sexta-feira, 6 de maio de 2011

Amo a Igreja de Cristo.

Por: Idauro Campos

Você já ouviu falar do ecologista que amava floresta, mas odiava árvore? Ou do conferencista que ama as multidões, mas odeia gente? Ou ainda, aquele que ama a humanidade, mas é insensível e indiferente às demandas de seus familiares e parentes mais próximos?

Há muitos cristãos, nestes tempos pós-modernos, que declaram amar a igreja universal, invisível, o Corpo de Cristo ao mesmo tempo em que rejeitam e odeiam a idéia de congregar, de fazer parte de uma comunidade de fé, onde se partilha, à luz das Escrituras Sagradas, amor, fé e esperança, além de orações, histórias, dores, sorrisos, alegrias, perdas, conquistas e decepções.

Ninguém pode pretender amar a humanidade, mas detestar a família. A família biológica é a expressão local e diminuta da humanidade. Desprezar a própria família é o mesmo que desprezar também a humanidade inteira. Semelhantemente, não podemos cair na falácia de que é possível amar o Corpo de Cristo, mas desprezar sistematicamente a igreja local, pois esta é nada mais que a expressão diminuta e temporal da Igreja Universal. A igreja, seja ela reunida em templos ou em casas, empresta sua temporalidade à igreja universal. Uma não existe sem a outra. A igreja invisível é uma abstração e não se ama e nem se relaciona com abstrações. Dizer que faz parte do Corpo de Cristo, sem, contudo, fazer parte de uma Comunidade de fé cristã local é absurdo, além de antibíblico e extremamente conveniente para gente descomprometida.

Há famílias e famílias. Assim como há igrejas e igrejas. Há famílias opressoras; famílias adoecidas; famílias castradoras; famílias indignas de serem reconhecidas como tais. Entretanto, há famílias saudáveis; famílias boas; famílias edificantes, maduras e libertadoras. Destarte, há igrejas complicadas, heréticas e infantilizadas (freqüentadas e lideradas por gente idem). Todavia, há, graças a Deus, boas igrejas. Comunidades cristãs saudáveis. Imperfeitas sim, mas que se reúnem em torno de Cristo para adorá-lo e d’ Ele aprender.

O fato de existirem famílias bizarras não significa que não existam boas famílias. Semelhantemente, os maus exemplos de muitas igrejas não eliminam do mapa as boas greis, como os desigrejados teimam em não reconhecer.

Virou moda falar mal da Igreja (lugar comum). Como não podem destruí-la, algo que nem mesmo o diabo consegue, criaram o conceito de que “amo a Igreja Invisível, mas odeio a instituição”. Besteira! Papo! Conversa Fiada! Amar apenas o “Corpo de Cristo que está espalhado pela face da terra”, mas não suportar congregar é o mesmo que dizer que ama a Deus, mas odeia o próprio irmão, algo deplorável e criticado por João (1 João 4.20-21).

É fácil amar a Igreja Invisível. Ela não tem cara. Não traz problemas. Não telefona de madrugada para que a socorramos. Difícil é amar gente complicada. Gente de carne e osso, com seus dramas, chatices, contradições e idiossincrasias. É fácil ser crente na frente das teclas de computador, postando artigos pseudocrístãos em comunidades virtuais. Difícil é caminhar junto. Sim é difícil, mas é bíblico. É cristão. É eclesiológico. É neotestamentário. A isto chamamos koinonia (comunhão). Foi ensinado por Jesus Cristo (João 17). Foi praticado pelos apóstolos (Atos 2.42-46). Foi preservado pelos Pais da Igreja. Foi resgatado pelos reformadores. Foi mantido por muitos irmãos até chegar até nós. É uma herança digna de ser desfrutada e repassada às próximas gerações. E será! Por maiores que sejam os ataques, pois quem a garante é o Senhor da Igreja, Jesus Cristo, que prometeu sua edificação permanente e vitória final (Mateus 16.18). A Igreja é a noiva de Cristo! Ele tem cuidado muito bem dela, pois a ama e guarda-a para si (Efésios 5.25-27).

Amo a Igreja de Igreja de Cristo. A invisível e a visível também!

quinta-feira, 5 de maio de 2011

O Trabalho Redentor de Cristo.

Por: Idauro Campos

INTRODUÇÃO

Certa vez o Rev. Ricardo de Souza Barbosa, ministro presbiteriano, comentou, em um dos seus artigos, que na época da Páscoa os cristãos enfatizam o milagre da ressurreição e pouco comentam da Sexta-Feira da Paixão. Geralmente as igrejas apresentam seus corais com grande foco e expectativa no reaparecimento de Cristo, quando o mesmo deveria ser a morte de Jesus, pois foi sua morte na cruz que garantiu a salvação. É antes de sua morte na cruz que Cristo profere as palavras “Tetelestai” (Está consumado!). Portanto, a morte é o evento que consuma a obra de redenção que Deus planejou para salvar pecadores, revelando o seu amor por eles. O esforço de Walter T. Conner no capítulo intitulado “O Trabalho Redentor de Cristo”, caminha nesta direção. Neste comentário estaremos interagindo com as máximas do autor sobre o tema e refletindo suas implicações.


A Morte de Cristo: A Chave da Redenção


Walter T. Conner destaca que Jesus quando é identificado e confessado por Simão Pedro como o Cristo e Filho do Deus Vivo (Mt 16.13-21), Ele, então, começa a ensinar sobre seu sofrimento e a morte que experimentaria em Jerusalém, pontificando que Ele era o Messias sim, mas um Messias Sofredor que teria na cruz, símbolo da morte vergonhosa, o clímax de sua missão redentora. Este, portanto, foi o alvo de Cristo durante sua vida e ministério: marchar em direção à morte.

A morte de Cristo era necessária, pois como Ele veio para resgatar pecadores que deveriam morrer pelos seus próprios pecados, é através da morte de Cristo que a justiça de Deus é satisfeita. Na verdade o pecador é quem deveria morrer. A morte era a fatal pena e conseqüência do pecado. Era tão somente a exigência da Lei. No entanto, a morte de Cristo atende esta exigência. Sua morte é a sua oferta pelos pecados do seu povo. Sem a morte de Cristo não haveria remissão dos pecados. É na morte vicária (substitutiva) que a redenção se consuma. O sofrimento e a morte de Cristo estão no centro da espiritualidade, pois não haveria fé cristã sem seu sacrifício.

A superficialidade com que tratamos, ensinamos e pregamos a morte de Cristo é responsável por esta tendência contemporânea de um evangelho sem cruz, sem morte, como é pregado hoje. O que provoca também uma superficialidade na fé e nas expectativas dos crentes. O chamado à cruz deve fazer parte da nossa experiência de fé, para que o nosso “eu” morra e Cristo viva cada vez mais em nós.

A Morte de Cristo: A Manifestação do Amor de Deus


A morte de Cristo não só manifesta a vindicação da justiça divina como também, e principalmente, manifesta o amor de Deus por nós. O autor muito bem destaca que atribuir a morte de Cristo um ato de sua misericórdia ao passo que para Deus é somente um ato de satisfação judicial é um erro, pois as Escrituras Sagradas revelam que o amor de Deus é o fator determinante para nosso resgate em Cristo Jesus (João 3.16). A morte de Cristo é a prova cabal que Deus nos ama (Romanos 5.8). Assim como Conner destaca, há uma convergência entre o Pai e o Filho e não uma tensão entre Eles. O Filho não quer salvar enquanto o Pai, que é o Juiz, quer punir (marcionismo). A morte do Filho não provoca uma mudança de veredicto nos propósitos do Pai. Antes, a morte do Filho atende a vontade do Pai de salvar pecadores. Deus é amor e ama o pecador e como não quer perdê-lo, enviou seu Filho para, através da sua morte, salvá-lo. Diz Paulo na Carta aos Romanos que “Deus prova o Seu amor para conosco em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores”. A morte de Cristo é um ato do amor divino. É uma ação providencial de Deus para que não pereçamos. Portanto, a morte de Cristo não ganha o amor de Deus e sim o expressa. Somos salvos pelo amor de Deus em ação que está em Cristo Jesus.



A Morte de Cristo: Um Chamado à Vida


“Se o grão de trigo, caindo na terra não morrer, fica ele só; mas. Se morrer, dá muito fruto” (Jo 12. 24). A morte de Cristo nos garantiu o acesso à vida eterna, que começa a ser desfrutada aqui. A vida de Jesus é compartilhada com todo filho de Deus, somos salvos em Jesus e agora vivemos a vida d’Ele.

O Senhor nos convida a viver, mas esta vida precisa ser precedida pela morte. Nós, discípulos de Cristo, também devemos morrer. Morrer para o pecado, para o orgulho, para nós mesmos. Ninguém conseguirá caminhar com Jesus se não estiver disposto a crucificar a carne e morrer para si. Nossa vida em Cristo não mais nos pertence. Agora, a administração das nossas decisões, projetos e rumos serão tomados sob a perspectiva do Reino de Deus em Cristo. Ao tentarmos lutar com Deus pelo controle dos nossos dias estaremos dando claros sinais de que ainda não morremos para nós mesmos. “Agora já não sou eu quem vivo, mas Cristo vive em mim” (Gl 2.20). Ou vivemos a vida de Jesus, caracterizada pela renúncia pessoal, pela crucificação do eu, e pelo desejo de fazer a vontade de Deus ou, então, jamais poderemos ser considerados filhos de Deus. O Evangelho é uma boa notícia! Mas, antes de ser uma boa notícia, como disse Ricardo Gondim, o Evangelho “é uma péssima notícia!” Pois notifica que somos pecadores; que estamos mortos espiritualmente; que somos escravos do pecado; que estamos condenados a uma eternidade sem Deus; e que precisamos morrer para poder viver a vida de Jesus. Sem a morte do velho homem, não haverá vida em Jesus. Sem participar do sofrimento e morte do Senhor não há comunhão com Ele. É através da morte d’Ele que sou estimulado a morrer para o mundo e suas paixões para participar de sua vida. A morte de Cristo é um convite à vida. Morramos com Ele para então vivermos com Ele (Rm 6.4)!


CONCLUSÃO

Vivemos um tempo em que se fala apenas das bênçãos que podemos obter do Mestre, mas pouco se fala da Cruz que temos que carregar. Todos nós fomos chamados a negar o nosso eu, tomando a nossa cruz e marchar com Ele em direção à coroa da justiça. A morte precede a vida. A cruz precede a coroa. A via crucis precede as “ruas de ouro”. A luta precede a vitória. O choro precede as bodas. A expectativa precede a consumação. A militância precede os galardões. Assim é a economia do Reino de Deus. A vida eterna é certa e garantida, mas antes a morte de Cristo em nossa experiência pessoal nos aguarda. Experimentá-la é honrá-Lo e vivê-Lo. Que Assim Seja!!!

Soli Deo Glória!!!

terça-feira, 3 de maio de 2011

Protestantismo e Capitalismo: Análise das Idéias de Max Weber e H.R. Trevor-Roper.

Uma Análise da Origem do Capitalismo e Sua Relação Com o Calvinismo, conforme Max Weber e H.R. Trevor - Roper (Republicação)


POR: IDAURO CAMPOS


ESTE TEXTO FOI PUBLICADO PELA PRIMEIRA VEZ NESTE BLOG EM

09 de ABRIL de 2010 SOB O TÌTULO

"Calvinismo e Capitalismo: Análise das Idéias de Max Weber e H.R. Trevor-Roper".


TAMBÉM POSTADO EM www.artigonal.com.br NO DIA 27 de Abril de 2010.



INTRODUÇÃO

Quais as causas da prosperidade de grande parte dos países da Europa?
Qual a relação entre a religião protestante e o êxito industrial, econômico e social que tais países obtiveram? Há, de fato, esta relação?

Estas são algumas perguntas comumente formuladas pelos teólogos, economistas e sociólogos que se debruçam em análises históricas para tentar explicar o fenômeno do capitalismo em terras européias.

Neste artigo apresentaremos, de forma resumida, duas propostas distintas. A primeira, apresentada por Max Weber que em sua obra, “A Ética Protestante e o espírito do capitalismo”, procura identificar na religião protestante, especialmente o calvinismo, uma íntima relação entre a moral cristã e o progresso econômico. Posteriormente, avaliaremos as proposições de H.R. Trevor - Roper, em sua “Religião, Reforma e Transformação Social”, que pontua outras possibilidades para explicar a relação da prosperidade européia em terras protestantes.

A ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO

De acordo com Max Weber, sociólogo alemão nascido no século XIX, o rigor moral da religião calvinista, que rivalizou com o luteranismo o posto de segmento majoritário do movimento de Reforma Protestante, é o embrião do capitalismo que foi conhecido no mundo. A isto se devem alguns fatores. Em primeiro lugar, Weber enxerga na doutrina da predestinação, um dogma essencial do calvinismo, a base do individualismo típico e necessário ao capitalismo, pois como o indivíduo não deve esperar pela mediação da Igreja para obter o favor de Deus, conforme as postulações da teologia católica, mas, pelo contrário, ele só pode contar com a graça divina, não havendo meios externos de aproximação com a divindade, então, para se assenhorear da certeza da salvação, o homem precisa identificar em si as evidências da eleição, procurando, assim, na atividade profissional, em cumprimento de sua vocação, as mesmas, pois, de acordo com Weber, o êxito profissional seria uma das maneiras distintas de se identificar a própria eleição.

Outro aspecto importante nos argumentos de Max Weber é de que não só a preocupação dos calvinistas era com a própria salvação, embora fosse este, de fato, o seu núcleo dominante, pois o homem medieval era intensamente aflito com a questão do destino eterno de sua alma, mas, além disso, havia também a ênfase reformada na glória de Deus, manifestada por meio da agência dos eleitos no mundo. Destarte, os calvinistas, de acordo com Weber, lançavam-se em seus trabalhos, não só para confirmar o próprio chamado ao Reino de Deus, mas também queriam ver este Reino se estabelecendo sobre o mundo e tal processo somente seria viável mediante a militância engajada dos eleitos. O mundo, então, deveria refletir o Reino de Deus. Os valores do alto deveriam ser impressos na sociedade. Assim, a cultura, a política, a economia, a educação, a família, o trabalho deveriam sinalizar tais valores e é neste contexto de reflexão que o empenho dos calvinistas foi derramado.

À medida que a sociedade se tornasse cada vez mais próspera e justa, Deus, seria exaltado. É a prática do postulado “Soli Deo Glória”, em que os calvinistas compreendiam que tudo o que fazemos, pensamos e ansiamos tem como meta na vida à Glória de Deus. Weber identifica neste item uma força que impulsionava a ética calvinista e que também faz parte do nascedouro do capitalismo.

Em terceiro lugar, Weber Identifica na desconfiança calvinista acerca das emoções e sentimentos humanos outro aspecto que contribuiu para o capitalismo, pois tais subjetividades poderiam produzir um mascaramento da realidade e das prioridades do homem. Portanto, a objetividade racional era fortemente recomendada por Calvino, segundo Weber. Esta austeridade levou a uma inevitável descarga sobre as atividades que fossem objetivas. Tudo que distraísse a atenção deveria ser evitado, pavimentando o fluxo de nossa vida ao empreendedorismo tão valorizado nas potências capitalistas modernas.

Para Weber, o calvinismo foi uma forma criativa de asceticismo, porquanto era uma ascese moral, pois não implicava na retirada do eleito do mundo, conforme o monasticismo católico pontificava. Era uma ascese das preferências e prioridades identificadas e tinham como finalidade a transformação do mundo para a glória de Deus. Diferentemente dos monges medievais que se enclausuravam nos mosteiros para o serviço de Deus, o calvinismo, nas considerações de Max Weber, propunha uma separação não física do mundo, mas sim, e apenas, moral, pois nele (no mundo) serviriam a Deus, afastando-se do que fosse frívolo e desnecessário, mas, ao mesmo tempo, engajado nele, buscando, através do trabalho árduo e sistemático, a sua transformação.

De acordo com o sociólogo alemão, a doutrina da predestinação, a ênfase no mandato cultural para a glória de Deus e a austeridade de vida, compuseram as poderosas forças gravitacionais que agiram sobre o homem a partir do século XVI, contribuindo para a formação de uma nova ordem econômica: o capitalismo. E por quê?

Primeiro, porque o capitalismo enfatiza o self made man, isto é o homem que não depende de ninguém, mas que se faz sozinho. A ênfase na justificação pela fé somente, que vem a nós, somente pela graça soberana de Deus aos predestinados, tornou o homem solitário e único no seu encontro com Deus. Essa responsabilidade individual, não mediada por sacerdotes ou pela igreja, esboça o sentimento de dever que o homem tem para com o seu destino, não dependendo ou esperando por ninguém. O self made man capitalista é o homem que tem o seu destino na mão. Não depende de instituições. Não depende de sua família. Não depende do Estado. Ele é responsável. Sua salvação econômica e social não pode ser mediada. O seu destino e progresso dependerão de seu próprio desempenho, somente. Esta postura capitalista, ou melhor, este espírito capitalista, Max Weber enxergou no protestantismo, especialmente no protestantismo calvinista.

Além disso, a ênfase no trabalho para a glória de Deus deixou como herança ao capitalismo que a atividade profissional, especialmente a comercial, era digna. Tão digna que Deus a recebia como louvor à sua honra. O fruto da atividade comercial, o lucro, tão mal visto por círculos católicos à época (de acordo com alguns comentaristas), foi elevado à categoria de nobre e através de seu ganho a sociedade podia ser mantida. O lucro era a resposta de Deus à vocação bem empenhada. Nada mais justo. Esta dignidade do empreendimento comercial e do lucro seria especialmente válida para a semeadura do capitalismo nas nações protestantes, embora seja contestada a idéia de que Calvino realmente tenha ensinado isso e o próprio Trevor-Roper declara que Max Weber tampouco colocou tal sentença na pena de João Calvino. Mas, apesar de tais contestações, não nos surpreenderia se esta representasse um desdobramento posterior das idéias do reformador de Genebra por parte de alguns.

Finalmente, a austeridade permitiu uma concentração das forças produtivas na livre empresa. Já que as emoções, os sentimentos, as amizades, as festas eram vistas como sendo descontroles, distrações e desperdícios, toda a energia da vida, então, foi canalizada para o trabalho, o único dever real do homem, o que fortaleceu a atividade econômica.

Apesar da lucidez e da atração que as idéias de Max Weber podem exercer, contudo, estão longe de serem consensuais. Há outras idéias e tentativas de responder sobre a origem do capitalismo e se há de fato alguma relação de seu embrião histórico com a Reforma Protestante. É o que veremos mais adiante.


RELIGIÃO, REFORMA E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL


Professor de história da Universidade de Oxford por vinte e três anos, H.R. Trevor-Roper, possui conclusões diferentes acerca da origem do capitalismo nas potencias protestantes. Primeiramente, Trevor-Roper propõe um período diferente do de Weber como marco do capitalismo. O historiador postula alguns problemas que fragiliza as conclusões de Weber, vejamos:

Em primeiro lugar, Trevor-Roper apresenta que empiricamente a tese de Weber não passa no teste, pois nações que se mantiveram na tradição religiosa católica, como é o exemplo da Áustria e da França e que, portanto, não gozavam do mesmo rigor moral e das concepções doutrinárias dos calvinistas que lastrearam o sucesso econômico dos países onde foram beligerantes, contudo, progrediram à semelhança dos países protestantes. Ao mesmo tempo em que nos pergunta o porquê da Escócia, com forte tradição calvinista e recursos naturais generosos, não teve o mesmo ímpeto desenvolvimentista que a anglicana Inglaterra. Para Trevor-Hope, situações como estas são pontuais na hora de avaliar com cautela alguns axiomas propostos por Weber.

Em segundo lugar, Trevor-Roper também aponta para o fato de que nem todos os calvinistas eram rigorosos em sua piedade e nem todos agiam conforme suas crenças, colocando em xeque, então, o depósito moral que Weber alega possuir os calvinistas e que tanto foi primordial no desenvolvimento das potências protestantes. Na verdade, Trevor-Roper indica até mesmo a circulação nas trincheiras morais por parte de alguns calvinistas, haja vista que muitos, mesmo defendendo confessionalmente o calvinismo, ajudaram a financiar causas católicas contra os protestantes e isso por causa do lucro e poder.

Em terceiro lugar, Trevor-Roper também pontua que muitas das nações que abraçaram o calvinismo como expressão da fé cristã protestante não se desenvolveram economicamente por causa de tais crenças, mas sim porque em seus territórios circulavam comerciantes estrangeiros (flamengos) que já eram empreendedores em seu país de origem e uma vez expulsos de sua terra natal, encontraram em países como a Holanda, por exemplo, as circunstâncias necessárias à livre empresa. Hoper faz questão de dizer, inclusive, que as idéias calvinistas sobre economia pouco efeito fizeram sobre os naturais de Escócia, Holanda e Suíça. E, mesmo cem anos após a militância de João Calvino, não se produziu um único grande empresário calvinista em terras suíças.

Trevor-Roper afirma categoricamente que havia fortes movimentos capitalistas antes da Reforma Protestante, especialmente capitaneada por Lisboa, Antuérpia, Milão, só para citar alguns. Tais centros eram economicamente ativos e foram eles que deixaram a herança do capitalismo para o século XVI e não a ética calvinista.

Para Trevor-Roper a confusão começa quando Weber não percebe que o que aconteceu foi tão somente à emigração destes capitalistas para as regiões onde afluíam às idéias protestantes. Eles levaram o conhecimento e as técnicas de mercado para tais lugares, fugindo das perseguições que lhes eram impostas. Na verdade, o que para Weber foi uma contribuição doutrinária e prática do calvinismo, para Trevor-Roper tudo não passou de contingência histórica, pois tais empreendedores aportaram em bolsões calvinistas, mas, independentemente de onde estivessem, levariam seus conhecimentos de mercado a efeito, até mesmo para lhes garantir a sobrevivência, possibilitando assim o progresso econômico de qualquer maneira. Destarte, para Trevor-Roper, o calvinismo levou a fama, sem merecer, de padrinho do capitalismo nas proposições de Max Weber.

Trevor-Roper é conclusivo ao afirmar que perseguições praticadas por autoridades católicas contra alguns poderosos homens de negócios na Europa que compartilhavam das idéias do humanista Erasmo de Roterdã, o que atraiu o ódio da Igreja Católica, foi o que forçou tais empresários a fugir para ambientes mais seguros, geralmente em países protestantes, sendo este, enfim, o evento catalisador para o florescimento do capitalismo em domínios calvinistas.


CONCLUSÃO


Nossa proposta foi à abordagem resumida de duas proposições distintas que explicam a origem do capitalismo e qual a relação deste com a Reforma Protestante. Avanços no intuito de chegar a conclusões mais aprofundadas serão necessários em investigações posteriores. O assunto é rico. O contexto histórico situado é amplo. O tema é instigante. Outros autores precisarão ser convocados à contribuição. De uma maneira ou de outra, mesmo que não sejam satisfatórias, as possíveis respostas nos ajudarão a chegar, pelo menos, mais perto das perguntas abaixo:
Protestantismo e Capitalismo são irmãos? Seus encontros históricos foram meramente acidentais? Um deriva do outro? Ou são gêmeos? Eis uma boa assertiva para um futuro próximo.

Soli Deo Glória!!!




REFERÊNCIAS


TREVOR-ROPER, H. R. Religião, Reforma e Transformação Social. Lisboa: Editorial Presença/ Martins Fontes, 1972.

WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Martin Claret. 4ª ed, 2001.