segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A Espiritualidade do Seguimento

Por: Eduardo Rosa Pedreira

“Não resta dúvida: o cerne da espiritualidade cristã está em seguir a Jesus.”

No princípio, era o seguidor! Jesus irrompia inesperadamente e dizia: “Segue-me, venha após a mim”. A resposta positiva exigia uma ruptura com a maneira de viver até aquele momento do que aceitava o convite. A vida deveria ser reorganizada. O centro era o mestre e o caminho apontado por ele. Quem aceitava tal convite nos seus termos tornava-se um discípulo. Também, no princípio, existia o simpatizante: aquele que se emocionava com as palavras do Cristo, achava fantásticos os seus milagres, impressionava-se com a originalidade de suas atitudes, nutria enorme curiosidade por encontrá-lo – mas não colocava o pé no caminho. Simpatizava até o ponto de não precisar mudar seu estilo de vida. Tinha admiração, mas não estava interessado na transformação resultante da formação espiritual à qual todos os discípulos viveriam quando resolvessem caminhar o caminho proposto pelo Filho de Deus.

Ainda no princípio, havia o consumidor. Este sequer tinha tempo de ouvir o Senhor; desejava, isso sim, comer o pão e o peixe multiplicados, ansiava pela cura da perna atrofiada, somente tinha interesse em ser restaurado da lepra... Uma vez alcançada a graça, nem sequer lembrava de retornar para agradecer. O discípulo seguia Jesus porque o admirava; o simpatizante admirava sem o seguir, e o consumidor nem seguia e nem admirava, posto que Jesus era apenas um provedor de suas necessidades, e não alguém a apontar-lhe um caminho transformador.

Jesus conviveu indistinta e graciosamente com estes três grupos dentro da multidão que gravitava ao seu redor. Nunca se negou a oferecer caminho aos seguidores, admiração aos simpatizantes e provisão aos consumidores. Todavia, o rabi sabia que os discípulos eram os protagonistas para cumprir sua missão no mundo. Certamente, ele não contava com simpatizantes e consumidores para o estabelecimento do Reino de Deus. Estava certo, como sempre! Nos duzentos anos que se seguiram à sua morte, o pequeno e frágil grupo inicial de discípulos, apaixonado por sua missão, se espalhou por todo Império Romano. Eles haviam sido convocados pessoalmente para seguir um caminho; colocaram o pé na estrada e saíram pelas vilas e cidades com a mesma convocação com que foram convocados: sigamos o seu caminho. Quanto aos simpatizantes e consumidores, não se sabe o que aconteceu com eles. Afinal, quem fez a história foram os discípulos.

Não resta dúvida: o cerne da espiritualidade cristã está em seguir a Jesus. Quando decidimos conscientemente seguir o seu caminho, então a espiritualidade cristã começa a fluir em nós. O Pai, pelo seu Espírito, vai nos transformando na imagem de seu Filho à medida que damos os passos no caminho. Fora do seguimento, não há espiritualidade. Todos nós estamos necessitados de retornar à experiência original dos primeiros discípulos. Sim, nossa carência essencial está em “ver” Jesus de novo surgir em meio à nossa complexa e agitada vida, cheia de cansaço e dores, e sussurrar com ternura e vigor ao nosso coração: “Vem e segue-me!” Quando ele irromper no nosso cotidiano, como aconteceu com os pescadores da Galiléia ou com o coletor de impostos da Judéia, com aquele sedutor olhar a nos convidar a seguir o seu caminho, e largarmos as redes ou a segurança da coletoria, aceitando seu convite, então, experimentaremos real comunhão com o Deus trinitário. Longe do caminho do Filho, não seremos capazes de enxergar a face do Pai e tampouco vivenciar a presença do Espírito. De fato, no cristianismo bíblico, espiritualidade é um mero sinônimo de seguimento.

Se as nossas orações, liturgias, louvores, corais, células, congressos e mensagens não apontam o caminho do Senhor e não convocam o mundo para segui-lo, então, tudo isso pode até ser espiritualidade, mas não é cristã. Se nossas igrejas se tornam fontes de atração para consumidores e admiradores, ao invés de espaços comunitários formadores de discípulos, tenhamos consciência: todos devem ser tratados com graça e amor, como Jesus fez, mas só cumpriremos sua missão no mundo sendo e formando seguidores.

Não deveríamos, mas, infelizmente, estamos hoje diante de uma encruzilhada, que por natureza é o entroncamento de dois caminhos. Entrar por um é necessariamente excluir o outro. Ou escolhemos a espiritualidade do entretenimento, que produz simpatizantes e consumidores, ou optamos pela espiritualidade do seguimento, a que gera discípulos. Tenhamos, contudo, uma certeza – desde sempre, Jesus já fez a sua escolha. Basta, apenas, que o imitemos nela.

4 comentários:

  1. É interessante como as idéias ficam mais claras quando as tipificamos, classificamos e exemplificamos. E, realmente, o que é e o que há de ser já foi, não há nada de novo. Por isso somos indesculpáveis. Nossa geração não é mais pérfida, egocêntrica e gananciosa que a de Paulo ou a do nosso Senhor. Coragem... pra formar discípulos para falar ousadamente de Deus. Para se posicionar no meio da multidão Dai-me(nos), coragem, Senhor! Os tímidos não herdarão! E eu os amo tanto...

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  2. Perfeito, Patrícia!!!

    Temos a idéia de que tudo está mais agravado hoje, mas se tivermos acesso aos escritos de John Charles Ryle, por exemplo, que foi um ministro anglicano no século XIX e mesmo aos de Charles Haddon Spurgeon, seu contemporâneo, veremos que o mundo é tão cruel desde sempre e que interesseiros, barganhistas, oportunistas e piedosos verdadeiros sempre existiram concomitantemente. E, como o Rev. Eduardo postou em seu artigo, o Senhor soube ( e sabe) lidar com todos e cada um deles.

    Escreveu o sábio: " Não há nada novo debaixo do Sol" ( Eclesiastes 1.9).

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  3. Muito oportuna esta postagem Idauro. Venho refletindo sobre esta questão faz algum tempo, reflito sempre com uma pergunta: "como estamos seguindo a Cristo?"

    Minha pergunta não tem um tom na minha mente de questionamento da pecaminosidade humana, mas é uma pergunta para o que se chama de cristianismo, fundamentalmente a partir do seculo 3º.

    Veja o que vou dizer. A sistematização da teologia deixou de ser um sistema de estudo para ser um objeto de veneração, isto é só um exemplo do modo como alguns, e falo até de mim mesmo em outro tempo em sala de seminário que não vêm fé cristã fora do que se chama de sistematologia teológica.

    Por que estou falando isso? Porque venho questionando se o seguir a Cristo é um relacionamento com a pessoa dele ou com somente o que ele falou. Não sou contra a sistematização, mas me assusto com a veneração a ela, como se ela fosse por vezes uma explicação intocável do que é da fato intocável, as Escrituras. Me assusto porque a sistematização parece o pão dos milagres das multiplicações, parece que só o pão está ali, Cristo o autor do fato é um coadjuvante por vezes.

    Bem, o assunto é extenso, e não quero enfadar com tantas palavras, mas reflito sobre qual de fato é o objetivo da fé cristã, da qual me incluo, para esse tempo, pois parece que autor de Hebreus acabou de escrever para este tempo:

    "olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus ..." (Hb 12.2)

    Graça, paz e saúde em Cristo

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  4. É verdade, José Eduardo!!!

    Não adianta amar a teologia sem amarmos a Deus, que é alvo e destino de toda reflexão teológica. Se não engano-me foi Karl Barth quem disse que o teólogo precisa "enfermar" para, então, produzir teologia. Isto é, o trabalho do teólogo deve o marcar profundamente. Sem paixão por Jesus Cristo é impossivel se fazer teologia de verdade.

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