terça-feira, 5 de outubro de 2010

Mateus 16.18 - A Petra Ecclesiae

POR: Idauro Campos

Introdução:

Um dos temas de maior discussão dentro da Cristandade é o significado das palavras do Senhor Jesus Cristo, quando declara “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do hades não prevalecerão contra ela”1. Qual o significado desta sentença? O que o Senhor estava dizendo a Pedro e também aos discípulos? Há alguma liderança apostólica que Pedro deve exercer sobre os demais discípulos e também sobre a igreja que em breve surgiria? São perguntas difíceis de responder, haja vista a variedade de conclusões que segmentos do catolicismo e protestantismo2 tem apresentado ao longo dos séculos. Nosso objetivo neste trabalho não é conclusivo, mas descritivo, isto é, apresentaremos algumas das principais idéias que cercam o texto e deixaremos que cada leitor do mesmo encontre um caminho que o leve a uma conclusão.


2 - O Contexto:

Jesus estava com os seus discípulos em Cesaréia de Filipe, cidade ao pé do monte Hermon, próxima à fonte principal do rio Jordão. Mateus apresenta o ministério de Jesus em uma tríplice sequência geográfica, a saber, ministério na Galiléia (onde se encontrava na ocasião da passagem de Mateus 16.18)3; ministério na Judéia4 e ministério em Jerusalém5. O Senhor estava terminando a primeira fase de seu ministério, onde a ênfase fora à pregação pública na Galiléia e começara a cuidadosa instrução para com seus discípulos acerca de sua morte e ressurreição e de sua messianidade6. É justamente neste contexto em que declara pela primeira vez sua paixão7. Além disso, dentro de mais alguns dias, Jesus será confirmado diante dos olhos de Pedro, Tiago e João, em um monte, como a convergência da Lei e dos Profetas, sendo Ele a palavra final de Deus aos homens8. Portanto, era um momento especial em que Jesus se encontrava. A primeira fase de seu ministério estava por terminar; sua paixão seria anunciada pela primeira vez e sua preeminência seria anunciada pelo Pai. Todo esse cenário contribui para que entendamos a relevância da pergunta que Jesus fizera, da resposta proferida por Pedro e da réplica de Jesus.

Antes de analisarmos as palavras de Jesus sobre Pedro, é mister entender a pergunta que Jesus fez aos seus discípulos. Quem dizem os homens ser o Filho do homem?9 O povo de modo geral não aceitava Jesus de Nazaré como o messias há tanto esperado. O tinham em alta conta, a evidência está na comparação que fazem dele com ícones históricos da religião judaica, tais como Elias, Jeremias, o próprio João Batista e até outros profetas10, mas as expectativas quanto ao ministério de Jesus pararam aí. Não o consideravam como o libertador do povo, pois até aquele momento os elos entre o que viam em Jesus e o conceito messiânico que possuíam então, segundo eles, não foram demonstrados.

A resposta variada confirmou a suspeita de Jesus quanto à incompreensão de sua pessoa e obra, e, uma vez que seu ministério caminhava para a fase mais complexa e terminal, era importante que seus discípulos, pelo menos, discernissem quem Ele era.

Jesus não era João Batista ressuscitado dos mortos. Por mais que houvesse semelhança em seus ministérios, Jesus o transcendeu. Havia, claro, pontos em acordo, tais como ambos sendo filhos da sabedoria divina e com papéis fundamentais na obra de salvação dos pecadores, mas, como R.G.V. Tasker declara, a diferença entre os dois “era muito maior”, pois João poderia preparar os corações para receber o Reino de Deus, mas não tinha nenhum poder para capacitá-los ao mesmo11. Destarte, Tasker também aponta que havia semelhanças entre Jesus e Elias. Ambos eram homens de oração e de realização de obras sobrenaturais, mas, também, nos lembra o comentarista, há distinções entre os dois, porquanto o ministério do profeta do Antigo Testamento fora marcado pela força física e pelo derramamento de sangue de outros, enquanto Jesus oferece o seu próprio sangue12 e luta para conquistar os homens em seus corações. Ainda, Tasker observa as comparações entre Jesus com Jeremias, afinal, este, entre todos os profetas do AT, é o que mais se aproxima de Jesus em virtude de sua paciência, resistência e sofrimento imerecido, mas, a despeito de suas características, Jeremias apenas prenunciou a nova aliança, não tendo nenhum poder para trazê-la à existência.13.

Além destas comparações, há também o aspecto de que no século primeiro em Israel acreditava-se fortemente na idéia de que aparecimento do Messias seria precedido por algum grande profeta do passado. O fato de Elias, de acordo com as Escrituras Sagradas, não ter morrido fortalecia a expectativa de um súbito aparecimento deste importante profeta14. Mesmo entre profetas cuja morte fora historiada e reconhecida, como, por exemplo, a de João Batista15, muitos criam que os mesmos poderiam ressuscitar16. Russel Normam Champlin, em seu comentário do texto do Evangelho de Mateus, afirma que “provavelmente (...) alguns herodianos pensavam assim”17, isto é, acreditavam, de acordo com a confissão de Herodes ( Mt 14.1), de que João Batista realmente ressuscitara. Além disso, os evangelhos ressaltam, portanto, a crença que alguns homens tinham no ressurgimento dos antigos profetas18.

Portanto, ao responder “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”19, Pedro demonstra saber quem é realmente o Senhor, ainda que, como o próprio Senhor lhe dissera, tal conhecimento possuía origem divina.20 Para Pedro, a despeito das inegáveis comparações entre Jesus e os profetas, Jesus era singular. Não era apenas um profeta. Ele era O Filho do Deus Vivo. O Cristo. O Messias.



3 - A Confissão no Contexto do Evangelho de Mateus

Precisamos entender, antes de analisarmos os significados da declaração de Jesus sobre Pedro, a confissão do apóstolo dentro do escopo do “primeiro” evangelho. Diferentemente de Marcos e Lucas que apresentam sentenças curtas da confissão21, Mateus é um pouco mais extenso em seu registro da declaração de Pedro. Há, inclusive, teses de que a frase, como exposta em Mateus, é uma “expansão teológica da expressão mais simples e histórica de Marcos 8.29”22 .

Mateus, como todo autor, tem propósitos nítidos a alcançar quando propõe sua narrativa sobre a vida e a obra de Jesus. R. N. Champlin, destaca alguns:23

1 – Indicar que o cristianismo é uma graduação acima do judaísmo;

2 – Jesus é o novo Moisés;

3 – Declarar que Jesus é o Messias e Salvador

4 – Apresentar o “ideal Reino dos Céus”;

Destarte, podemos conjecturar que Mateus, tendo em vista seus propósitos, destaca as palavras de Pedro, sobre a filiação de Jesus (o único evangelista que a faz na narrativa da confissão), em decorrência de sua intenção de mostrar a comunidade judaica, seu público alvo, que Jesus de Nazaré não era apenas um servo de Deus ungido, mas o próprio Filho de Deus, profetizado no Antigo Testamento24. Os artigos definidos que precedem os títulos “Cristo” e “Filho do Deus Vivo”, indicam, provavelmente, uma distinção qualitativa. Usando as palavras de Champlin, “evidentemente o propósito do autor é distinguir Jesus de qualquer outro que pudesse ser chamado Cristo ou ungido, de qualquer outro que pudesse ser chamado de filho de Deus; e também, que o Deus vivo, é o Deus de Israel” 25.

Além disso, Ralph Earle, cita em seu comentário sobre Mateus 16. 16, que a afirmação de Pedro, no primeiro Evangelho, “não só vê em Jesus o prometido Messias, como reconhece, no próprio Messias, a sua natureza divina”26 . A violenta rejeição dos judeus à pessoa de Jesus não ocorreu em função da sua reivindicação messiânica, mas sim em razão de sua “pretensão à divindade’, conforme Mateus 26.64-65, parece indicar27. Antes mesmo deste episódio, o reconhecimento de que Jesus era” Filho de Deus “já acontecera28. Conforme Champlin nos diz, “ não há razão para supormos que a confissão original de Pedro e dos apóstolos em geral não tivesse essa designação“29, isto é, de que Jesus é o Filho de Deus.

Mateus, com sua ênfase em identificar Jesus como o Rei messiânico, da linhagem de Davi, aguardado pela nação de Israel e anunciado pelos profetas30, destaca, então, a designação proferida por Pedro. Para Mateus, a relação do reinado com o messianismo é estreita. Ou seja, o Rei aguardado não será apenas mais um na monarquia de Israel, assim como o Messias, não será apenas mais um ungido, como outros na história da nação, mas haverá, ao invés disso, uma convergência, pois o Rei e o Messias se encontram e se completam em Jesus de Nazaré. Ele é o Ungido Filho de Deus. O Messias Rei. Com essa teologia em mente, podemos entender o destaque dado por Mateus às palavras de Pedro em sua confissão do Cristo.




4 - O Primado de Pedro:


sy eî Pétros, Kaì epì taúte(i) tê(i) pétra(i) oikodoméso mou tèn ekklesían, Kaì pýlai há(i)dou ou katischýsousin autês.

Tu és Pedro, sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do hades não prevalecerão contra ela;



O que Jesus quis dizer com tais palavras? Seria Pedro a pedra sobre a qual a igreja está edificada? A confissão de Pedro de que Jesus é o Cristo e o Filho do Deus vivo é a rocha em questão, pois toda a cristandade declara que Jesus é o Messias e Filho de Deus? Seria, ao invés das afirmações acima expostas, a fé que Pedro demonstrou em Jesus, porquanto o povo não cria em sua obra de redenção? Ou, então, seria Pedro o representante dos apóstolos, uma vez que é ele quem prega o primeiro sermão evangelístico da história, originado assim a igreja31, é quem discerne, interpreta e explica o evento de Pentecoste32 e também quem presencia o primeiro gentio a ingressar à fé cristã33? Ou seria o próprio Senhor Jesus Cristo a pedra em questão? Ou, ainda, seria a revelação recebida por Pedro diretamente de Deus34? Algumas propostas tem sido apresentadas ao longo dos anos, vejamos três delas:


4.1 – Pedro: a Pedra da Igreja:


A primeira interpretação que daremos atenção neste trabalho é a posição historicamente ligada a Igreja Católica Apostólica Romana, embora haja, em número reduzido, protestantes que também concordem com ela, “com alguma variação de interpretação”, é claro35. De acordo com vários intérpretes, quando Cristo pronunciou suas famosas palavras em Mateus 16.18, o que Ele estava propondo é de que Pedro seria a rocha de sustentação na qual a igreja seria ao longo dos anos erguida. Para tal defesa, os teólogos católicos convocam outras passagens do Novo Testamento, onde aparece Pedro tendo, de alguma maneira, uma espécie de primazia sobre os demais apóstolos. Como escreveu um articulista católico, “dentre os textos do S. Evangelho, vários há que atribuem a Pedro uma posição privilegiada, ao passo que três lhe outorgam autêntico primado de jurisdição; por fim outras passagens indicam o exercício dessa preeminência por parte do Apóstolo”36. Ou seja, em passagens como a da ressurreição da filha de Jairo37, no monte da transfiguração38 e no horto das oliveiras39, somente aparecem acompanhando Jesus apenas três dos seus discípulos ( Pedro, Tiago e João), sendo que dos três é Pedro quem sempre é citado primeiro. Mesmo quando os outros discípulos são mencionados a primazia na sequência pertence a Pedro40, o que de acordo com a teologia católica, indica uma dignidade distinta que o Senhor conferiu a Pedro e que é evidenciada em importantes trechos dos evangelhos41.

O primado de Pedro também é visto em passagens das Escrituras Sagradas em que o próprio apóstolo fala pelos demais discípulos42, exteriorizando assim sua consciência do papel de liderança que tinha no colégio da fé cristã43, não sendo nunca interpelado por qualquer um deles. Augusto nos lembra, que quando os filhos de Zebedeu desejaram, com pedidos de sua mãe, a preeminência no Reino de Deus44, os demais dez se indignaram45, o que não acontecia quando Pedro recebia destaque da parte de Jesus46.

Olhando para as passagens supracitadas teólogos católicos entendem que Mateus 16.18 está tratando de uma missão especial que o Senhor Jesus Cristo estava outorgando a Pedro. O apóstolo seria o fundamento da igreja. Portanto, podemos concluir este primeiro ponto afirmando que boa parte das asseverações do primado de Pedro, de acordo com alguns círculos, tem sido mais um exercício teológico, usando a quarta regra da hermenêutica, do que propriamente de uma exegese.

4.2 – A Confissão: A Pedra da Igreja

Irênio Silveira Chaves, mestre em filosofia e especialista em Novo Testamento, escreveu:

“Aquela confissão de Pedro acerca de quem era Jesus tem servido como base para que Deus realize um projeto maior para a salvação do todo homem. E a igreja de Jesus é hoje o conjunto daqueles que concordam com a afirmação de Pedro e professam a fé em Jesus Cristo, aquele que foi enviado por Deus para dar a sua vida em resgate dos perdidos, como fim de ser Senhor”47.

Esta é uma das interpretações preferidas entre segmentos protestantes. A confissão de Pedro seria, então, a rocha onde toda a igreja é sustentada. Ou seja, todos os que concordam e fazem a mesma confissão que Jesus é o Cristo e o Filho do Deus vivo estão alicerçados e seguros, pois o que garante a salvação aos homens e a entrada no Reino dos céus é justamente a aceitação desta verdade. Esta parece ter sido a posição de Agostinho de Hipona, pelo menos na fase final de sua vida, vejamos:

“E eu te digo…” Tu és Pedro, Rochoso, e sobre esta pedra eu edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Dar-te-ei as chaves do reino dos céus. O que ligares na terra será ligado também nos céus; o que desligares na terra será desligado nos céus' (Mateus 16:15-19). Em Pedro, Rochoso, nós vemos nossa atenção atraída para a pedra. Agora, o apóstolo Paulo diz sobre o povo, ‘Eles bebiam da pedra espiritual que os acompanhava; e a pedra era Cristo' (1 Coríntios 10:4). Assim, este discípulo é chamado Rochoso à partir da pedra, como Cristão à partir de Cristo. Por que eu quis fazer esta pequena introdução? Para te sugerir que em Pedro a Igreja é para ser reconhecida. Cristo, você vê, construiu sua Igreja não sobre um homem, mas sobre a confissão de Pedro. Qual é a confissão de Pedro? ‘Tu és Cristo, o Filho do Deus vivo'. Lá está a pedra para você, lá está a fundação, lá está onde a Igreja tem sido construída, sobre a qual as portas do inferno não podem prevalecer”48.

Vejamos também o que escreve o Profº Waldyr Carvalho Luz, erudito do grego, ao comentar Mateus 16.18:


No grego: sy eî Pétros. Onde a ênfase? No pronome? No verbo? No predicado? Se no pronome, conferia Jesus dignidade especial ao apóstolo, autoridade única, superioridade, pretenso primado. No contexto, nada autoriza esta interpretação. Se no verbo, cabe indagar: deve ser tomado no sentido ontológico, existencial, ou simplesmente ligacional, como forma de predicação? Aquela acepção não parece relevante, nem apropriada, logo, é meramente expletivo, relacional. Se no predicado, há que perguntar-se: é o apelativo onomástico, o nome ou apelido designativo da pessoa, ou o sentido implicitado nesse nome, que Jesus lhe atribuiu desde sua chamada, que lhe passou a ser o “título” reconhecido? Dada a conexão com a clausula imediata, a segunda destas acepções é que parece preferível. Jesus ressaltava a firmeza de caráter, o vigor da personalidade, a férrea natureza da vontade, a intrépida dedicação, agora galvanizados pela revelação divina (v.17), que o constituía a primeira pedra-assente do edifício da igreja, basilada na fé em Jesus. Nesse caso, não é propriamente o Pedro-pessoa, mas o Pedro-confessante, não a individualidade distinta, mas a relação vital com o Senhor da igreja, não a pessoa, mas sua qualidade, não a autoridade, mas a convicção. Que a prerrogativa de “atar” (ou “ligar”) e “desatar” (ou “desligar”) e o poder das “chaves” (v.19), simbólicos da autoridade arbitral que o rabino conferia ao discípulo ao concluir este o seu aprendizado, aliás, condicionados pelo tempo verbal (futuro perfeito perifrástico), não eram exclusividade de Pedro, prova-o o verso 18, do capítulo 18 deste mesmo evangelho, em que o privilégio ligacional/desligacional é conferido a todo Colégio Apostólico, como se vê dos próprios verbos, os mesmos deste texto, além do pronome hymîn — a vós, na 2ª pessoa plural"49.


De acordo com a exegese proposta por Waldyr Carvalho Luz, o destaque recai não sobre Pedro, mas sim sobre sua confissão, pois é a mesma que o relaciona com o Senhor da Igreja que é quem se incumbi de edificá-la, portanto, os que mantêm a mesma relação vital e confessional com o Senhor da grei será nela mantido e edificado e em condições de vencer os apelos e poderes do hades.

Um detalhe que fortalece esta interpretação, embora não haja total concordância mesmo dentro do protestantismo, é o emprego de duas expressões que possuem conotações distintas. No texto de Mateus aparecem duas palavras diferentes: Pétros e Pétra (Pedro e Pedra). Jesus falava em Aramaico, de forma que a palavra “Kephá” (Cefas), empregada por ele na passagem, não indicava nenhuma distinção, visto não ser possível à mesma em Aramaico. Entretanto, Mateus, ao redigir sua narrativa e escrevendo em grego, percebe a diferença pretendida por Jesus e emprega dois vocábulos, sendo que o primeiro refere-se a “fragmento”, “pedrinha”, parte de uma rocha maciça. O segundo termo, Pétra, que no grego indica uma rocha. Destarte, Pedro seria apenas um componente da rocha e não a própria pedra que sustenta todo o edifício da fé. Como o próprio Waldyr Carvalho Luz afirma, “Lingüisticamente, pétros é um fragmento, pedaço, porção da pétra, a rocha, a massa pétrea, a sólida e extensa laje, na metáfora de Jesus, de que Pedro seria parte. Linguagem figurada, qual o verdadeiro sentido de pétra?”50.

O argumento acima também é utilizado por círculos protestantes para afirmar que a Pedra é Jesus, todavia, setores importantes da teologia protestante não concordam que tenha sido esta a intenção de Jesus no contexto desta passagem, preferindo a Confissão de Pedro como a solução mais plausível.



4.3 - Pedro: Petra Ecclesiae

Uma terceira proposta que possui relativo prestígio na interpretação de Mateus 16.18 é esta que afirma que a Pedra é realmente Pedro, mas como, e somente assim, representante dos apóstolos e junto com os apóstolos. Jesus no contexto da passagem diz que edificará (oikodoméso), expressão empregada em construções. No caso, é a “construção” do edifício espiritual, a igreja (ekklesían). Esta “ekklesían” , como em todo edifício, precisaria de pedras fundamentais que garantissem sua edificação. Estas pedras seriam os apóstolos (e não somente Pedro) e também os profetas51. Destarte, Pedro, por sua fé firme e forte e por sua inspirada confissão é o primeiro dos fundamentos, dos quais também são participantes os demais apóstolos52. Sobre isso, os comentaristas da Bíblia de Estudo de Genebra declaram:

“Não fosse pelo abuso desta passagem pela Igreja Católico-Romana, é pouco provável que qualquer dúvida fosse levantada de que a referência é a Pedro. Mas a pedra fundamental é Pedro como representante dos apóstolos (...) e cuja confissão a respeito de Cristo lhe foi revelada pelo Pai. Como Pedro mesmo declara posteriormente (1 Pe 2.4-8), todos os crentes se tornaram ‘ pedras vivas’ por causa da associação deles com Cristo e com os apóstolos, como o fundamento da igreja ( Ef. 2.20-21;Ap 21.14)”53.

Peter Schaff, citado por Champlin, diz que:

“Pedro (representando os outros apóstolos), tendo confiado em Cristo e tendo-o confessado (devido a isso), é a petra ecclesiae. As outras idéias parecem ter sido criadas especialmente para evitar a interpretação mitológica da igreja romana, que tira do texto doutrinas que não se desenvolveram senão alguns séculos após ter sido feita a declaração simples deste texto. Entretanto, não é necessário que se criem interpretações errôneas para evitar outras errôneas. Ainda que este texto cite Pedro como pedra Fundamental da igreja, não ensina coisa alguma que não possa ser encontrada em outros textos bíblicos”54.


Na sequência, Champlin escreve:

“De conformidade com a leitura simples do texto, é melhor aceitarmos a interpretação natural, entendendo aqui que Pedro é a ‘pedra’ (...) Dificilmente o texto tem bom sentido se apresentarmos outra interpretação. Facilmente Jesus poderia ter ensinado que Pedro é a pedra fundamental da igreja, evitando chamá-lo de ‘petros’; a referência como existe perde todo o sentido se não se entender que Pedro seria a pedra fundamental da igreja É verdade que no original grego há um jogo de palavras com esses vocábulos, mas o sentido seria mais ou menos como esta paráfrase: ‘ Tu és uma pedra, um pequeno e insignificante fragmento, mas eu mostrarei que grande coisa posso fazer de ti. Tu serás uma rocha maciça, rocha fundamental na minha igreja, que brevemente começarei edificar’55.


Pedro, em Atos 2.14-41, protagoniza o surgimento da igreja e sob a instrumentalidade do apóstolo, o Espírito Santo agregou mais de três mil pessoas. É o discurso de Pedro que abre as portas do Reino dos céus, sendo este, então, o marco zero, o porto de partida, o início da construção do edifício espiritual que mais adiante seria chamado de igreja. As três mil almas que se converteram tinham como referência e alicerce a pregação de Pedro. É provável que tais idéias estejam presentes na declaração de Jesus.

Alford, também citado por Champlin, diz que:

“Pedro foi a primeira daquelas pedras fundamentais (Ef 2.20 e Ap 21.14) sobre as quais foi edificado o templo vivo de Deus; esse mesmo edifício teve começo no dia de Pentecoste, pela colocação de três mil pedras vivas sobre esse alicerce”56.


Conclusão


Waldyr Carvalho Luz sintetizou bem as dificuldades quanto à narrativa da confissão de Pedro quando disse que:

“Nenhum outro texto bíblico, tem dado ensejo a tantas e tão variadas interpretações, motivo de polêmicas e ilações improcedentes e absurdas. Encrava-se ela no contexto dessa preciosa perícope que se estende do verso 13 ao 20, e deve ser entendida à luz das circunstâncias do momento e em termos do propósito visado pelo Senhor Jesus”57.


Há muito a dizer acerca desta importante passagem da confissão e primado de Pedro. Em face da objetividade da proposta de analisar apenas a primeira parte do versículo 18, as demais situações presentes e implicadas na narrativa serão refletidas em posteriores oportunidades. Como foi dito na introdução deste comentário, nossa proposta não foi conclusiva, mas sim descritiva, apresentando algumas variações no que sem tem afirmado sobre os objetivos do Senhor Jesus Cristo ao proferir a sua sentença sobre Pedro e anunciar a sua missão no mundo. Assim, o debate continua.

Soli Deo Glória!!!


REFERÊNCIAS

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2 comentários:

  1. Prezados Idauro e Charles,
    Glória a Deus por esse estudo didático e esclarecedor que o Espírito Santo lhes inspirou a escrever e publicar. Ajudou-me muito a entender as interpretações acerca dessa passagem bíblica tão importante de Mateus 16.18.

    Que vocês continuem produzindo frutos benignos como esses para os propósitos do Senhor Jesus, pedra angular da Igreja e nosso único Salvador e intercessor perante o Pai.

    Abraços!

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