e não abra mão sob hipótese alguma de seus “princípios” para abocanhar “lucros ou poder”.

A verdadeira igreja, não faz vista grossa para o pecado, quando quem precisa ser corrigido é o irmão endinheirado que sustenta boa parte da obra com seu alto dizimo. O falso mestre pode esconder suas más intenções de multidões, enquanto o diabo assiste de camarote as obras ambulantes de sua astúcia. Deus, todavia, honra aqueles que por amor do seu nome, foram vítimas do engano dos falsos mestres.

Dizem que não podemos subestimar a inteligência do diabo. Então, ouso subestimar a nossa ingenuidade quando a tática mais eficaz do inimigo, há séculos continua sendo, exatamente a mesma, ou seja, alguma coisa, em troca de algum poder. Sabemos que o poder é um método eficaz de tentação e corrupção. Talvez ele esteja intrinsecamente ligado a raiz da personalidade pecaminosa dos homens, caracterizada pelo pecado original de Adão e Eva, lá no Jardim do Éden. Esta tática foi aplicada a outros como Judas, Jacó, Ló, Ananias, Safira; a Jesus Cristo quando ofereceu todos os reinos deste mundo se prostrado Ele, o adorasse. Há uma extensa lista de personagens bíblicos. Ao que parece, seus métodos, não sofreram alterações.

Segundo Dr. Russel Shedd, “A mais sutil tentação do mundo é a que propõe reconhecimento e aceitação ao cristão”. E ele diz mais “O poder tem uma facilidade inata de corromper qualquer líder que exerça o direito de manter controle sobre a vida dos outros”. E, é este controle que muitos almejam, até invejam. Começam ouvindo a palavra, como qualquer outro. O pastor, vê neles um potencial. Chama-os para a obra. Ensina, treina, dá oportunidades. Confia na ovelha. De repente, o escritório pastoral é invadido por um lobo voraz. O pelego de ovelha, fica na porta e serve de capacho. As contendas e dissensões vem à tona. O nível de influência do dissidente, determina o tamanho da divisão e os membros que o seguirão.

Igrejas são filantrópicas. Não é difícil abrir uma. Basta ter influência sobre algumas pessoas, para iniciar um pseudo-trabalho de evangelização. Pseudo porque tais dissidentes ao invés de irem para bem longe, evangelizar pessoas ainda não crentes, divertem-se pescando no aquário em que viviam, semeando contendas, discórdias e inevitavelmente despertando a ira de seus ex-líderes.

Nunca houve tantos templos espalhados por aí, como se tem visto, ultimamente. O imaginário coletivo crítico-cristão ousa citá-los como “botecos religiosos”, uma ironia à igreja comparada aos estabelecimentos comerciais de pequeno porte, que limitados por um raio físico-geográfico muito pequeno, através de um marketing barato e agressivo, lutam pela sobrevivência financeira, competindo pelos mesmos fregueses.

Que bom seria se nossas cidades estivessem superlotadas de igrejas preocupadas com o ideal maior, que em princípio deveria ser compartilhado por todas: “Pregar o evangelho a toda a criatura e declarar Jesus Cristo como o verdadeiro caminho, verdade e vida”. Que bom seria se estas igrejas fossem totalmente despreocupadas com o marketing lucrativo e a concorrência estigmatizada por números e posição social de destaque na sociedade. Mas, elas estão aí. E são pequenas, médias, grandes. Há de todo tamanho. Multiplicam-se e mudam suas fachadas. Com o intuito de atingir massas, adaptam-se a modernidade secular, e lançam novas ideologias como isca aos necessitados. Igreja para empresários. Para jogadores e artistas. Igreja para surfistas. Há campos a serem explorados. Faltam os escritores, médicos, psicólogos, físicos e matemáticos. Será que existirão igrejas para garis, faxineiras e babás?

Não será estranho se daqui há alguns dias nos depararmos com alguma igreja levantando a seguinte placa: “Viva o pecado, venha, e una-se aos pecadores de plantão!" Ironias a parte, há certamente, aquelas que buscando a santificação, resolveram se separar. Estas, no entanto, representam uma parcela muito pequena do todo. O alerta já havia sido dado há algumas centenas de anos “Nos últimos tempos haverá escarnecedores, andando segundo as suas ímpias concupsciências. Estes são os que causam DIVISÕES; são sensuais, e não tem o ESPÍRITO” (Jd 1:18-9). Mas, Ai deles...