quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Canudos: O Reino de Deus na Cidade dos Homens- Uma Expressão Apocalipsista no Brasil.

POR: Idauro Campos

1 – Introdução


Canudos é uma a expressão de apocalipsismo ocorrido no Brasil do século XIX. E é uma das mais bem sucedidas manifestações apocalipsistas, pois seu movimento enfatizou tanto uma esperança celestial como também, e principalmente, uma redenção histórica e sociológica, porquanto procurou construir em termos reais e práticos a Cidade de Deus no agreste nordestino que tipificou diante dos olhos dos sertanejos uma esperança que as estruturas sociais injustas em vigência no país à época não conferiam. Eis, então, o êxito de Canudos! A razão de seu sucesso! A expectativa não era apenas sobre o porvir. A redenção não era apenas para a alma. O Reino de Deus construído em Canudos abarcava a alma, mas também todas as dimensões da vida humana. Era um projeto que estabelecia uma nova ordem. Isto fora, sem dúvida, uma novidade nos movimentos apocalipsistas, pois os moradores de Canudos não almejavam uma vida tranqüila após a morte. Queriam a dignidade de vida ainda em vida. Não queriam uma redenção futura somente. Uma nova vida enquanto presente! Foi isso que Antônio Conselheiro pregou, ensinou, incentivou e lutou. Canudos foi a idealização de um sonho que não precisava ser e estar distante e Antônio Conselheiro e seus discípulos tudo fizeram para realizá-lo.

Nossa proposta nesta breve exposição sobre Canudos é conhecer um pouco de sua história, de seu enigmático líder, seu êxito enquanto proposta de uma nova comunidade, as causas de seu sucesso e os temores que Belo Monte despertou em todo o país.


1 - Antônio Vicente Mendes Maciel: O Conselheiro.

Não podemos começar a falar sobre o fenômeno de Canudos sem partir de seu líder e protagonista. Figura central e enigmática na importante história de Canudos, Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro, nasceu em 1828, Quixeramobim, Ceará. Filho de Vicente Mendes Maciel e Maria Joana de Jesus. Ficou órfão de mãe aos seis anos de idade o que acarretou dificuldades, pois seu pai, ao casar-se novamente, o fez com uma mulher que impunha sofrimentos ao pequeno Antônio. Após aprender a ler e escrever foi matriculado em uma escola onde estudou aritmética, geografia, francês e latim.

Sua formação foi fortemente influenciada pela sangrenta história de sua família que rivalizava no sertão a posse da terra, onde moravam, com os Araújos. Das desavenças, vieram, como conseqüência, acusações falsas, traições, emboscadas e assassinatos. Tais experiências impactaram profundamente Antônio Conselheiro, pois percebeu logo cedo em sua vida que os fortes se impõem pela truculência e intimidação e, dependendo de sua posição social e econômica, as autoridades não tomavam partido dos mais fracos. Antes, pelo contrário, os desprestigiavam, não os defendendo.

Ao tornar-se adulto, assumiu o estabelecimento comercial de seu pai e casou-se com uma prima, mas não obteve êxito na vida conjugal, pois foi traído e abandonado por sua esposa. Antes da separação já havia liquidado o negócio que herdara do pai, o que o levou a trabalhar como empregado no comércio. Sua carreira profissional foi instável, trabalhando como proprietário de escola, professor, caxeiro, advogado provisionado e juiz de paz. Os fracassos profissionais, o insucesso conjugal, as constantes mudanças de endereços que lhe propiciaram conhecer algumas cidades do interior do Nordeste brasileiro e, assim, conhecer a dura realidade que o sertanejo enfrentava, além do senso de injustiça que conhecera desde a infância e que agravara ao trabalhar como advogado provisionado, principalmente pelo fato de que o poder vigente negava a justiça ao pobre, embora discursasse sobre a mesma, Antônio Conselheiro foi, aos poucos, se convencendo de que algo estava errado na ordem social estabelecida, porquanto era nítida a desigualdade vivida entre os sertanejos e os latifundiários do sertão.

Outro fator importante na eclosão do fenômeno “Antônio Conselheiro” foi seu contato com o José Antônio Pereira Ibiapina que em determinado momento de sua vida deixou a carreira profissional e dedicou-se ao sacerdócio católico. O clérigo angariava dinheiro e alimentos em prol dos necessitados e arregimentava pessoas para a construção de igrejas, pontes, cemitérios e açudes em Barbalho e Milagres, além de várias casas de caridade. Padre Ibiapina exerceu, com sua vida, ministério e pregações, fortíssima influência sobre Conselheiro, tendo este, inclusive, o acompanhado por um tempo como discípulo. Foi seu treinamento para a concepção de Canudos.

Em 1871 a fase errante e peregrina de Antônio Conselheiro começou, circulando pelos sertões dos Estados do Ceará, Pernambuco, Alagoas e Bahia. Nas peregrinações era acompanhado por adeptos e nas visitas aos lugarejos, além de pregar às populações pobres, procurava também reuni-las para a construção de obras de interesse público, seguindo o exemplo do Padre José Ibiapina.


2 - Os Seguidores

Ao ouvir as pregações de Antônio Maciel, à medida que circulava pelos sertões do nordeste brasileiro, o povo se identificava e o seguia, buscando seus ensinamentos e conselhos. Antônio Maciel virara o Antônio Conselheiro.

Seus discípulos eram artesãos, camponeses, pequenos proprietários de terras que foram expulsos pela violência dos ricos donos dos latifúndios. Pessoas de todos os níveis sociais, enfim, que desejaram acompanhar as peregrinações de Conselheiro. Estes discípulos ouviam sermões que falavam de Deus e de seus mandamentos e também prédicas que denunciavam a desigualdade social em que o sertanejo vivia e de quão injusta era a situação. Uma abordagem nova com certeza, pois Conselheiro não refletia apenas sobre o céu, conquistado por boas obras, segundo acreditava, mas, também, convocava os ouvintes a enxergarem a situação trágica do ponto de vista econômico e social em que estavam inseridos, denunciando a imoralidade da injustiça social evidenciada no contraste entre latifundiários e camponeses. Deus era Pai de todos e a terra era para todos. A desigualdade social era imoral. Tal denúncia atraiu a atenção e o coração de milhares de miseráveis do sertão da Bahia, onde se estabelecera. Além do conteúdo de seus sermões, sua eloqüência era elogiável, porquanto tinha o dom da palavra. Com clérigos citava o latim e ao povo falava de que lhe era claro e comum.

Destarte, aos milhares, a ele, os sertanejos se uniam, renunciando a uma vida desregrada e de intensos sofrimentos e constantes humilhações na busca da solidariedade humana, das boas obras e de uma sociedade mais justa. Sob a liderança de Antônio Conselheiro seus discípulos casavam-se no religioso, batizavam seus filhos, participavam das missas dominicais e rezavam diariamente. Além das atividades cúlticas, seus seguidores o acompanhavam na construção de igrejas e cemitérios e muitos destes seguidores eram profissionais de carpintaria e de construção, o que muito ajudou a execução da missão de Conselheiro. Além dos sertanejos, muitos dos negros libertados pela Lei Áurea de 1888 se juntaram aos peregrinos, porquanto também sofriam as injustiças sociais, visto que estavam livres das senzalas e da chibatas, mas não da miséria.

O grupo de discípulos de Antônio Conselheiro aumentava e à medida que visitava as cidades do sertão nordestino chamava a atenção de mais pessoas. Sua ênfase era na igualdade entre os homens e sob esta perspectiva recusou em uma visita a Bom Conselho a aceitar que os pobres pagassem impostos aos municípios, pois os mesmos não eram cobrados dos latifundiários, entretanto, o governo exigia que as camadas mais pobres pagassem. Ao criticar duramente a medida governamental, chegando até mesmo a queimar os editais, o que externava sua rígida discórdia em reconhecer a legitimidade dos tributos cujos pagamentos estavam sendo exigidos, Antônio Conselheiro foi perseguido pela polícia que não conseguiu prendê-lo, mas cujo evento o levou a tomar a decisão de refugiar-se em um lugar inexpugnável que lhe permitisse colocar em operação seu intento de uma cidade igualitária. Nascia assim, no interior da Bahia, o arraial de Belo Monte. A Cidade de Canudos.


3 – Canudos

Velha e abandonada fazenda à margem do rio Vaza-Barris (BA). Recebeu o nome Canudos, por que seus antigos moradores passavam o dia pitando cachimbo em canudos de salonáceas, que margeavam ao Vaza-Barris.

Em Canudos, ou Belo Monte, seu nome oficial, a cidade celestial, justa e igualitária, conforme Antônio Conselheiro acreditava, ganhava contornos reais. Sem dúvida, um refúgio para errantes, desempregados, injustiçados, espoliados e sofredores de modo geral. A única autoridade em Belo Monte seria a de Antônio, seu profeta, pastor, líder, idealizador, fundador e conselheiro. Em Belo Monte, todos seriam tratados com igualdade. Não era um lugar para desocupados ou vadios, pois todos deveriam trabalhar em prol da comunidade. Destarte, vaqueiros, agricultores, ex-escravos, artesãos, camponeses eram importantes na distribuição das tarefas em que o plantio, a curtição de couro, o artesanato, a pecuária eram administradas e seus resultados eram igualmente divididos entre todos na comunidade. Era a comunidade de bens, conforme nos narra Atos 2.45.

O Sucesso de Canudos não foi apenas por causa da estrutura proposta por Antônio Conselheiro, mas pela sua experiência, pois já possuía 65 anos de idade na ocasião da fundação da cidade e também em função de seu carisma magnético, de sua organização, sua disciplina, seu talento como construtor, sua piedade, seu exemplo, sua eloqüência, sua capacidade de interagir e se fazer entender por todos. Seu projeto era claro e tangível. Enquanto os sacerdotes católicos anunciavam uma vida digna apenas após a morte, Conselheiro tentou antecipar esta dignidade na vida aqui e agora.

Belo Monte, Canudos, representava a antecipação do Reino de Deus. Era a inserção da Cidade de Deus na Cidade dos Homens. Era isto que magnetizava as multidões que corriam para Canudos, porquanto famílias miseráveis que há muito sofriam sob todas as formas de opressão e injustiça, sendo sempre alijadas dos processos de mobilidade social, esquecidas pelas autoridades, até mesmo as religiosas, visto que estas eram comprometidas com as civis e mantinham o status quo. A Igreja Católica, com seus párocos, amigos dos latifundiários que exploravam a população miserável, estava muito aquém de atender os anseios mais profundos da alma daquelas vítimas do extrato social perverso vigente no Brasil da época. Canudos, portanto, era o símbolo da salvação plena. Da libertação integral. Da dignidade que Deus quer que os homens adquiram. Antônio Conselheiro, sob muitos aspectos soube comunicar esta esperança ao povo que para Belo Monte deslocava-se.

Canudos não foi apenas um fenômeno religioso. Assim como também não foi apenas um fenômeno sociológico, mas a junção de ambas as perspectivas, pois seus moradores eram religiosos, tementes a Deus e desejosos da salvação, mas também na esperança de que suas vidas melhorassem ainda nesta dimensão da existência e todos os meios legítimos deveriam ser empregados para alcançar esta proposta. Canudos foi uma expressão apocalipsista brasileira.


4 – As Oposições

Os moradores de Canudos chegaram a construir cinco mil e duzentas casas que abrigavam mais de vinte mil pessoas. Todas debaixo da autoridade exclusiva de Antônio Conselheiro. Relativizavam a autoridade da Igreja Católica e não reconheciam a da República. Uma postura desta, na incipiente República, representava uma ameaça ao seu estabelecimento. Apesar dos incômodos que Canudos produzia, o clero e o governo não estavam se mobilizando contra Belo Monte até quando uma cobrança feita por Antônio Conselheiro em 1826 a um comerciante de Juazeiro, que não lhe entregou uma mercadoria comprada e devidamente paga e informando de que a buscaria, foi interpretada em tons de ameaça como se o líder de Belo Monte fosse sair de seu lugar, cercado de jagunços para vingar-se do comerciante. Tal mal entendido despertou ansiedades e nervosismos na população e nas autoridades de Juazeiro que apelaram para o governador que enviou tropas para proteger a cidade. Foi o início da Guerra de Canudos que, aliás, começa de forma ilegal e conveniente aos pretextos do governador, pois Antônio Conselheiro estava reclamando seu direito, pois comprou madeiras e estas não foram entregues. Seu objetivo ao desejar ir à Juazeiro era para adquirir seu produto que fora, inclusive, devidamente pago. Mas, as autoridades viram naquele deslocamento uma oportunidade para dizimar os moradores de Canudos e uma expedição, a primeira em quatro, foi enviada.

Apesar da força militar as primeiras expedições fracassaram todas. Foram necessárias quatro intervenções das forças militares em Canudos para destruí-lo o que aconteceu em 05 de outubro de 1897 quando os últimos resistentes sucumbiram. Antônio Conselheiro morreu em 22 de setembro de 1897, vitima de uma disenteria.

A Guerra de Canudos durou 1 ano, vitimando mais de vinte e cinco mil pessoas, onde se constatou uma das maiores ondas de assassinato já registradas no Brasil, haja vista que os moradores que se entregaram foram implacavelmente brutalizados pela fúria dos exércitos, que não pouparam brasileiros rendidos e indefesos, mesmo mulheres e crianças. A degola foi amplamente praticada por ocasião da vitória das tropas militares.

Baixas importantes também aconteceram entre os militares, talvez a mais significativa foi a do Coronel Antônio Moreira César, famoso e temível comandante do exército que se feriu em combate, vindo a morrer.

Canudos foi completamente destruída. Ao retornar para as metrópoles as tropas militares sofreram ondas de protestos por parte da população, da imprensa e também dos próprios políticos. Muitos queriam a dispersão de Canudos, mas repudiavam os métodos insanos e selvagens com que os militares aplicaram a missão, configurando, assim, em uma das mais sujas e sangrentas páginas da história do Brasil republicano.


Conclusão


Canudos foi a mais gritante expressão de apocalipsismo no Brasil e a confirmação de que a convergência de fatores como miséria, injustiça, omissão religiosa, decepção com as autoridades, fanatismo e líderes carismáticos com capacidade de expressão propiciam o surgimento de propostas apocalípticas. Canudos foi uma proposta apocalíptica com fortes convocações à reflexão espiritual e social e uma rígida e clara proposta de alterar a ordem social vigente, possibilitando a total e plena emancipação dos injustiçados deste país. Ao conciliar esperança escatológica com engajamento histórico-social, Antônio Conselheiro distanciou-se das seitas já conhecidas no Nordeste que se resumiam à pregação fanática e duramente ascética. Canudos era um projeto de Reino. Um projeto de cidade. Um projeto de vida. Era uma utopia possível. Tal conexão com a realidade era ousada e criativa. Ganhou respeitabilidade por sua tentativa de realidade. Atraiu multidões, defensores, adeptos, mas também o ódio e a inveja dos que se sentiam denunciados e ameaçados pela utopia dos sertanejos, seguidores de um Conselheiro, que sonharam e tentaram construir a realidade sonhada nas longínquas terras do interior da Bahia.

Referências:

CUNHA, Euclides da. Os Sertões. Rio de Janeiro: Martins Claret, 2002.

MONIZ, Edmundo. Canudos: A Guerra Social. Rio de Janeiro: ELO Editora, 1987.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

A Instituição Religiosa Na (Pós) Modernidade


Por: Cláudia Sales de Alcântara




O artigo visa analisar o significado de religião (ou religiosidade) e o papel da instituição religiosa, especificamente o cristianismo, mostrando suas relações e significados na sociedade pós-moderna ocidental. Será que realmente caminhamos para o fim da religião? A sociedade pós-moderna esvaziou-se do que chamamos de sentimento religioso? Porque mesmo em meio a uma sociedade secularizada podemos perceber uma renovação do interesse na religião? A religião ainda exerce uma coerção social?

A partir da compreensão dos desdobramentos que tiveram a passagem de uma era feudal para uma era moderna centrada no surgimento do capital, da reflexão sobre a pós-modernidade e dos conceitos de religiosidade, dessacralização e instituição pretende-se mostrar que o sentimento religioso ainda se faz presente na atualidade como instrumento que influi sobre os fundamentos sociais, mas que, contudo, perdeu o seu sentido ordenador da realidade e do social; ou seja, a religião e suas instituições de representação perderam poder de dar sentido e dominar no mundo (pós) moderno.

Para melhor compreensão, o artigo será dividido em quatro partes. Na primeira parte, A experiência religiosa e a institucionalização da religião, será mostrado como o sentimento religioso, que fornece ordem, sentido e eficácia simbólica ao ser humano, foi aos poucos se institucionalizando, tornando-se detentor da experiência religiosa; na segunda parte, A instituição religiosa como instrumento de coerção social, será apresentada como a religião cristã tornou-se um mecanismo de coerção na sociedade feudal (Durkheim[2]); na terceira parte, A modernidade e a secularização da sociedade, será feita uma reflexão sobre o surgimento da modernidade, e o processo de secularização e dessacralização da sociedade; na ultima parte, A instituição religiosa em meio à pós-modernidade, finalizará mostrando que a religião não termina com esta, mas recebe novas formas e sabores bem particulares, a partir da própria lógica autônoma e racional da modernidade.

I – A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA RELIGIÃO

A experiência religiosa (religiosidade) é mais do que um simples fenômeno. É antes de tudo um modo primário do indivíduo que emerge a partir da própria consciência que o ser humano é um ser finito, limitado, imperfeito, e se descobre num mundo que não criou e cujo sentido desconhece. É desenvolvida através de uma busca pessoal e nunca por imposição. Pode se manifestar através da crença[3] de uma fé e ritos[4], como também pode se manifestar em outras atitudes não diretamente relacionadas com uma religião. A religiosidade não tem a pretensão de exercer uma influência social, pois chega ao ser humano como resposta às questões existenciais da vida, trazendo referenciais que transcendem a sociedade. Está muito mais associada a vivências particulares, como os fenômenos sobrenaturais, que despertam os homens e mulheres para outras dimensões da realidade.

Quando a experiência religiosa é experimentada de forma coletiva surge a religião. A religião é uma manifestação coletiva, geradora de fortes sentimentos de identidade entre os seus membros, gerando assim uma unidade (Budismo, Judaísmo, Cristianismo, Islamismo, etc.). Contudo, quando no seio da coletividade tentamos “aprisionar” a experiência religiosa, limitando ou regulamentando, colocando-a sob custódia, inicia-se então o processo de institucionalização da mesma.

A instituição religiosa, ao contrário da experiência religiosa, procura não apenas manter seus ritos, mas também influenciar o curso dos acontecimentos sociais garantindo a sua perpetuação, expansão, e manutenção da ortodoxia por intermédio dos dogmas, da tradição e manipulação do poder. Afirmando ter a solução dos problemas existenciais do ser humano, oferece um contexto em que o indivíduo sente-se protegido (psicologicamente ou materialmente), conseguindo projetar seus conflitos mal resolvidos para uma ordem simbólica (criando uma situação de dependência); torna-se, portanto, o refúgio ideal de muitas pessoas (o que Bourdieu chamaria de violência simbólica).

II – A INSTITUIÇÃO RELIGIOSA COMO INSTRUMENTO DE COERÇÃO SOCIAL


Com a queda do Império Romano do Ocidente, em meados do século V, as inúmeras invasões bárbaras, que obrigaram os nobres romanos e seus camponeses a se afastarem das cidades, e as más políticas econômicas dos imperadores, geradores de mortes, doenças e insegurança, a Europa iniciou um período de baixa densidade populacional e baixo desenvolvimento econômico. Com a dominação dos povos bárbaros no território europeu, tornou-se impossível que os descendentes dos nobres romanos, que eram donos de pequenos agrupamentos de terra, unificassem-se a estes. Estes acontecimentos proporcionaram mudanças econômicas e sociais. Descortinou um novo sistema econômico, político e social chamado Feudalismo.

A política ficou fortemente marcada pela descentralização do poder; a economia torna-se arraigada à terra (feudo[5]), de subsistência, agro-pastoril e de mão-de-obra servil; com a ausência quase total do comércio e de intercâmbios monetários, as relações comerciais eram realizadas através de escambo[6], não mais com dinheiro. As cidades deixaram de ser centros econômicos e a sociedade passou a ser composta de três grupos sociais com status fixo: os clérigos, os senhores feudais e os servos. Os clérigos possuíam função oficial de rezar, os senhores feudais (nobres) guerrear e os servos (maior parte da população camponesa) presos à terra, de trabalhar, prestando serviço ao senhor e a pagar-lhe diversos tributos em troca da permissão de utilizar-se da terra e de proteção militar. Devido esta estrutura social, o servo (que era explorado) não se sentia estimulado a aumentar a sua produção com inovações tecnológicas, ocasionando um pequeno desenvolvimento tecnológico neste período.

A igreja, no caso Católica Apostólica Romana, exerceu uma grande influência sobre a população medieval que ultrapassava as questões religiosas e espirituais. Tornou-se a maior “senhora feudal”, proprietária de terras e de riquezas doadas pelos reis, atuava em todos os setores: econômico, pedagógico, político e mental, tornando-se o principal centro irradiador da cultura na Idade Média. A igreja partia de uma centralizada e bem organizada estrutura, sua expansão foi facilitada pela expansão dos mosteiros, abadias e conventos, e sua consolidação foi viabilizada pelos monarcas francos e seus decretos (capitulares), como podemos ler em uma capitular para os territórios saxões:

“Se alguém procura asilo numa Igreja, ninguém deve fazê-lo sair pela força; seja deixado aí até que ele queira sair espontaneamente.

Aquele que penetra numa Igreja com violência e aí comete roubo ou saque ou incendeia a Igreja será punido com a morte.

Aquele que mata um bispo, um padre ou um diácono também será punido com a morte.
Aquele que conforme o costume pagão faz queimar um cadáver e incinerá-lo será punido com a morte.

Aquele que sacrifica um ser humano ao diabo e o oferece, segundo rito pagão, aos demônios será punido com a morte.

Aquele que fizer voto junto de uma fonte, de uma árvore, de um bosque, ou tiver sacrificado algo à moda dos pagãos (...) pagará multas e, se não o puder, entrará no serviço da Igreja até que pague”. (MONUMENTA GERMANIAE HISTÓRICA, Leges, I, 48-50. Citado por FROHLICH, 1987, p.56)

Possuía também grandes rendimentos através do dízimo, contudo, criou normas econômicas condenando o lucro e os empréstimos de dinheiro a juros. O papa, chefe supremo da igreja, era visto como representante direto de Deus na terra, superior aos reis e imperadores, como podemos observar no pronunciamento do papa Inocêncio III:

“Deus, criador do mundo, pôs no firmamento dois grandes astros para o iluminar: o Sol que preside ao dia, e a Lua que preside à noite. Do mesmo modo, no firmamento da Igreja universal instituiu Ele duas altas dignidades: o Papado, que reina sobre as almas, e a Realeza, que domina os corpos. Mas o primeiro é muito superior à segunda”. (Pronunciamento do papa Inocêncio III. Citado por FREITAS, 1975, p. 204).

Em virtude destas transformações, a mentalidade racionalista e humanista da cultura greco-romana, foi lentamente sendo substituída por uma inabalável fé em Deus. Toda a explicação existencial somente poderia ser respondida pela fé; apenas ela poderia garantir a vitória e proteção sobre Demônio, símbolo do Mal e uma salvação após a morte. A religião agora pautava a vida e a morte do homem e da mulher medieval através dos sacramentos (batismo, matrimônio, extrema-unção). O ser humano medieval estava nas “mãos de Deus”. Atemorizado pela condenação, submetia-se às penas e ameaças de caráter religioso impostas pela igreja (podendo até chegar à excomunhão). A máxima grega “o homem é a medida de todas as coisas” (antropocentrismo[7]) transformou-se em “Deus é a medida de todas as coisas” (teocentrismo[8]). A igreja atingiu o máximo em sua construção dogmática, formou uma poderosa elite intelectual capaz não somente de sustentar seus símbolos, mas também de oferecerem alternativas quando esses símbolos fossem contestados. A gestão do sagrado, ou sentimento religioso pela igreja assegurou sua continuidade sob a forma de comemoração, de uma memória ou tradição; contudo, impediu que inovações e novos discursos fossem aceitos pela ortodoxia, aprisionando o sentimento religioso.

Este período, fortemente marcado por uma “pressão” cultural-social ditada pela religião (compreendida em suas instituições oficiais de representação – a Igreja – que dava sentido orientador da realidade social), proporcionou através da moral[9], dos dogmas e da tradição o refreamento da racionalidade e da possibilidade de escolha do indivíduo, que aos poucos perdia a sua autonomia.

Esta estrutura reforça o pensamento de coerção social de Durkheim. Afirmava ele que, quando o ser humano vive em sociedade, a maioria de suas ações não são resultado de suas decisões isoladas, mas também de princípios exteriores à sua vontade. Esses princípios na verdade, são valores e comportamentos que são convenientes a uma sociedade e que ela tenta infundir em seus integrantes. É exatamente essa “pressão” que a sociedade exerce sobre os seus integrantes para adequar-lhes à conduta, que Durkheim chama de coerção social. Como podemos observar no pensamento de Durkheim:

"De maneira geral, não há dúvida de que uma sociedade tem tudo o que é preciso para despertar nos espíritos, unicamente pela ação que ele exerce sobre eles, a sensação do divino; porque ela é para os seus membros o que um deus é para os seus fiéis. Um deus, com efeito, é antes de tudo um ser que o homem imagina, em determinados aspectos, como superior a si mesmo e de quem acredita depender. Quer se trate de personalidade consciente, como Zeus ou Javé, ou então de forças abstratas como as que estão presentes no totemismo, o fiel, tanto num caso como no outro, acredita-se obrigado a determinadas maneiras de agir que lhe são impostas pela natureza do princípio sagrado com o qual se sente em relação. Ora, a sociedade também alimenta em nós a sensação de contínua dependência. Como tem natureza que lhe é própria, diferente da nossa natureza de indivíduo, ela visa a fins que lhe são igualmente especiais: mas, como só pode atingi-los por nosso intermédio, reclama imperiosamente nosso concurso. Ela exige que, esquecidos de nossos interesses, nos tornemos seus servidores e nos impõe toda espécie de incômodos, de privações e de sacrifícios sem os quais a vida social seria impossível. É por isso que a cada instante somos obrigados a nos submeter a regras de comportamento e de pensamento que não fizemos nem quisemos, e que às vezes são até contrárias às nossas tendências e aos nossos instintos fundamentais.

Todavia, se a sociedade só obtivesse de nós essas concessões e esses sacrifícios por imposição material, não poderia despertar em nós senão a idéia de força física à qual devemos ceder por necessidade, e não a idéia de força moral do gênero das que as religiões adoram. Mas na realidade, o domínio que ela exerce sobre as consciências vincula-se muito menos à supremacia física de que tem o privilégio do que à autoridade moral de que está investida. Se nos submetemos às suas ordens, não é simplesmente porque está armada de maneira a triunfar das nossas resistências, é, antes de tudo, porque constitui o objeto de autêntico respeito." (DURKHEIM, 1989, p. 260-261).

Contudo, no século XI, inicia-se um novo processo na Europa. Muitas cidades européias tornaram-se livres do domínio dos senhores feudais. Essas cidades chamavam-se burgos. Os burgueses (habitantes dos burgos) recebiam o apoio dos reis, que tiveram seu poder enfraquecido pelo sistema feudal. O surgimento dos burgos desencadeou um renascimento do comércio e um aumento da circulação monetária, trazendo uma revalorização da importância social das cidades, e um aumento da população urbana. Com a expansão do comércio e o surgimento de novas oportunidades de trabalho, houve uma atração dos servos para as cidades, minando o sistema feudal, abrindo caminho para uma nova era: a Modernidade.

III – A MODERNIDADE E A SECULARIZAÇÃO[10] DA SOCIEDADE

A religião institucionalizada não conseguiu tornar a sociedade mais justa, livre e igualitária e nem conseguiu responder às questões existenciais da humanidade, fazendo com que o ser humano, insatisfeito com as imposições feitas pela igreja, buscasse encontrar explicações concretas para o que antes era explicado de forma abstrata. O aumento do comércio e, por conseguinte, o surgimento do capitalismo, o descobrimento de novos “mundos”, o aparecimento da imprensa (século XV) e de novas tecnologias, abalaram de vez o sistema feudal. A fragmentada sociedade feudal da Idade Média transforma-se então, em uma sociedade dominada, progressivamente, por instituições políticas centralizadas, com uma economia urbana e mercantil. Estas novas mudanças foram aos poucos modificando a mentalidade teocêntrica da humanidade; a célebre frase de René Descartes[11], "Cogito, ergo sum" (Penso, logo existo), resume o resultado dessas transformações.

O Renascimento (século XIV) e o Iluminismo (século XVIII), a Reforma Protestante (século XVI) e a Revolução Industrial (século XVIII), consolidaram de vez o novo sistema que substituiria o antigo regime feudal: o Capitalismo. No campo do pensamento, o mito e a religião foram aos poucos substituídos pelo mito do progresso científico e tecnológico (positivismo[12] de Comte[13]). A ascensão da burguesia e de sua ideologia (Iluminismo) levou a humanidade a utilizar-se da razão não somente para descobrir o mundo, mas também, para entenderem a si mesmos no contexto da sociedade; surgia uma cultura laica, ou seja, sem a interferência da igreja. O homem agora voltaria a ser a medida de todas as coisas. Estas concepções, contudo, estavam carregadas de esperança, com a responsabilidade de propor novas cosmovisões em substituição as antigas representações religiosas.

A desmistificação dos dogmas pelo racionalismo, proporcionando a possibilidade de uma interpretação pessoal dos textos sagrados, e a necessidade de uma nova moral religiosa que atendesse aos interesses econômicos da burguesia em ascensão (já que a Igreja Católica condenava a usura, a avareza, a cobiça, e defendia a doutrina do "justo preço", o que contrariava o ideal burguês de obtenção do maior lucro possível), possibilitou a chamada Reforma Protestante.

A ética protestante, ao contrário da católica, valorizava a competitividade e a busca do lucro, ajustando-se, portanto, aos ideais burgueses daquele momento histórico em que se desenvolvia o capitalismo, como afirma Max Weber[14]:

"Mas o que era ainda mais importante: a avaliação religiosa do infatigável, constante e sistemático labor vocacional secular, como o mais alto instrumento de ascese, e ao mesmo tempo, como o mais seguro meio de preservação da redenção da fé e do homem, deve ter sido presumivelmente a mais poderosa alavanca da expressão dessa concepção de vida que aqui apontamos como espírito do capitalismo". (WEBER, 1989, p. 123).

Por este motivo, aos poucos, a Igreja Católica Romana precisou rever suas concepções e adequar-se a essa nova estrutura social, política e econômica com uma nova mentalidade, cada vez mais distante da medieval (Contra Reforma). Estas mudanças caracterizaram-se por um movimento de reafirmação dos princípios da doutrina e da estrutura da Igreja, corrigindo, desde o seio da Igreja, as fontes de descontentamento que alimentavam a Reforma Protestante.

As instituições religiosas, contudo, perdem o poder de dar “as cartas” no mundo moderno; já não possuem a hegemonia da cultura, do Estado e das instâncias reguladoras do cotidiano. Nesta nova realidade, não era mais a religião que dava sentido ordenador da realidade social, com suas mediações, mas a própria interdependência de escolha racional centrada no ser humano. Deus estava agora presente na natureza, portanto no próprio homem, que poderia agora descobri-lo através da razão. Para encontrar Deus, bastaria levar uma vida piedosa e virtuosa (moral kantiana); a Igreja torna-se dispensável.

IV – A INSTITUIÇÃO RELIGIOSA EM MEIO À PÓS-MODERNIDADE

Mircea Eliade em seu livro, O sagrado e o Profano, a essência das religiões, afirma que “seja qual for o grau de dessacralização[15] que o mundo tenha chegado, o homem que optou por uma vida profana não consegue abolir completamente o comportamento religioso” (Mircea Eliade, 2001, p. 27).

A moderna humanidade que passou por um grande processo de dessacralização e secularização, não conseguiu proporcionar um mundo mais justo através da razão. O avanço teológico e a ciência, em vez de proporcionarem a solução de todos os males da sociedade, mostraram-se incapazes de superar as contradições da convivência social. O desenvolvimento do capitalismo “selvagem”, as duas grandes guerras mundiais, a utilização da bomba atômica, os riscos da industrialização para a ecologia, entre outros, mostrou a ineficácia da razão como “salvadora da pátria”, fez-se então necessário um retorno aos antigos referenciais que tinham sido ignorados na modernidade; é neste contexto que nasce o que chamamos de pós-modernismo, como afirma Eduardo Subirats:

“Em torno de todo jargão do Pós-moderno desenvolvem-se atitudes culturais de signo regressivo. Assim se passa com o nacionalismo que se ampara por detrás dos historicismos nostálgicos ou dos diferentes regionalismos; assim, a busca de valores substanciais, de uma ordem ética ou estética transcendente, através da reivindicação do tradicional, do retorno a formas de pensamento religioso e da defesa de uma autonomia de princípios morais também de signo transcendente”. (SUBIRATS, 1991.).

As igrejas tinham encastelado Deus a tal ponto que ele se tornou impotente diante das necessidades do mundo. Este período é então caracterizado pelo aumento da insegurança (pois todas as certezas em que estava embasada a sociedade “caíram por terra”), do relativismo de qualquer conhecimento (negação de verdades universais da racionalidade), da globalização e da retomada do interesse pelas concepções religiosas, como uma tentativa de “achar um sentido do mundo acessível à compreensão humana” (Max Weber 1922, p. 625). O retorno da religião (sentimento religioso) neste aspecto pode ser visto como um fenômeno periódico que se utiliza à religião em função de exigências de natureza social, como afirma Franco Crespi:

“De fato, a religião se apresenta como uma forma de mediação especifica, que leva em conta o caráter ilimitado do desejo humano e explica o mundo finito, colocando-o em relação com o horizonte infinito de um além-mundo, que assim se torna parte constitutiva da própria vida terrena”. (CRESPI, 1999, p. 15).

Embora as instituições religiosas, neste momento, continuassem não possuindo poder de regular o universo cultural, social e pessoal, os indivíduos continuaram a viver dimensões do sagrado de formas bem particulares (subjetividade), podendo ser estas dimensões observadas nas atitudes políticas, esportivas e culturais, ganhando assim uma nova dinâmica fora das Igrejas, tornando-se mais presente do que nunca na sociedade contemporânea ( nas Ong’s, manifestações culturais, associações comunitárias, no Greenpeace, nos clubes esportivos, etc.). Esta dimensão do sagrado é fortemente caracterizada por um retorno ao sentimento religioso (mostrado na primeira parte deste artigo), ou seja, um retorno às experiências emocionais, mesmo que o individuo não seja consciente do fato, como podemos observar na colocação de Mircea Eliade:

“Existem, por exemplo, locais privilegiados, qualitativamente diferente dos outros: a paisagem natal ou sítios dos primeiros amores, ou certos lugares na primeira cidade estrangeira visitada na juventude (...) são os “lugares sagrados” do seu universo privado (...)” (Mircea Eliade, 2001, p. 28).

Com o enfraquecimento da religião institucional, já pré-anunciada pelos teólogos da morte de Deus[16], o ser humano sente-se agora livre para buscar, de forma autônoma, seu próprio universo de significações em um mundo fragmentado (sincretismo[17]). “Assim, o pluralismo religioso torna-se, simultaneamente, fator e resultado da secularização” (PIERUCCI, 1997, p. 115), abrindo caminho para a concorrência entre diversas instituições religiosas que se lançam em uma competitividade, utilizando-se das mesmas operações da economia de mercado capitalista e fazendo com que a religião, que no período medieval moldava o mundo, seja moldada pelo “gosto do freguês”.

O que resta na sociedade pós-modernista é a presença simultânea de várias instituições religiosas (cristãs ou não), convivendo entre si, não mais influenciando o todo social, pois os seres humanos não se identificam mais com discursos universais, mas atuando de maneira coadjuvante, influindo, ainda que em menor escala, os fundamentos da sociedade.

São nesses momentos de “morte” institucional que a experiência religiosa ganha novos sabores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como foi dito, a religião continua a existir na pós-modernidade nos ritos, crenças e atividades, grupos e projetos não explicitamente religiosos. As tradições continuam atuando conforme a subjetividade de cada indivíduo. A religião passa a existir na intimidade, produto da construção pessoal subjetiva e autônoma que não necessita prestar contas a uma instituição. É o fim da religião totalizante da sociedade, contudo, não significa o fim da religião na particularidade de cada indivíduo.


BIBLIOGRAFIA

BOURDIEU, Pierre. A produção da Crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos. 3. ed. Porto Alegre, RS: Zouk, 2006.

CRESPI, Franco. A Experiência Religiosa na Pós-Modernidade. Bauru, SP: EDUSC, 1999.

DURKHEIM, E. As Formas Elementares da Vida Religiosa. São Paulo: Paulus, 1989.

DURKHEIM, E. L'éducation morale. Paris: F. Alcan, 1925. (Nova ed. PUF, 1963).

ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: A essência das religiões. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

FREITAS, G. de, 900 Textos e Documentos de História. Lisboa: Plátano, 1975.

FROHLICH, R. Curso Básico de História da Igreja. São Paulo: Paulinas, 1987.

HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. 12. ed. São Paulo: Loyola, 1992.

PIERUCCI, Antônio Flávio. Reencantamento e dessecularização. A propósito do auto-engano em sociologia da religião. In: Novos Estudos Cebrap, n. 49, nov., 1997.

SUBIRATS, Eduardo. Da Vanguarda ao Pós-Moderno. 4. ed. São Paulo: Nobel, 1991.

WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. 5 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982.

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1989.

[1] Arquiteta e urbanista, formada pela Universidade Federal do Ceará – UFC, teologa pelo Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos – ICEC/ Fortaleza e mestranda em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará.

[2] Émile Durkheim (1858 — 1917) é considerado um dos pais da sociologia moderna. Durkheim foi o fundador da escola francesa de sociologia, posterior a Marx, que combinava a pesquisa empírica com a teoria sociológica. É reconhecido amplamente como um dos melhores teóricos do conceito da coerção social.

[3] As crenças são representações sobre o sagrado elaboradas de forma mais ou menos complexa, podendo ou não ser escritas. Estas crenças definem uma concepção particular do sagrado, os seus poderes e virtudes.

[4] Os ritos são um conjunto de práticas simbólicas através das quais o ser humano entra em contacto com o sagrado, transcendendo a sua condição profana.

[5] Feudo: Principal unidade econômica de produção.

[6] Escambo (ou troca direta) consiste na troca de bens por outros bens consoante a necessidade dos proprietários dos bens, especialmente quando não existia a moeda.

[7] Antropocentrismo vem a ser o pensamento ou a organização que faz do ser humano o centro de um determinado universo, ou do Universo todo, em cujo redor (ou órbita) gravitam os demais seres, em papel meramente subalterno e condicionado. É a consideração do ser humano como eixo principal de um determinado sistema, ou ainda, do mundo conhecido. Tanto a concepção quanto o termo provêm da Filosofia.

[8] O teocentrismo (do grego θεóς, theos, "Deus"; e κέντρον, kentron, "centro") é a concepção segundo a qual Deus é o centro do universo, tudo foi criado por ele, por ele é dirigido e não há outra razão além do desejo divino sobre a vontade humana.

[9] Aqui me aproprio do significado que Durkheim atribui a moral, "um sistema de regras de ação que predeterminam a conduta" (...) "e bem agir é obedecer bem" (DURKHEIM, 1925: p. 21). "A moral não é, pois apenas um sistema de hábitos, é um sistema de comando" (id., ibid. p. 27).

[10] A secularização de uma sociedade, em seu sentido radical, pode ser entendida como um processo pelo qual a religião deixa de ser a forma de integração da cultura, particularizando-se. Ela faz com que tal sociedade já não esteja mais determinada pela religião, mas restrita a um âmbito particularíssimo do ser humano.

[11] René Descartes (1596 - 1650), também conhecido como Cartesius, foi um filósofo, um físico e matemático francês. Notabilizou-se sobre tudo pelo seu trabalho revolucionário da Filosofia, tendo também sido famoso por ser o inventor do sistema de coordenadas cartesiano, que influenciou o desenvolvimento do Cálculo moderno.

[12] A filosofia positiva de Comte nega que a explicação dos fenômenos naturais, assim como sociais, provenha de um só princípio. A visão positiva dos factos abandona a consideração das causas dos fenômenos (Deus ou natureza) e torna-se pesquisa de suas leis, vistas como relações abstratas e constantes entre fenômenos observáveis.

[13] Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798 - 1857) foi um filósofo francês e o pai da Sociologia.

[14] Ele foi, juntamente com Karl Marx e Emile Durkheim, um dos modernos fundadores da Sociologia. É conhecido, sobretudo pelo seu trabalho sobre a Sociologia da religião. Escreveu a Ética protestante e o espírito do Capitalismo, nesse seu trabalho ele tinha a intenção de examinar as implicações das orientações religiosas na conduta econômica dos homens, procurando avaliar a contribuição da ética protestante, em especial o calvinismo, na promoção do moderno sistema econômico.

[15] A dessacralização do mundo é uma característica fundamental da Modernidade, já que impulsiona o processo de secularização.

[16] Nos anos 60 surgiu nos Estados Unidos uma formulação teológica conhecida exatamente como “teologia da morte de Deus”. A frase “Deus está morto”, aponta para uma constatação, a saber, a morte de valores absolutos na sociedade.

[17] Sincretismo - Palavra originada do grego; significa sistema que consiste em conciliar os princípios de várias doutrinas ou filosofias.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

As concepções Educacionais de Martinho Lutero


The educational conceptions of Martin Luther


Por: Luciane Muniz Ribeiro Barbosa



RESUMO

Este artigo tem como objetivo apresentar a concepção de educação de Martinho Lutero no movimento da Reforma Protestante do século XVI, revelando aproximações entre história, religião e política. Em um século marcado por inúmeras indagações e mudanças, Lutero apresenta críticas em prol de uma Reforma na Igreja e também faz propostas para uma reforma da educação escolar de sua época, até então marcada pela formação exclusiva de religiosos e eclesiásticos. Ele propõe, em dois textos de sua autoria, uma educação escolar cristã que apresente uma nova organização em relação a: currículos, métodos, professores, formas de financiamento e manutenção das escolas. Também reflete sobre a utilidade dessa educação e propõe que ela: atenda a todos; seja criada e mantida pelas autoridades públicas e não mais pela Igreja; seja de freqüência obrigatória, para a qual apela aos pais e às autoridades por essa tarefa. Ainda que algumas dessas características não apresentem Martinho Lutero como precursor, é inevitável o reconhecimento de que ele, aliado à figura de Filipe Melanchthon e às transformações ocorridas em seu tempo, contribuiu significativamente para a extensão do direito à Educação, marcada sobretudo em sua proposta de criação das escolas elementares, além da reorganização dos colégios secundários e da universidade, enfatizando a ação do Estado como responsável pela educação escolar.

Palavras-chave: Martinho Lutero – Reforma protestante – Direito à Educação – Estado e Educação.

ABSTRACT

This article presents Martin Luther's conception of education in the 16th century Protestant Reform, revealing associations between history, religion, and politics. In a century marked by countless quests and changes, Luther offers criticisms in favor of a Reform of the Church, and also makes proposals for a reform of the school education of his time, hitherto characterized by the exclusive formation of religious and ecclesiastic men. He proposes in two of his texts a Christian schooling that shows a new organization with respect to curricula, methods, teachers, and forms of funding and maintenance of schools. He also reflects upon the usefulness of such education, and suggests that: it should be open to everyone; be created and maintained by public authorities and not by the Church; that it should be mandatory, for which task he appeals to parents and authorities. Even if some of these features may not have Luther as their precursor, there is no escape recognizing that he has, together with Philipp Melanchton and the transformations occurred during his time, contributed decisively to the extension of the right to education, particularly notable in his proposal for the creation of elementary schools, apart form the reorganization of secondary school and the university, emphasizing the role of the State as responsible for school education.


Keywords: Martin Luther – Protestant Reform – Right to Education – State and Education.



Como sempre, recusar uma reforma é um convite à Revolução.
(Laski, 1973, em "O liberalismo europeu")

A história da Educação e a história da Igreja mostram-se articuladas sendo, em determinados momentos, fonte de influências recíprocas. Foi na Idade Média que essa relação se mostrou ainda mais intensa sendo a Igreja a única encarregada pela educação escolar que visava à garantia da instrução de seus clérigos, ou seja, bispos e abades procuravam formar crianças e jovens com aspirações à vida religiosa.

Dessa maneira, desde o século V, a instrução escolar passa a estar estreitamente ligada às ações da Igreja, sendo ela a responsável pela sua organização e manutenção. Paul Foulquié (1957) afirma que a formação cristã era o essencial da Educação nesse período e os pais que desejassem oferecer instrução aos seus filhos eram obrigados a enviá-los para as aulas que preparavam os futuros clérigos. Por ordem do Papa e do Concílio, a Igreja passa a abrir suas escolas também para as demais crianças e jovens e "mostra-se zelosa sobretudo em proporcionar a gratuidade do ensino e a colação de graus" (p. 31).

Surgem, então, categorias de escolas eclesiásticas mantendo público e objetivos específicos para a própria Igreja: as escolas catedrais ou episcopais, que formavam novos pregadores e posteriormente se abriram (em 529, no Concílio de Vaison) para as populações do campo; as escolas monacais ou claustrais, ligadas aos conventos, que se transformaram nas mais importantes instituições de ensino entre os séculos V e XI; e as escolas catedrais ou episcopais ligadas às catedrais das cidades, que reaparecem como um surto no século XII, acompanhando o movimento do renascimento urbano.

Data do início do século XVI a criação dos colégios secundários que ofereciam, aos jovens, estudo preparatório para ingresso nas universidades e que se transformaram, como observa Ruy Nunes (1980), em veículos do humanismo. Essa é a época em que os príncipes dos estados emergentes passam a apoiar a nova forma de educação escolar, visando à estabilização de suas cortes e à formação de seus cortesãos. Foulquié (1957) reforça essa idéia localizando no Antigo Regime, a partir do século XVI com os movimentos da Renascença e da Reforma, o período em que os príncipes quiseram "dominar as Universidades e, de maneira geral, se ocuparam com o ensino que começaram a considerar como público" (p. 47). Contudo, essa instrução escolar, como já explicitado, se destinava ao público que teria acesso à universidade.

A Educação medieval, que tinha como pressuposto uma formação religiosa e intelectual e que, nas universidades, visava um ensino prático com objetivo profissional, no início da Idade Moderna, passa, segundo Nunes (1980), por profundas mudanças em suas concepções e meios de alcançar seus objetivos: a educação começa "a visar de modo claro e definido à formação integral do homem, o seu desenvolvimento intelectual, moral e físico" (p. 41).

A Educação, sob influência do movimento humanista que se expandia, sofreu diversas mudanças e desenvolveu características particulares nos diferentes países nos séculos em que as tradições medievais foram suprimidas pelos novos ideais do Renascimento. Contudo, a Educação do século XVI, como será mostrada adiante, continuou apresentando um caráter cristão.

O que se pretende analisar, portanto, são as propostas que, no contexto do movimento da Reforma Protestante, Martinho Lutero (1483-1546), monge da ordem de Santo Agostinho, apresenta em defesa da reforma do ensino secundário e da universidade e da criação de escolas de educação elementar que atinjam toda a população.

As concepções de Lutero sobre Educação, principalmente sobre uma educação cristã, acabam perpassando todos os seus tratados e escritos na medida em que neles expõe e ataca os problemas da Igreja e também da sociedade, aconselhando-as como deveriam ser. Contudo, é em dois textos específicos que ele registra sua posição sobre a educação escolar: Aos conselhos de todas as cidades da Alemanha para que criem e mantenham escolas cristãs, carta escrita em 1524, e Uma prédica para que se mandem os filhos à escola, sermão proferido em 1530. Esses dois escritos serão tomados como fonte principal para a análise da educação escolar proposta por Martinho Lutero na tentativa de compreender a concepção de Educação por ele apresentada em suas propostas de reforma.

Os dois textos citados representam, de certa forma, o quanto Lutero fez suas propostas e interferências baseadas sobretudo na sua doutrina dos dois reinos, ou seja, o quão relevante seria, tanto para o Estado (a "mão esquerda de Deus") como para a Igreja (sua "mão direita"), pais compromissados e cidadãos bem-educados para atuarem no governo secular e espiritual.

Neles, Lutero apresenta não somente questões de caráter conceitual e os princípios contidos em sua proposta de reforma do sistema escolar, mas orienta sobre a forma como deveria ser organizado esse novo ensino que propõe que seja para todos. No entanto, estudiosos afirmam que, apesar de ele esclarecer em seus tratados diversos pontos sobre a forma como deveria se dar esse ensino escolar, eles "não chegam a formular uma teoria cristã de educação" (Beck apud Lutero, 1995, p. 301).

Ricardo Rieth compartilha dessa idéia afirmando que "Lutero não teve por objetivo desenvolver uma teoria da educação em perspectiva cristã. Quis, isso sim, seguir estimulando a sociedade a empenhar-se por uma educação formal de qualidade" (apud Lutero, 2000, p. 5), baseada na compreensão que ele tinha da atuação de Deus no mundo por meio dos dois governos.

Antes de iniciar as análises específicas sobre essas questões educacionais, cabe ressaltar que, atualmente, os estudos sobre Lutero têm atingido outros círculos que não somente o da história da Igreja reformada. Essa conquista deve-se graças às recentes publicações em língua portuguesa dos textos de sua autoria e ao contato com a bibliografia estrangeira que continua desenvolvendo estudos sobre Lutero e as questões que o envolvem.



Influências

Mediante a análise de obras de história da Educação, pode-se constatar que as orientações de Lutero sobre a forma de organização da educação escolar, tanto para os colégios de ensino secundário e para a universidade como em sua proposta de criação das escolas elementares, sofreram forte influência de seu amigo Filipe Melanchthon (1497-1560), sendo difícil saber de fato a autoria e originalidade de algumas de suas idéias.

Lutero conhece Melanchthon em 1518 e torna-se, conforme sua própria declaração, seu amigo até a morte. Melanchthon o teria acompanhado durante todas as fases da Reforma, tornando-se uma pessoa fundamental para Lutero no período em que traduziu a Bíblia e servindo de consultor sobre o grego e sobre as passagens bíblicas.

É Melanchthon o responsável por introduzir na universidade, com os estudos sobre os clássicos gregos e latinos, uma nova forma de ensinar muito diferente da da escolástica. Para explicitar sua importante atuação nas reformas na universidade, Ruy Nunes (1980) afirma que

[...] restaurou-se a aliança da reforma com o humanismo graças ao talento e ao esforço de Melanchthon que tornou a Universidade de Wittenberg a mais popular da Germânia e facho iluminante de humanismo e teologia. (p. 64)

É sob iniciativa e orientação de Melanchthon que o Conselho de Nürenberg funda, em 1526, o Ginásio de Egídio ao lado de três escolas de latim já existentes na cidade. Dada sua capacidade de promoção e organização das escolas, ele ficou conhecido como o 'preceptor da Germânia' e, segundo Franco Cambi (1999), "a elaboração das estruturas organizativas e dos conteúdos culturais próprios das escolas secundárias da Reforma é devida sobretudo a Filipe Melanchthon" (p. 250), que tentava efetuar uma convergência entre humanismo e luteranismo.

Não há dúvidas de sua relevância e influência na vida de Lutero, no próprio desencadeamento da Reforma proposta para a Igreja e principalmente para a ocorrida na organização das escolas, sobretudo as de ensino secundário. Nunes (1980) expressa bem essa relação afirmando que "[...] Lutero prescreve as normas fundamentais para a organização das escolas", entretanto, é Filipe Melanchthon

[...] o ministro da educação de Lutero. Escreveu manuais escolares, organizou o sistema escolar de Saxe, redigiu juntamente com Lutero as Diretivas aos inspetores escolares e o livro Visita das Escolas, reorganizou as universidades de Marburg, Koenigsberg, Iena, Halmstadt, Dorpat, Leipzig e Heidelberg, e dava orientação e assistência aos mestres luteranos da Germânia. (p. 100-101)

No ensino elementar, Lorenzo Luzuriaga (1959; 1963) destaca Johannes Bugenhagen (1485-1558) como colaborador de Lutero e responsável pela inspiração de uma série de ordenações municipais no norte da Alemanha onde ele, em processo de reorganização das igrejas da região, estabelece diversos preceitos sobre a educação pública. Em todos esses estatutos religiosos, de diferentes cidades do norte da Alemanha,

[...] se recomenda e ordena a criação de escolas, ao ponto de haver-se chamado Bugenhagen de pai da Escola primária pública alemã, embora também predominasse nele a consideração eclesiástica. (Luzuriaga, 1959, p. 08)

Nunes (1980) afirma ter sido Bugenhagen o "mais ardente defensor da reforma da Igreja alemã", após ter aderido ao luteranismo em 1520. Ele também teria ajudado Lutero no seu trabalho de tradução da Bíblia e pronunciado sua oração fúnebre; pois "labutou ardentemente a favor do luteranismo" (p. 178). No entanto, na questão educacional, apesar de, na avaliação de Nunes, ter superado Lutero e Melanchthon quanto às realizações em prol das escolas protestantes germânicas, seus planos escolares

[...] não conseguiram, no fim das contas, implantar a escola popular na Alemanha do século XVI, uma vez que a Guerra dos Trinta Anos acabou com esses primeiros e animosos ensaios de renovação escolar. (p. 179)



Organização do sistema escolar


O que se pode constatar, então, é que, ainda que sob influência e auxílio de seus amigos e colaboradores, Lutero também toma para si a luta por uma reforma no ensino da época e registra suas orientações sobre a forma como o sistema escolar deveria ser organizado, procurando responder, entre outras, questões como: O que deve ser ensinado às crianças e aos jovens? De que forma esse ensino deve ser ministrado? Como a escola deve ser financiada? Quem e como devem ser os mestres? Onde e em que período as crianças deverão estudar?

Ao analisar esses diversos pontos, o primeiro aspecto a ser ressaltado é o fato de Lutero propor a criação e manutenção de escolas cristãs. Segundo Martin Volkmann (1984),

[...] para Lutero ainda era óbvio que todas as pessoas fossem cristãs. Na sua época ainda não havia o que hoje conhecemos por secularização. As autoridades seculares, mesmo no exercício de sua função específica, não deixavam de ser cristãos. (p. 97)

Diante desse argumento e do fato de o Estado daquele momento possuir um caráter cristão, explícito na doutrina dos dois reinos, ressalta-se que Lutero requer a criação de escolas que tenham a Bíblia como o centro do ensino e que formem bons cristãos para atuarem na sociedade, quer seja como pastores comuns na pregação do Evangelho ou como autoridades da vida secular.

A propósito dos conteúdos e temas propostos por Lutero para compor o currículo das novas escolas cristãs, bem como da organização da estrutura de ensino no que diz respeito aos métodos e professores, muitas vezes não ficou explícito, nos escritos analisados, a qual grau do ensino se destina, ou seja, ele não afirma claramente o que é recomendado para o ensino elementar, para os colégios de ensino secundário ou para as universidades. Por esse motivo, a distinção se torna possível muito mais por leitura de historiadores da Educação do que pelos escritos específicos de Lutero. Dessa maneira, optou-se por apresentar, em cada um dos temas expostos a seguir, as propostas contidas nos dois textos analisados e, posteriormente, explicitar a separação que seus comentaristas lhe atribuem para os níveis de ensino, bem como a discussão apresentada por eles sobre cada item.

Currículo

Em seus escritos, Lutero apresenta uma nova proposta para o currículo escolar, após críticas de que o ensino, principalmente nas universidades, baseava-se, até então, nas obras de Aristóteles que, com livros nocivos, levava as pessoas para mais longe da Bíblia – em uma crítica ao sistema medieval que se baseava na filosofia de Aristóteles – e na qual nada de útil se aprendia:

Afinal, que se aprendeu até agora nas universidades e conventos a não ser tornar-se burro, tosco e estúpido? Houve quem estudasse vinte, quarenta anos e não saiba nem latim nem alemão. (Lutero, 1995, p. 306)

O novo currículo proposto tem a Bíblia como cerne do ensino e, como conseqüência desse fato, para melhor estudá-la, Lutero defende, como algo indispensável para as novas escolas, o ensino das línguas antigas. Principalmente no tratado de 1524, apresenta vários argumentos sobre a importância de se aprender o hebraico e o grego, línguas consideradas santas e necessárias para um estudo mais aprofundado do Velho e do Novo Testamento, além do estudo do latim, o que se mostrou indicado para o ensino secundário na proposta dos colégios humanistas.

Apesar de, nesse momento, Lutero (1995) já ter traduzido parte da Bíblia e estar trabalhando para a tradução de toda a Escritura, demonstrando ser o incentivador maior da leitura da Bíblia na língua alemã, ele afirma que conhecer as línguas clássicas e estudá-las seria fundamental para tratar a Escritura com autonomia e combater os que a interpretam erroneamente. Além disso, para ele

[...] a fé e o Evangelho podem ser pregados por simples pregadores sem conhecimentos lingüísticos; no entanto é uma coisa pobre e miserável, e por fim a gente cansa e se enfada e assim somos seduzidos. Onde, porém, há conhecimento das línguas, aí as coisas se desenvolvem com frescor e vigor, e a Escritura é trabalhada; aí a fé se encontra sempre de forma nova por meio de outras e mais outras palavras e obras. (p. 316)

A valorização de Lutero ao ensino das línguas clássicas mostra-se como conseqüência dos ideais do movimento humanista com a propagação do Renascimento na Alemanha e também como forma de alcançar o que pregava como seu objetivo inicial: que os cristãos tivessem não somente livre acesso à Bíblia, mas fossem capazes e tivessem condições de interpretá-la sem mediação. A aprendizagem das línguas seria, então, um instrumento para a garantia da liberdade do cristão no conhecimento da Escritura.

Para a conquista desse objetivo, a língua nacional também é valorizada, tanto que Lutero propõe a leitura da Bíblia em língua vernácula para o aprendizado das crianças no ensino elementar. Contudo, isso não bastaria. Era fundamental que se estudasse latim, grego e hebraico, além do ensino da gramática e a leitura de textos mediante o estudo de obras literárias pagãs e cristãs.

Apesar de a educação escolar de Lutero (1995), especificamente para o secundário, apoiar-se, sobretudo, no aprendizado das línguas antigas, ele também recomenda o estudo das ciências, das artes liberais e da história. É dada uma ênfase ao ensino de história, visto que por meio dela as crianças poderiam conhecer a sabedoria de todo o mundo e

[...] isto lhes serviria de orientação para seu pensamento e para se posicionarem dentro do curso do mundo com temor de Deus. Além disso a História os tornaria prudentes e sábios, para saberem o que vale a pena perseguir e o que deve ser evitado nesta vida exterior, e para poderem aconselhar e governar a outros de acordo com estas experiências. (p. 319)

Também chega a recomendar o ensino de música, com toda a matemática necessária, a jurisprudência e a medicina, entendidas essas duas últimas como sendo recomendação para a universidade.

Alguns autores apresentam uma distinção clara do que era contemplado no currículo do ensino elementar e do secundário. Segundo Antônio Frago (1993), pode-se perceber a estrutura do currículo nos diferentes Estados alemães como: "os catecismos para as escolas [elementares] e a Bíblia em latim e grego para os ginásios [de ensino secundário]" (p. 48), sendo que os catecismos se propunham a ensinar, sobretudo, a doutrina da nova igreja.

Maria Lúcia Hilsdorf (2006) confirma essa separação afirmando que, ao longo do século XVI, as escolas de confissão reformada reorganizaram-se sendo que:

[...] a maioria delas adotou a orientação humanista segundo o programa definido em 1528 por Melanchthon, baseado na doutrina, no latim e na retórica escrita, dando origem aos colégios reformados de humanidades. As demais se organizaram, a partir dos meados do século, pelo padrão das pequenas escolas, com ensino das primeiras letras em alemão, contas, música e doutrina. (p. 167)

Vale ressaltar que o currículo existente por longo período na Idade Média era o que envolvia os conteúdos do trivium e quadrivium (as Sete Artes Liberais)1, mas já na concepção dos humanistas, a educação era baseada nos studia humanitatis que abrangiam as disciplinas de Gramática, Retórica, Poética, História e Filosofia Moral e devia ser completada com o estudo das obras dos santos padres da Igreja (principalmente Santo Agostinho) e de matemática, astronomia, demais ciências, música, dança e outras artes e exercícios físicos (Nunes, 1980).

Outra questão importante que envolve o currículo e que foi objeto de discussão por Lutero (1995) foram os livros que deveriam compor as bibliotecas das escolas e universidades. Ele pede àqueles que aceitassem criar e manter as escolas que "não poupem esforços nem dinheiro para a instalação de livrarias ou bibliotecas" (p. 322), para que o Evangelho pudesse ser conservado por meio da preservação dos livros e para que os príncipes espirituais e seculares tivessem literatura para ler.

Julga os livros da época (incluindo os de Aristóteles) como sujos e venenosos e questiona:

Não foi uma tristeza lamentável que até agora um menino tivesse que estudar vinte anos ou mais somente para aprender um mau latim, suficiente apenas para tornar-se padre e ler a missa? [...] Que era de se esperar a não ser alunos e mestres tolos como os livros que ensinavam? Uma gralha não produz uma pomba, e um tolo não produz um sábio. Esta é a recompensa da ingratidão, por não se ter dedicado esforço à criação de bibliotecas, mas porque se deixaram perder os bons livros e se preservaram os inúteis. (Lutero, 1995, p. 323)

Dessa forma, ele orienta que a preocupação não deveria ser com a quantidade de livros, mas com a seleção daqueles que se mostram importantes, a saber: em primeiro lugar, a Sagrada Escritura em latim, grego, hebraico, alemão e outras línguas; depois os melhores e os mais antigos intérpretes da Bíblia, ambos em grego, hebraico e latim; depois os livros úteis como os poetas e oradores para aprender as línguas e a Gramática, independente de serem gentios ou cristãos, gregos ou latinos; depois os livros sobre as artes liberais e outras disciplinas; entre os mais importantes deveriam constar as crônicas e os compêndios de História; e por último, livros jurídicos e de Medicina, fazendo-se uma boa seleção entre eles (Lutero, 1995).

Essa seleção dos livros completa o que ele propunha para o currículo das escolas e universidades reformadas, sendo sua forte posição contra Aristóteles, na interpretação de Timothy George (1993), sua própria campanha contra a teologia escolástica da época e a favor de seus planos de reforma no currículo:

Lutero não tinha nada contra Aristóteles em si. O que ele rejeitava era todo o esforço da teologia escolástica de fazer da filosofia aristotélica a pressuposição da doutrina cristã, de interpretar a revelação bíblica relativamente à 'sofística' pagã, de reduzir os grandes temas das Escrituras – graça, fé, justificação – à algaravia escolástica. (p. 59)

Métodos


Por ter recebido uma educação baseada na escolástica medieval e estando em contato com as inovações propostas pelo Humanismo, Lutero (1995) faz uma crítica severa ao ensino nas universidades e nos conventos e reivindica a aplicação de novos métodos no processo educativo:

[...] se as universidades e conventos continuarem como estão, sem a aplicação de novos métodos de ensino e modos de vida para os jovens, preferiria que nenhum jovem aprendesse qualquer coisa e ficassem mudos. (p. 306)

Como sugere Walter Altmann (1994), "Lutero, em geral, aceitou os princípios pedagógicos da escola humanista" (p. 206), sendo essa constatação prova da forte influência do humanista Felipe Melanchthon, levando Franco Cambi (1999) a afirmar que

[...] o modelo de cultura que o movimento reformador tem em mira para organizar as próprias escolas é o humanístico, baseado na prioridade das línguas e na centralidade da educação gramatical. (p. 248)

Contudo, cabe ressaltar que, apesar das propostas pedagógicas de Lutero se assemelharem em partes à dos pedagogos humanistas, seus objetivos diferiam dos desses autores e, embora se aproximasse de humanistas como Melanchton, ele não chegou a se declarar um humanista.

Maria Lúcia Hilsdorf (2006) apresenta uma posição distinta em relação a essa aproximação, defendendo que Lutero não seguia a linha humanista na sua prescrição do que deveria ser a escolarização da infância protestante na escola elementar, chegando a afirmar que tal escolarização é possível que "fosse baseada na catequese da doutrina, ao que parece, mais próxima dos saberes da Igreja do que dos saberes ligados aos ofícios" (p. 168, grifo meu).

Na proposição de novos métodos, Lutero (1995) opõe-se ao antigo sistema escolar baseado em punições físicas e pressões psicológicas que causavam sofrimento aos alunos (ou seja, a disciplina severa que recebeu na educação familiar e escolar). Questiona mesmo a disciplina rígida com que os pais educavam os filhos afirmando que

[...] quando a disciplina é aplicada com maior rigor e tem algum resultado, o máximo que se alcança é um comportamento forçado ou de respeito; no mais continuam sendo meras toras, que não têm conhecimento nem nesta nem naquela área, não sabem responder nem ajudar ninguém. (p. 319)

Segundo ele, na escola, o ensino deveria acontecer com prazer e por meio de brincadeiras. A posição apresentada é em favor de uma educação lúdica, resgatando o exemplo da educação grega cujo alto padrão, segundo ele, se infere das qualidades do povo que nela se forjou. Se os jovens gostam de dançar, cantar e pular e estão sempre em busca de algo que lhes dê prazer, então que as disciplinas sejam estudadas com prazer e brincando. Para Lutero, "os métodos didáticos devem adaptar-se à natureza da criança" (Nunes, 1980, p. 100).

Martin Volkmann atenta para o fato de que, ao orientar a forma de educar a juventude, Lutero dá ênfase à liberdade no processo educativo. Em prefácio do Catecismo menor, Lutero ressalta novamente que não se deve coagir ninguém à fé ou ao sacramento, destacando a liberdade do sujeito no seu processo educativo. Para Volkmann (1984), a "educação cristã, segundo o princípio de Lutero, é educação para a liberdade" (p. 104).

Em relação ao período de estudo, são apresentadas posições diferentes segundo o sexo: aos meninos, caberia a freqüência diária à escola por uma ou duas horas e, fora dela, deveria se aprender um ofício; já as meninas deveriam estudar por uma hora na escola e também cumprir com as tarefas domésticas. Segundo Hilsdorf (2006), esse pouco tempo destinado ao estudo era explicável, visto que se tratava de uma escola elementar em que o ensino era apenas religioso e voltado para a aprendizagem da doutrina.

Apesar da ênfase dada por Lutero à leitura da Bíblia e mesmo ao estudo das Sagradas Escrituras em alemão em benefício do trabalho de interpretação, no período da Reforma, ainda se manteve a tradição oral, presente na Idade Média. Assim, as escolas, sobretudo as elementares, teriam então continuado a tradição do aprendizado "mais pelo ouvir-dizer-fazer e a memorização do que pelo domínio da leitura e escrita" (Hilsdorf, 2006, p. 167).

Dessa mesma maneira, Jean-François Gilmont afirma que no século XVI há uma multiplicação de livros, mas essa multiplicação acontece em um mundo em que as relações são essencialmente orais. Lutero não somente não questiona essa tradição oral, o que era de se esperar dada sua ênfase na leitura e interpretação pessoal da Bíblia, mas a utiliza e defende nas igrejas. Segundo Gilmont (1997),

Ao passo que a criação das Igrejas protestantes está consumada, o final do século XVI não parece ter vivido uma revolução no modo de lidar com o escrito. No domínio religioso, o oral conserva seu lugar de destaque. [...] A preponderância da oralidade não parece, portanto, de forma alguma questionada pela Reforma. (p. 71)

Contudo, se é fato que a Reforma não questiona a oralidade, suas conseqüências podem não ter sido determinantes, mas contribuíram para o início de um processo de passagem de uma cultura oral para uma cultura da leitura e da escrita ou ao menos alteraram sua forma. Antônio Frago (1993) analisa essa questão situando-a em seu contexto histórico e social:

Ao difundir-se a alfabetização e o texto escrito, por intermédio da imprensa, mudam as relações com o mesmo: a função de mediador desaparece e as condições de comunicação, de coletivas, passam a ser individuais. [...] As duas vítimas desses processos são o velho e o padre. O primeiro perde a utilidade de sua memória; o segundo, o segredo de seu prestígio e o núcleo de seu poder como elo entre o escrito e o oral. (p. 34-35)

Esse autor defende posição semelhante à de Jean-François Gilmont sobre a não interferência da reforma na tradição da cultura oral e afirma que apesar de ser "inegável a coincidência no tempo, na Alemanha do século XVI, da Reforma com um crescimento da rede escolar e da alfabetização", seria naturalmente "errôneo conectar, no século XVI, a leitura da Bíblia em língua vulgar com a alfabetização" (Frago, 1993, p. 47). Contudo, apesar da cautela necessária em não se verificar na situação uma relação de causa-efeito, o autor não chega a esclarecer o que poderia ter contribuído para tal 'coincidência'.

Em relação à questão da oralidade na Igreja, Timothy George (1993) analisa a posição de Lutero e afirma que para ele "a igreja não era uma 'casa da escrita', mas uma 'casa da fala'" (p. 91), afinal o próprio Cristo nada tinha escrito, mas sim pregado pela palavra falada; e baseia-se, também, no ensinamento do apóstolo Paulo de que "a fé vem pelo ouvir e o ouvir pela Palavra de Deus" (Rm 10:17)2. Dessa maneira, se na escola mantinham uma cultura oral, na Igreja, para o ensino da Palavra de Deus, ela era também mantida e indicada como a melhor maneira.

Professores

Nos dois textos analisados, Lutero (1995) enfatiza a relevância de mestres bem preparados. Reclama a falta de pessoas qualificadas para o ensino e adverte que "para ensinar e educar bem as crianças precisa-se de gente especializada" (p. 308). Ao discorrer sobre o tempo de ensino, uma ou duas horas para meninos e uma hora para meninas, aliado a uma ocupação, afirma que se alguém quisesse se tornar uma pessoa qualificada para o cargo de professor – juntamente com o de pregador ou outros cargos clericais –, deveria se dedicar a um estudo prolongado e intensivo ou até mesmo destinar exclusividade aos estudos.

No elogio que faz, em 1530, ao Conselho da cidade de Nürenberg pela fundação do Ginásio de Egídio, ele ressalta a relevância de terem escolhido e contratado as pessoas mais qualificadas, não tendo, na ocasião, nenhuma universidade tão bem provida de docentes, com mestres especializados para o ensino de grego, latim, hebraico, poética e matemática (Lutero, 1995).

Os professores deveriam, então, ser pessoas especializadas que tivessem se interessado e se disposto ao estudo por longo tempo, visto que essa profissão era muito valorizada por Lutero (1995):

De minha parte, se eu pudesse ou tivesse que abandonar o ministério da pregação e outras incumbências, nada mais eu desejaria tanto quanto ser professor ou educador de meninos. Pois sei que, ao lado do ministério da pregação, esse ministério é o mais útil, o mais importante e o melhor. Inclusive tenho dúvidas sobre qual deles é o melhor [...]. (p. 359)

Financiamento


É aos pais a quem Lutero se dirige e apela para que enviem os filhos à escola, mas é às autoridades das cidades a quem ele conclama para a criação e manutenção de escolas cristãs. A quem, de fato, se destinaria a responsabilidade pelo financiamento dessa educação escolar?

Em 1524, ele faz um apelo aos pais para que estes, além de enviarem seus filhos à escola, também contribuam com doações para seu sustento financeiro, argumentando que a resistência ou a má vontade em contribuir financeiramente para as escolas seria 'obra do diabo', afinal,

[...] até agora dispendeu inutilmente tanto dinheiro e bens com indulgências, missas, vigílias, doações, espólios testamentários, missas anuais para falecimentos, ordens mendicantes, fraternidades, peregrinações e toda a confusão de outras tantas práticas deste tipo; estando agora livre dessa ladroeira e doações para o futuro, pela graça de Deus, que doravante doe, por agradecimento e para a glória de Deus, parte disso para a escola, para educar as pobres crianças, onde está empregado tão bem. (Lutero, 1995, p. 305)

No entanto, Lutero não se apóia na dependência da boa vontade dos pais e não responsabiliza a Igreja por assumir essa tarefa educacional. Também não conclama os príncipes para essa tarefa o que, segundo Altmann (1994), seria o mais provável visto que "a imagem corrente do Reformador coloca-o na proximidade deles" (p. 203).

Propõe a responsabilidade aos conselhos municipais das diversas cidades da Alemanha, ou seja, o sustento econômico para a criação e manutenção das escolas seria de responsabilidade das instituições políticas locais, afinal: "A eles, como curadores, foram confiados os bens, a honra, corpo e vida de toda a cidade" (Lutero, 1995, p. 309).

Dessa maneira, visto que o progresso de uma cidade não se deve contabilizar pelo acúmulo de riquezas, mas por possuir cidadãos bem instruídos, os conselhos municipais deveriam despender de todo o recurso necessário para a criação e manutenção das escolas cristãs visando o seu próprio progresso.



Princípios e fundamentos da Educação

Da análise dos dois textos citados de Lutero, a carta de 1524 e o sermão de 1530, pode-se encontrar, ainda, discussões fundamentais sobre a educação escolar, algumas inovadoras, merecedoras de reflexão. Entre outras, encontram-se questões como: A que público essa escola deveria atender? Qual a utilidade do estudo oferecido por essa escola? Ela deve ser de caráter obrigatório? Quem deveria ser responsável pela oferta e supervisão dessa educação formal?

Algumas dessas questões não são simples de serem analisadas e há diferentes opiniões de autores que apresentam posições diferentes quanto ao que seria inovador nas propostas de Lutero. Optou-se novamente por, em um primeiro momento, expor o que há registrado nos textos citados para cada tema escolhido para aqui ser analisado e, posteriormente, apresentar a discussão que os autores realizam.

Uma educação popular


Em 1530, no apelo que faz aos pais para que enviem os seus filhos à escola, Lutero explicita que o seu objetivo é o de que todas as crianças recebam uma educação formal cristã, ou seja, que todas, independentemente do tipo de família a que pertençam, freqüentem a escola. Sendo assim, ele conclama os 'filhos dos patrões' e os 'filhos de gente pobre' para freqüentarem a escola.

Denuncia também o fato de as pessoas simples muitas vezes se preocuparem apenas em instruir os filhos quanto a um ofício para que possam contribuir financeiramente com o rendimento da família ou apresentarem uma preocupação única com sua alimentação e saúde, prejudicando-os por não os enviarem à escola.

Os filhos de gente pobre, portanto, também deveriam freqüentar a escola visto que possuíam capacidade para tal e poderiam, instruídos, servir a Deus:

Esses meninos capazes deveriam ser encaminhados ao estudo, especialmente os filhos da gente pobre, pois para essa finalidade foram instituídas as prebendas e tributos de todas as fundações e conventos. Naturalmente também os outros meninos deveriam aprender ao menos a entender o latim, a escrever e ler, mesmo que não fossem tão capazes; pois não precisamos somente de eruditos doutores e mestres na Escritura; também precisamos de pastores comuns, que preguem o Evangelho e o catecismo ao povo jovem e rústico, que batizem e administrem o sacramento etc. (Lutero, 1995, p. 342)

Já para os filhos dos que eram patrões na cidade, ou seja, daqueles que possuíam recursos e que talvez já tivessem oportunidade de ter uma educação formal como se dava no antigo modelo, ele conclama que também sejam enviados para a escola cristã; contudo, após receberem a instrução, poderiam exercer outros tipos de funções:

[...] não quero ter insistido que todos devem educar seus filhos para esse ministério, pois não é necessário que todos os meninos se tornem pastores, pregadores ou professores. E é bom saber que os filhos dos patrões e grandes senhores não se destinam a essa finalidade, pois o mundo também precisa de herdeiros e gente, do contrário se destroçaria a autoridade secular. (p. 342)

E essa instrução seria necessária pois,

[...] sabemos, ou deveríamos saber, o quanto é necessário e útil e o quanto agrada a Deus quando um príncipe, senhor, conselheiro ou outra pessoa que deve governar é instruída e apta para exercer essa função cristãmente. (p. 318)

Ainda que apresente uma utilidade diferente para a educação escolar dependendo da situação econômica e social das crianças, faz um grande esforço de proclamá-la como sendo uma educação para todos e não somente para uma pequena parcela da população ligada aos cargos eclesiásticos ou às famílias dos príncipes e dos que pertenciam a uma elite crescente na época. Todos deveriam freqüentar a escola, ainda que ela oferecesse um ensino diferenciado (o que não fica claramente explícito nos textos em questão) e, posteriormente, cargos distintos dependendo do tipo de população.

É baseado, sobretudo, nessa distinção que Lorenzo Luzuriaga (1959) entende que:


[...] o ensino pedido por Lutero é antes para a burguesia, para as classes que hão de prover os cargos de direção da sociedade: eclesiásticos, funcionários, médicos, advogados. O que exige para a educação do povo é muito elementar [...]. (p. 7)

Dessa forma, com esses preceitos, Lutero teria consagrado a


[...] tradição de encaminhar os nobres e a alta burguesia de comerciantes para os colégios, e os artesãos, negociantes e camponeses para a escola elementar popular e religiosa. (Hilsdorf, 2006, p. 168)

Das orientações de Lutero para a construção de boas bibliotecas, surgem as críticas de Jean-François Gilmont (1999), que ressalta o fato de ele ter atribuído aos magistrados também a tarefa de conservação dos livros e de permissão para que os dirigentes espirituais e temporais pudessem estudar. Ou seja,

[...] para Lutero, o objetivo da escola não é o acesso de todos à cultura. A escola tem por função formar uma elite capaz de dirigir tanto a sociedade civil quanto a religiosa. [...] Nada de leitura popular. (p. 54)

Nos escritos de Lutero, não se encontram evidências de uma proposta de diferentes escolas para as populações dependendo da classe a que pertenciam. Como já observado, o que se pode constatar são usos diferentes para o ensino escolar que ele propõe que todos freqüentem. Historiadores trazem essa divisão nas escolas por registros (que não os de Lutero) de observação de como as escolas passaram a se organizar no século XVI a partir das interferências de Lutero, mas cabe ressaltar que, em seus escritos, não há nada que permita a afirmação de que ele teria planejado escolas distintas para distintas classes.

Não seria compreensível que no século XVI os colégios secundários em plena reorganização e a recém-fundação de novas escolas, para esse tipo de ensino, recebessem os filhos das camadas burguesas? Não seriam estes os que já teriam condições de acompanhar o ensino oferecido pelo colégio dos humanistas por já terem se iniciado nas 'primeiras letras' seja por meio da freqüência à antiga escola ou do contato com os professores itinerantes, profissionais contratados muitas vezes pelos pais?

Pode-se não encontrar respostas claras para essas questões, mas o que se torna importante destacar é que, independente da forma e do que se concretizou das propostas de Lutero, e mesmo se ele as tivesse realmente formulado dessa maneira, este propôs que todos freqüentassem a escola para serem instruídos na Palavra de Deus e agirem de forma cristã na sociedade, quer no âmbito espiritual como no secular.

Apesar dessa forte e clara posição não ser muito comum em seu tempo e ir contra uma longa experiência de ensino voltado apenas para a formação de sacerdotes e eclesiásticos, historiadores concordam que ele não foi o inaugurador na defesa de uma instrução escolar para todos, sendo que na época da Reforma já teria havido algumas manifestações a favor de uma educação popular.

Nunes (1980) afirma que "de forma alguma as escolas elementares surgiram por iniciativa de Lutero" (p. 100) e relata as fases da congregação dos Irmãos da Vida Comum (fraternidade fundada por clérigos pobres) que desde 1400 começaram a ensinar crianças e dirigir escolas elementares e que, a partir de 1450, converteram suas casas em ginásios e passaram a aplicar as idéias humanistas.

O autor ainda relata que, no que diz respeito ao ensino elementar, as cidades italianas já se destacavam desde o final da Idade Média, sendo que até mesmo os vilarejos dispunham de escolas nas quais se instruíam grande parte da população urbana (Nunes, 1980). Essas escolas também já se adiantavam por serem financiadas pelas suas próprias cidades e não mais por instituições religiosas.

Da mesma maneira, Lorenzo Luzuriaga (1963) faz uma avaliação do que, ao terminar o século XVI, compunha a educação na Alemanha e apresenta três tipos de escolas: as escolas primárias ou elementares "para o povo, nas aldeias e pequenas localidades, com ensino muito elementar dado na língua alemã, por eclesiásticos ou sacristãos, e com caráter principalmente religioso"; as escolas secundárias ou colégios humanistas, "para a burguesia, de caráter humanista, mas também religioso, como preparação principalmente para os cargos eclesiásticos e profissões liberais"; e as universidades e escolas superiores, umas "transformadas no espírito da religião reformada, e outras, de nova criação dos príncipes protestantes" (p.111).

Diante das propostas de Lutero e da constatação de historiadores, o que se conclui é que este pode não ter sido realmente o primeiro a se preocupar com uma educação popular. Entretanto, segundo Manacorda (1989), é evidente que o impulso prático que ele deu e sua força política foram os responsáveis pelos novos progressos. Nunes (1998) corrobora essa constatação afirmando que

[...] nas regiões em que se implantou a reforma de Lutero ou Calvino, ao lado do amor pelos clássicos, surgiu o interesse pela educação popular, devido ao preceito do estudo da Bíblia, que foi primordial para os adeptos da Reforma Protestante. Daí as escolas populares do tipo elementar e secundário. (p. 54)

Uma educação pública

Segundo Lutero, a responsabilidade pela educação escolar, um direito-dever de todos, deveria ser transferida do âmbito da Igreja para o do Estado, mais especificamente para as autoridades municipais. Essas instâncias políticas locais deveriam ser as responsáveis pela criação, pela manutenção e pelo financiamento das escolas e pela supervisão dos pais, garantindo que eles enviassem de fato os filhos à escola. Lutero (1995) afirma claramente:

[...] será da competência do conselho e das autoridades dedicar o maior cuidado e o máximo empenho à juventude [...] o melhor e o mais rico progresso para uma cidade é quando possui muitos homens bem instruídos, muitos cidadãos ajuizados, honestos e bem-educados. (p. 309)

As autoridades municipais deveriam ser, portanto, as responsáveis pelo oferecimento das escolas cristãs, visto que seriam elas próprias as mais beneficiadas e, caso se negassem a cumprir essa tarefa, as próprias culpadas pelo falta de sucesso, "pois de quem é a culpa se hoje são tão raras nas cidades as pessoas bem preparadas, senão das autoridades?" (p. 310).

Para ele, tanto o financiamento e a organização quanto a supervisão das escolas deveriam ser de responsabilidade pública. Mário Manacorda (1989) ressalta como benefício da Reforma a sua capacidade de relacionar escola e cidade, instrução e governo e afirma:

Testemunho da força também educativa da Reforma no plano político é o fato de que a própria autoridade imperial teve de assumir esta nova concepção de uma escola pública para a formação dos cidadãos ou, pelo menos, dos governantes. [...] é, porém, de grande importância histórica a tomada de consciência do valor laico, estatal da instrução, concebida não mais como algo reservado aos clérigos, mas como fundamento do próprio Estado. (p. 199)

Luzuriaga (1959) é ainda mais enfático nesse ponto e chega a afirmar que "a educação pública, isto é, a educação criada, organizada e mantida pelas autoridades oficiais – municípios, províncias, Estados – começa, como dissemos, com o movimento da Reforma religiosa no século XVI" (p. 5). Ele identifica Lutero, ainda, como "o primeiro a chamar a atenção, de modo insistente, para a necessidade de criar escolas por meio das autoridades públicas" (p. 6, grifos meu).

Em um estudo sobre a origem da escola pública, Eliane Lopes (1981), apesar de situar como conquista da Revolução Francesa os princípios de universalidade, gratuidade, laicidade e obrigatoriedade que compõem a escola pública como a que se concebe hoje, afirma que "modernamente, a educação torna-se pública nos países atingidos pelo movimento da Reforma" (p. 14).

Entretanto, essa visão é amplamente rebatida na historiografia mais atual, pois já havia, como já mostrado, experiências de oferecimento de ensino pelas comunas italianas onde, desde o século XIV, elas cobriam os salários dos professores oferecendo aulas gratuitas. Nunes (1980) relata que no final da Idade Média, em cada cidade da Itália e até nos vilarejos, havia escolas e

[...] as próprias comunas rurais nada ficavam a dever aos grandes centros, já que fundaram escolas e pagaram professores para os meninos aprenderem a ler, escrever, assim como a conhecer um pouco de latim. Embora as crianças não freqüentassem regularmente a escola no meio rural, o nível cultural da população campesina era superior ao de outros países europeus. (p. 66)

Hilsdorf (2006) também relata essas experiências como fator histórico para comprovar que Lutero não foi o primeiro a idealizar uma educação pública. Ela afirma que ele

[...] não criou a escola elementar popular e pública, como diz a historiografia da educação: antes dele, ela já era uma tradição escolar da Europa, inclusive no sentido de que o seu controle era assumido em parte pelas autoridades das cidades. (p. 168)

Se há provas de que Lutero não foi o precursor na iniciativa por uma educação elementar popular e pública, talvez ele tenha se destacado pelo seu 'modo insistente', como relatou Luzuriaga (1959), de apelar às autoridades. Nunes (1998) aponta a iniciativa de Lutero em relação à responsabilidade pública para educação secundária afirmando que: "a escola média começou a ser custeada pelos cofres públicos e ser mantida pelo Estado nos países protestantes"; porém, os estabelecimentos eram essencialmente religiosos, sendo que "só no século XVIII, na Alemanha, começou a educação pública puramente estatal com os reis da Prússia, Frederico Guilherme I e Frederico II, o Grande" (p. 55).

Teria Lutero recorrido ao Estado para a responsabilidade pela tarefa educacional apenas para assegurar o sucesso de suas propostas? Que garantias tinha ele de que isso aconteceria? Por que recorrer às autoridades locais e não aos príncipes? As respostas a essas indagações não são simples, dado que a própria noção de Estado, caminhando-se para a formação de um Estado moderno, estava sendo reformulada e a relação de Lutero com o Estado se apresenta como um aspecto de análise complexa.

Contudo, cabe relembrar que, para Lutero, o Estado possuía um caráter cristão e este deveria assumir um papel em prol da paz e justiça do povo governando como a mão esquerda de Deus. Nesse sentido, talvez fosse natural que a Igreja em decadência tivesse que deixar de ser a organizadora e mantenedora da educação escolar e, em seu lugar, o Estado se ocupasse dessa tarefa para promover uma educação cristã, que instruísse as crianças e os jovens para se tornarem religiosos que atuariam tanto na esfera espiritual como também na secular.

Ao refletir sobre o caráter estatal que Lutero atribui à educação, Walter Altmann (1994) sugere algumas questões relevantes: por que teria atribuído a responsabilidade da educação às autoridades das cidades e não aos príncipes? Ele responde em favor de Lutero defendendo essa posição como progressista:

[...] o chamamento de Lutero às autoridades municipais e à nova burguesia emergente, no sentido de que assumissem a responsabilidade da educação, foi um passo nitidamente progressista. Lutero mostrou aguda sensibilidade quando, nessa questão, não apelou simplesmente para a autoridade dos príncipes, mas chegou bem mais perto da base do cotidiano, escolhendo as autoridades municipais, mais diretamente ligadas com as necessidades concretas de seus habitantes. De fato, foi uma escolha que veio a se comprovar como correta, pela ampliação das oportunidades educacionais. (p. 208)

Contudo, além dessa afirmação se mostrar marcada por uma visão do presente, o mesmo autor reflete sobre uma conseqüência negativa que resultou dessa escolha ao se convocar as autoridades municipais para assumirem a responsabilidade pela educação: as cidades que já estavam em franco desenvolvimento só tenderam a prosseguir com os ganhos educacionais. Entretanto, nas áreas rurais, que não tinham muitas condições de acesso à educação escolar, a proposta teria sido menos exeqüível.

Contribui para uma melhor compreensão relembrar o fato de a Alemanha se encontrar dividida em cidades independentes, o que permitiu, com o desenrolar do movimento da Reforma, que por algum momento cada autoridade escolhesse a religião de seus súditos. Sendo assim, cada local teve que optar pelo apoio à Igreja Católica ou à Reforma e, no caso de apoio a esta, era compreensível o fato de que precisavam atender às propostas educacionais propagadas por Lutero.

Entretanto, havia a possibilidade de príncipes que pudessem não ter aderido aos ideais da Reforma e daí, talvez, se justifique o fato de Lutero convocar o Conselheiro de cada cidade para atentar à sua proposta de criação e manutenção de escolas como responsabilidade das autoridades locais e não mais da Igreja, tentando convencê-los de que os mais beneficiados com essa atitude seriam as próprias cidades.

Outro argumento que pode explicar o fato de Lutero ter convocado as autoridades locais e não os príncipes para a responsabilidade pela tarefa educacional é o próprio exemplo do que vinha ocorrendo na Itália com as já citadas comunas italianas em que as autoridades de cada local financiavam professores para as crianças quando os pais não podiam fazê-lo. Ou mesmo o fato de que a Alemanha encontrava-se dividida em diversos territórios marcados pela disputa de terras e o poder dos príncipes locais muitas vezes sobrepunha o poder formal do imperador. Entretanto, apesar das hipóteses apresentadas, evidenciou-se a necessidade de estudos mais aprofundados, específicos sobre esse tema, para que se alcance uma conclusão consistente.

Qual a utilidade da educação?

A proposta de Lutero em relação às escolas é a de que elas sejam cristãs e atendam a todos, e essa educação por ele defendida apresenta objetivos bem definidos: tem sua utilidade prática para a preparação de ministros e de bons administradores da casa, mas é, sobretudo, uma utilidade social a que Lutero explicita como resultado dessa instrução.

Com seu próprio exemplo e baseado na doutrina dos dois reinos, convoca os cristãos para participarem ativamente do mundo em que se encontram e contribuírem para que se tornem mais cristão. Esse posicionamento diante do curso do mundo, com o temor de Deus, só poderia acontecer mediante uma nova educação que é a que ele propõe.

Cambi (1999) afirma que a concepção pedagógica de Lutero "baseia-se num fundamental apelo à validade universal da instrução, a fim de que todo homem possa cumprir os próprios deveres sociais" (p. 249). Para isso, as escolas cristãs deveriam ser criadas e mantidas, para que as crianças e os jovens aprendessem as ciências, a disciplina e o verdadeiro culto a Deus de forma que, posteriormente, elas pudessem se tornar "pessoas capazes de governar igrejas, países, pessoas, casas, filhos e criadagem" (Lutero, 1995, p. 330).

Manacorda (1989) ressalta essa utilidade social da instrução em Lutero que, segundo sua análise, era

[...] destinada a formar homens capazes de governar o Estado e mulheres capazes de dirigir a casa, segundo uma divisão do trabalho entre os sexos, divisão que, embora não revolucionária, pelo menos é realista. (p. 197)

Da instrução, dependia também a continuidade de existência do ministério e do estado eclesiástico, o que faz Lutero apelar para que os pais enviem seus filhos para a escola para que estes não venham a cair no abandono e, com isso, o mundo sofra com a falta de pessoas que preguem a Escritura.

Sendo assim, um filho educado e instruído em uma escola cristã poderia ser muito útil à causa de Cristo e a toda a sociedade:

[...] ele também realiza tão-somente grandes e importantes obras em favor do mundo: ensina e instrui todas as categorias sociais como se devem conduzir exteriormente em seus cargos e suas posições, para agirem com justiça perante Deus. (Lutero, 1995, p. 338)

Lutero ainda segue dizendo que não haveria problemas se um menino que estudou aprendesse um ofício e se tornasse um cidadão, ou seja, que o estudo não atrapalharia seu trabalho, mas, antes, o ajudaria a administrar melhor sua casa e estaria apto para o ministério da pregação ou do pastorado caso precisassem dele.

Aliás, como já ressaltado, o aprendizado de um ofício era recomendado aos meninos e a tarefa doméstica, às meninas, após o período de aula. Dessa forma, com a Reforma, criaram-se "escolas elementares que conciliavam o aprendizado da língua com a formação para atividades produtivas" (Hilsdorf, 1998, p. 29). No entanto, os pais não deveriam permitir que as crianças aprendessem apenas o suficiente para exercer uma atividade rentável, ou seja, não bastaria apenas aprender a contar e a ler, pois "para aprender a pregar, governar e administrar a justiça, tanto no estado clerical ou secular, não bastam sequer todas as ciências e línguas do mundo [...]" (Lutero, 1995, p. 328).

Dessa forma, se os pais queriam agradar a Deus e contribuir para o sucesso futuro da cidade, deveriam enviar os filhos para a escola de forma que a instrução os tornasse pessoas úteis à propagação da palavra de Deus e à toda a sociedade, independente da função que exerceriam.

Uma educação obrigatória

Lutero não somente faz um apelo para que se criem e mantenham escolas cristãs e para que os pais enviem seus filhos a essas escolas. A educação escolar não deveria depender apenas da adesão ou aceite ao seu apelo quanto aos benefícios que a instrução escolar poderia proporcionar. Ele defende que a educação escolar, além de ser para todos, tenha um caráter obrigatório, forçando os pais e as autoridades atentarem para ela.

Cambi (1999) ressalta que, "com o protestantismo, afirmam-se em pedagogia o princípio do direito-dever de todo cidadão em relação ao estudo, pelo menos no seu grau elementar, e do princípio da obrigação e da gratuidade da instrução" (p. 248). Se a história revela que antes de Lutero já havia pessoas que defendiam uma educação popular, ela nada revela sobre a obrigatoriedade do ensino, o que leva a pensar que esse avanço na reivindicação da educação elementar tenha Lutero com um dos pioneiros.

Ele afirma aos pais que é mandamento de Deus, por meio de Moisés, que eles instruam os filhos e que, no seu ponto de vista, não haveria pecado que merecesse maior castigo que o cometido contra as crianças quando deixam de educá-las. No entanto, como afirma que para ensinar e educar bem as crianças é preciso gente especializada, a obrigação dos pais seria, então, enviá-los à escola.

Ameaça os pais dizendo que, se eles não cumprissem sua obrigação de encaminhar os filhos à escola, se tornariam os responsáveis caso o serviço de Deus se arruinasse; e também os relembra de que não são os donos absolutos de seus filhos, pois estes também pertencem a Deus e por isso devem entregá-los para Ele, enviando-os à escola de forma a garantir sua instrução que muito poderia contribuir para a obra cristã.

No que se refere aos recursos financeiros necessários para essa educação, ele orienta os pais para que esse não seja um motivo de preocupação ou de recusa no envio dos filhos para a escola, afirmando que antes faltarão pessoas do que recursos. Contudo, ainda que isso aconteça, ou seja, ainda que faltem recursos para a instrução de seus filhos, relembra que ele mesmo havia sido um mendicante para conseguir realizar seus estudos até seu pai ter condições de sustentá-lo e dá o seguinte conselho aos pais:

[...] manda teu filho estudar com toda confiança. Ainda que, por enquanto, tenha que ficar mendigando pão, estás oferecendo a Deus nosso Senhor uma madeira preciosa da qual pode talhar-te um senhor. (Lutero, 1995, p. 357)

Dessa maneira, não havia motivo ou desculpas para que qualquer criança deixasse de receber a instrução escolar. Todas deveriam ser enviadas à escola e aos pais caberia essa responsabilidade. Conclama, ainda, as autoridades para que essa obrigação seja de fato cumprida: "Em minha opinião, porém, também as autoridades têm o dever de obrigar os súditos a mandarem seus filhos à escola [...]" (p. 362), além de serem as responsáveis pela criação e manutenção dessas escolas.

Assim, cabia às crianças a obrigatoriedade de freqüência à escola, e às autoridades, a sua garantia e supervisão. Segundo Luzuriaga (1959),

A principal característica dessa educação pública religiosa, [...] é seu apelo às autoridades (e a resposta delas) no sentido da fundação de escolas mantidas com recursos públicos e do estabelecimento de freqüência obrigatória. (1959, p. 6, grifos meu)

A educação encontra em Lutero o seu primeiro defensor de uma escola que fosse ao mesmo tempo para todos, de freqüência obrigatória e como responsabilidade (de financiamento e supervisão) das autoridades leigas e não mais religiosas. Ao defender essa escola pública cristã, ele coloca a instrução como sendo, "portanto, uma obrigação para os cidadãos e um dever para os administradores das cidades" (Cambi, 1999, p. 249).

Sendo assim, os princípios de uma educação popular, gratuita e obrigatória e de caráter estatal podem ser encontrados já no século XVI nas propostas de Lutero para a educação no movimento da Reforma Protestante.



Considerações finais

Uma reflexão sobre a atuação de Lutero no contexto educacional não deve estar distanciada de seu contexto histórico e dos seus objetivos iniciais que se encontravam, sobretudo, no âmbito religioso. A educação era tema tratado por estudiosos da época e, posteriormente, assim o foi principalmente por aqueles que se intitulavam humanistas. Entretanto, compreender o que levou Lutero a apresentar propostas educacionais inovadoras – que se não o foram na criação, sem dúvida o foram na forma de sua proposição para seu tempo –, que repercutiram ao longo da história, não se mostra uma tarefa de fácil realização.

Talvez a primeira questão a ser posta é se Lutero se propunha ser um reformador da educação da mesma maneira como se colocou para a Igreja. Era seu objetivo reformar a educação escolar ou essa proposta surgiu como conseqüência e extensão de sua reforma na Igreja? Alguns autores o vêem como um reformador da educação e até mesmo analisam suas ações como as de um pedagogo. Contudo, outros, como Altmann (1994), consideram-no sobretudo um reformador religioso que acabou afetando o campo educacional por ser o processo educa-tivo intrínseco ao ser humano.

Sem se propor a questionar o fato de religião e educação serem ou não processos inerentes ao ser humano ou ainda a relação que há entre elas, o que se mostra necessário ressaltar é que Lutero foi, como bem observa Geoffrey Elton (1982), um homem profundamente religioso e teólogo de formação e, sendo assim, suas ações em prol da reforma estavam dentro do domínio da religião e da teologia, sendo que "quaisquer que sejam os outros efeitos e tributários da história, esse é o ponto de que se deve partir" (p. 220).

Contudo, se as suas preocupações centravam-se no campo religioso e teológico, por que ele teria se levantado para propor uma nova organização do sistema escolar e ainda convocado autoridades e pais para atentarem para essa educação? Para refletir sobre essa questão, é necessário ressaltar que as idéias educacionais de Lutero e todo o movimento da Reforma Protestante não devem ser analisados fora dos acontecimentos de sua época. Nesse sentido, outras perguntas se juntam à anterior: teria Lutero interferido na educação influenciado pelos ideais humanistas que se propagavam pela Europa e diante dos quais ele aproveitava para criticar ainda mais a escolástica em que fora educado?

A relação de Lutero com os humanistas e sua posição em relação a esses ideais indica não ser consenso entre os autores que ou aceitam essa aproximação ou a negam, atribuindo-a muito mais ao humanista Filipe Melanchthon. No entanto, essa posição de Lutero de aceitação de novos ideais concomitante com a sustentação de algumas práticas conservadoras e medievais reflete o próprio contexto em que ele estava inserido dentro de um período de transição entre a Idade Média e o início da Idade Moderna.

No entanto, em relação aos ideais humanistas, o que se questiona é se estes seriam suficientes para provocar as transformações na educação independentemente das ações de Lutero ou de outros personagens dentro do movimento da Reforma3. Se a força da mudança intelectual estava no Renascimento, por que os progressos educacionais, no sentido da criação de um sistema escolar público e popular que impactasse outros locais, não saíram da Itália e França nos séculos em que se iniciou a corrente renascentista?

Pode ser que alguns fatores tenham auxiliado Lutero nas suas conquistas educacionais como: o fato de ele ter se tornado notório em sua luta pela Reforma da Igreja e, além da relação próxima que já tinha com as autoridades, ao se tornar uma figura pública, suas reivindicações e seus apelos talvez tenham tido maior repercussão. Pode ser que o seu objetivo realmente fosse o de ensino da doutrina e então ele não teria medido esforços para a construção de uma proposta educacional que o auxiliasse na conquista com êxito de seu propósito religioso.

A tentativa de fundamentar esse argumento de interesse no ensino da doutrina pode se encontrar no fato de que Lutero realmente defendia que as autoridades financiassem uma educação que fosse cristã, além do fato de que historiadores indicam o uso dos Catecismos por ele escritos nas escolas elementares. Contudo, não parece ter sido esse o único nem o principal objetivo de Lutero e, se assim o foi, não encontrou nele êxito, afinal, sua figura é amplamente associada à criação de uma escola elementar e popular e não de uma escola doutrinária que se espalhou pelos territórios, moldando pessoas para a religião protestante.

A análise dos textos escritos em 1524 e 1530 evidencia que ele se preocupou com uma nova organização das escolas. Ele não explicita exatamente o que era destinado para o ensino elementar e para o secundário, mas propõe um ensino baseado nas línguas (a vernácula para o ensino elementar e as clássicas e o hebraico para o secundário, segundo os historiadores) e na leitura da Bíblia. As alterações sugeridas para o currículo e os métodos mostram uma tentativa de inserir o novo – dos humanistas – com continuidades do antigo sistema escolástico. A preocupação com o tempo destinado ao ensino, tipo de professores, forma de financiamento, entre outros, evidenciam a preocupação com a estruturação de um sistema de ensino diferente e até mesmo a criação do oferecimento de uma 'modalidade' de educação escolar que não existia nas cidades alemãs, como foi o caso das escolas elementares.

Há críticas de que as escolas elementares se destinariam a um público popular para ensino da doutrina e de preparação para o trabalho no comércio, enquanto os colégios secundários se destinariam para as classes burguesas, preparando os alunos para ingresso na Universidade. Contudo, apesar de no texto de 1524 Lutero propor que as crianças aprendam um ofício, isso não parece fundamentar o argumento exposto acima, pois se pode constatar, no sermão escrito em 1530 (após o episódio da guerra dos camponeses que teria levado Lutero a repensar suas propostas para as camadas populares), que ele insiste para que os pais não deixem de enviar os filhos à escola e assim deixá-los trabalhando no comércio.

Dessa maneira, mostra-se inquestionável a reivindicação de Lutero para que a escola seja aberta a todos. Independentemente de objetivos e propostas de ensino diferenciadas, todas as crianças deveriam freqüentar uma escola financiada e mantida pelas autoridades locais. E talvez esteja aí, em um apelo pela criação de uma escola pública e estatal, com as particularidades que envolviam o Estado alemão naquele período, uma das maiores contribuições de Lutero para o sistema de ensino. E se a história mostra que houve antecedentes também nesse caso, como é o das comunas italianas do século XIV, convém reconhecer e analisar o 'impulso prático', como descreveu Manacorda (1989), que deu a elas.

Porque, se encontramos na Revolução Francesa do século XVIII os princípios de gratuidade, obrigatoriedade, universalidade e laicidade do ensino que se espalharam por todos os lugares e constituíram o que hoje se chama de escola pública, foi antes, em Lutero, que encontramos uma defesa por uma educação gratuita, universal e obrigatória que se espalhou como apelo a todas as autoridades e não se restringiu a experiências locais sem repercussão (como se pode perceber no caso das comunas italianas, pois apesar de as autoridades locais atentarem para a necessidade de financiamento da educação escolar, não há indícios de que tenham repercutido por todo o território italiano e fora dele nem ganharam um 'impulso' insistente para sua propagação como foi o dado por Lutero no caso alemão).

Com isso, volta-se à questão das propostas educacionais de Lutero estarem ligadas e envoltas em sua luta maior pela reforma religiosa. Teria ele conseguido uma resposta positiva das autoridades, que atenderam ao seu apelo e construíram escolas, se tivesse apenas se levantado por uma luta pela reforma do ensino de sua época? Não é o que parece. A reforma e a construção de um novo sistema educacional para Lutero aparecem intimamente ligadas à sua proposta de reforma do âmbito religioso e de mudanças na sociedade. O Estado para ele era confessional, ou seja, deveria ser um Estado cristão, e daí o seu apelo para que ele interferisse tanto na religião quanto na educação da população. E se essa posição cristã era o que ele entendia ser a base do Estado e de toda a sociedade, não havia como ser diferente com a educação que deveria ser cristã e, assim, estar relacionada à religião em uma forma até mesmo de dependência recíproca.

Cabe ressaltar que a própria noção de Estado estava em reformulação e, talvez, também se encontre aí outra grande contribuição de Lutero: para a criação de um Estado forte e auto-suficiente, caberia a ele a responsabilidade pela educação escolar de seus cidadãos. Se nesse período encontra-se o nascimento do Estado moderno, Lutero pode em muito ter contribuído apelando para que ele, e não mais a Igreja ou outra instituição religiosa, fosse o responsável pela oferta e manutenção de escolas que atendessem a todos. Sendo assim, nasce um Estado que deve ser consciente de que é seu dever proporcionar a todos o direito à Educação.

Para concluir, não há como não reconhecer o avanço dado por Lutero no que diz respeito ao direito à Educação de todos. Pode ele não ter sido o primeiro a criar (pelo exemplo das comunas italianas e da Congregação dos Irmãos da Vida Comum) nem o executor (não se deve esquecer Filipe Melanchthon) de tais propostas, contudo, foi ele um grande propugnador e defensor, junto às autoridades e à população, da criação de escolas que não atendessem somente aos clérigos e religiosos, mas que fossem abertas a todos.



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