Por: Eduardo Rosa Pedreira
“Não resta dúvida: o cerne da espiritualidade cristã está em seguir a Jesus.”
No princípio, era o seguidor! Jesus irrompia inesperadamente e dizia: “Segue-me, venha após a mim”. A resposta positiva exigia uma ruptura com a maneira de viver até aquele momento do que aceitava o convite. A vida deveria ser reorganizada. O centro era o mestre e o caminho apontado por ele. Quem aceitava tal convite nos seus termos tornava-se um discípulo. Também, no princípio, existia o simpatizante: aquele que se emocionava com as palavras do Cristo, achava fantásticos os seus milagres, impressionava-se com a originalidade de suas atitudes, nutria enorme curiosidade por encontrá-lo – mas não colocava o pé no caminho. Simpatizava até o ponto de não precisar mudar seu estilo de vida. Tinha admiração, mas não estava interessado na transformação resultante da formação espiritual à qual todos os discípulos viveriam quando resolvessem caminhar o caminho proposto pelo Filho de Deus.
Ainda no princípio, havia o consumidor. Este sequer tinha tempo de ouvir o Senhor; desejava, isso sim, comer o pão e o peixe multiplicados, ansiava pela cura da perna atrofiada, somente tinha interesse em ser restaurado da lepra... Uma vez alcançada a graça, nem sequer lembrava de retornar para agradecer. O discípulo seguia Jesus porque o admirava; o simpatizante admirava sem o seguir, e o consumidor nem seguia e nem admirava, posto que Jesus era apenas um provedor de suas necessidades, e não alguém a apontar-lhe um caminho transformador.
Jesus conviveu indistinta e graciosamente com estes três grupos dentro da multidão que gravitava ao seu redor. Nunca se negou a oferecer caminho aos seguidores, admiração aos simpatizantes e provisão aos consumidores. Todavia, o rabi sabia que os discípulos eram os protagonistas para cumprir sua missão no mundo. Certamente, ele não contava com simpatizantes e consumidores para o estabelecimento do Reino de Deus. Estava certo, como sempre! Nos duzentos anos que se seguiram à sua morte, o pequeno e frágil grupo inicial de discípulos, apaixonado por sua missão, se espalhou por todo Império Romano. Eles haviam sido convocados pessoalmente para seguir um caminho; colocaram o pé na estrada e saíram pelas vilas e cidades com a mesma convocação com que foram convocados: sigamos o seu caminho. Quanto aos simpatizantes e consumidores, não se sabe o que aconteceu com eles. Afinal, quem fez a história foram os discípulos.
Não resta dúvida: o cerne da espiritualidade cristã está em seguir a Jesus. Quando decidimos conscientemente seguir o seu caminho, então a espiritualidade cristã começa a fluir em nós. O Pai, pelo seu Espírito, vai nos transformando na imagem de seu Filho à medida que damos os passos no caminho. Fora do seguimento, não há espiritualidade. Todos nós estamos necessitados de retornar à experiência original dos primeiros discípulos. Sim, nossa carência essencial está em “ver” Jesus de novo surgir em meio à nossa complexa e agitada vida, cheia de cansaço e dores, e sussurrar com ternura e vigor ao nosso coração: “Vem e segue-me!” Quando ele irromper no nosso cotidiano, como aconteceu com os pescadores da Galiléia ou com o coletor de impostos da Judéia, com aquele sedutor olhar a nos convidar a seguir o seu caminho, e largarmos as redes ou a segurança da coletoria, aceitando seu convite, então, experimentaremos real comunhão com o Deus trinitário. Longe do caminho do Filho, não seremos capazes de enxergar a face do Pai e tampouco vivenciar a presença do Espírito. De fato, no cristianismo bíblico, espiritualidade é um mero sinônimo de seguimento.
Se as nossas orações, liturgias, louvores, corais, células, congressos e mensagens não apontam o caminho do Senhor e não convocam o mundo para segui-lo, então, tudo isso pode até ser espiritualidade, mas não é cristã. Se nossas igrejas se tornam fontes de atração para consumidores e admiradores, ao invés de espaços comunitários formadores de discípulos, tenhamos consciência: todos devem ser tratados com graça e amor, como Jesus fez, mas só cumpriremos sua missão no mundo sendo e formando seguidores.
Não deveríamos, mas, infelizmente, estamos hoje diante de uma encruzilhada, que por natureza é o entroncamento de dois caminhos. Entrar por um é necessariamente excluir o outro. Ou escolhemos a espiritualidade do entretenimento, que produz simpatizantes e consumidores, ou optamos pela espiritualidade do seguimento, a que gera discípulos. Tenhamos, contudo, uma certeza – desde sempre, Jesus já fez a sua escolha. Basta, apenas, que o imitemos nela.
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
A Espiritualidade no Evangelicalismo Brasileiro: Conceitos, Características e Consequências
POR: Idauro Campos
INTRODUÇÃO
O Evangelicalismo brasileiro é dicotômico no que tange a realidade, pois, por um lado, a discerne como sendo divina, sacra e, portanto, espiritual, mas também identifica uma outra dimensão secular, mundana e profana. Esta visão bipartida da realidade, estranha ao ensino das Escrituras Sagradas e à Teologia Reformada, da qual o evangelicalismo é herdeiro, é responsável pelos contornos em que o conceito de espiritualidade ganhou no Brasil evangélico de hoje. Podemos afirmar que a espiritualidade evangélica brasileira é mística, introspectiva e alienante, e nossa proposta, neste ensaio, é tentar entender o porquê de tais matizes, quais os seus efeitos e de que maneira pode-se discutir uma solução.
Uma Espiritualidade Mística
Entendendo como Francis Schaeffer, que a “verdadeira espiritualidade” reside na fé cristã e que esta, por sua vez, à luz das Escrituras Sagradas, especialmente o Novo Testamento, é um dom de Deus oferecido gratuitamente aos que foram “chamados para fora”, para a exercerem e a manifestarem na sociedade em que estamos inseridos, a igreja, como despenseira desta espiritualidade, tem, portanto, a missão de compartilhá-la através do Kerigma e da ação do cristão em prol da transformação do mundo, objetivando com isto a glória de Deus. Este foi o discernimento que os reformadores como Lutero, Calvino, Melanchton, Zwinglio e outros tiveram. Para os mesmos a espiritualidade era vivida no âmbito da fé (subjetividade) e da ação (objetividade).
No Brasil, o evangelicalismo, especialmente por influência do pentecostalismo e o neopentecostalismo, separou estes conceitos de tal forma que transformou a fé e, portanto, a espiritualidade cristã em algo meramente subjetivo, abstrato, sobrenatural e, logo, místico. Com esta ênfase em uma espiritualidade subjetiva houve a valorização do culto místico, marcado pela ênfase no sobrenatural. Tal conceito é muito valorizado no atual cenário evangélico brasileiro, onde há uma predominância numérica de comunidades de fé de cunho carismático. Ser espiritual, neste contexto é ter experiências sobrenaturais. O que deveria, portanto, ser extraordinário, uma experiência possível, porém incomum à ordem do dia, virou um padrão de normalidade. Tais experiências se tornaram, na prática, uma necessidade e um termômetro do culto e da vida cristã. A realidade natural, a sociedade, o trabalho, os deveres e direitos são vistos como algo de importância menor, pois fazem parte do que é “objetivo”, não devendo, portanto, serem considerados como prioritários.
É bom que se diga que há, na vivência da espiritualidade cristã, um lugar saudável para as experiências pneumáticas. O cristão é alguém que se relaciona com o Espírito Santo e é, por Ele visitado, curado, consolado, orientado e edificado. A questão aqui não é negar as operações reais do Espírito Santo, mas sim avaliar criticamente a insistência de muitos círculos em colocar o sobrenatural como a porta de entrada e balizador da espiritualidade genudeína. Entendemos que tal interpretação prejudica a saúde da fé bíblica, pois confunde o extraordinário com o ordinário, o milagre com o que é comum e o que é apenas possível com o que é fundamental e necessário.
Na espiritualidade mística, tudo o que é objetivo é visto com desconfiança, assim há pouco lugar para o racional. Destarte, a teologia não recebe a devida atenção, e, na prática, a própria Palavra só é aceita quando "toca" o emocional do indivíduo, pois para este o que importa é se a mesma lhe traz alívio. A doutrina torna-se secundária. A questão não é mais conhecer a verdade, mas sim obter dela benefícios. Se a verdade não traz alívio e não torna o indivíduo mais feliz, esta não o interessa.
Podemos afirmar, então, que o misticismo é uma das principais características da espiritualidade contemporânea. Ser cristão não é mais questão de entender as verdades cristãs e logo aceitá-las como padrão de espiritualidade. Ser cristão virou uma experiência subjetiva. Não mais importa o que se crer, mas sim o que se experimenta de Deus.
Uma Espiritualidade Introspectiva
Um outro aspecto do evangelicalismo brasileiro é a sua introspecção. A espiritualidade ao invés de externada naturalmente nas ações coletivas e, principalmente na visão de mundo, é, na verdade, guardada no íntimo e só refletida, quando muito nas investidas evangelísticas. Desta forma, o indivíduo consegue ser cristão, a despeito de ser um péssimo patrão, pois entende que a fé é um expediente circunscrito ao íntimo e pessoal. O empresário levanta suas mãos em adoração no culto dominical e com as mesmas, durante a semana, frauda, sonega e rouba. O empregado negligencia as horas que deve à empresa, sem nenhum prejuízo à consciência. O estudante cola e trapaceia, mas no domingo participará do coral na igreja. O ministro do Evangelho consegue se impor semanalmente no púlpito de sua congregação mesmo quando todos conhecem os fracassos de suas relações interpessoais. Nesta postura introspectiva, a ética passiva é vista como virtude, mesmo que isto lhe custe à consciência da omissão frente à verdade, à justiça e ao que é reto e digno. Assim, conseguimos adorar mesmo quando sabemos que perto de nós um irmão sofre com a perda de um ente querido, ou porque não sabe como fará para pagar as contas que já venceram. A igreja vira um lugar onde vou buscar “a minha bênção” e não um lugar de compartilhar alegrias, frustrações, pão, atenção e orações. O bem do outro é visto como algo que ele deve conseguir com seus próprios esforços e fé. Se não consegue é porque é fraco, sem fé, inconstante e não perseverante. A espiritualidade evangélica não é koinônica, mas verticalizada. A espiritualidade, assim, torna-se um aspecto da vida e não a própria vida. Não é “massa do próprio sangue”, mas está confinada a uma área restrita e que só é acionada quando a ocasião se fizer necessária.
Em uma espiritualidade introspectiva a moral cristã toma outros contornos. Há pouca ênfase no protesto, mas sim na resignação. A luta social é confundida com militância partidária e agito perigoso. A crítica, inclusive a religiosa, com insubmissão. E assim manutenção do “status quo” é estimulada.
Uma espiritualidade introspectiva torna o evangelicalismo pouco relevante para o seu contexto social, pois é incapaz de dialogar sobre as grandes questões que afligem a sociedade. Dietrich Bonhoeffer, em sua obra, “Ética”, declara que há “soluções cristãs para problemas seculares”, não significando com esta afirmação que a igreja possui uma agenda para equacionar todos os dramas da sociedade, mas sim que a igreja tem algo a dizer sobre os mesmos. No entanto, tal resposta só é oferecida quando a igreja deixa de ser introspectiva e resolve a “marchar com as multidões”. Uma espiritualidade autêntica, de acordo com o exemplo dos crentes primitivos e do próprio Senhor é vivida na horizontalidade, onde os que se cercam interagem entre si, onde a comunhão e o discipulado formam modelos de conduta e caráter. A fé, é verdade, continuará a brotar do íntimo do ser, mas se exteriorizando, encarnando e transformando uma sociedade. Um cristão que opta na introspecção de sua espiritualidade, é um mosteiro ambulante, anacrônico, inadequado, anti-bíblico, e, portanto, irrelevante no e para o seu tempo e geração.
Uma Espiritualidade Alienante
O Reverendo Manuel Bernardino de Santa Filho, ministro congregacional e reitor do Seminário Teológico Congregacional do Rio de Janeiro, em uma palestra ministrada para professores de escola dominical, apontou o “Soteriocentrismo” como uma das causas do pouco envolvimento dos crentes com os desafios do mundo contemporâneo. Ou seja, já que marchamos para o céu, por que se preocupar com este mundo? Se este “jaz no maligno” por que devo me envolver, importar e cansar por ele? Esta atitude (de fuga) da realidade é ao mesmo tempo uma cultura de gueto, gueto evangélico. Temos nossas próprias roupas, lugares de lazer, nossas próprias músicas e até uma forma peculiar de falar. Enquanto nos escondemos em um gueto, o mundo segue seu curso. E nos esquecemos que a proposta bíblica é que apresentemos a esta sociedade uma contra-cultura, através da nossa forte inserção na mesma. Fomos chamados para trabalhar este mundo, trazendo-o cativo para os domínios de Cristo. A isto a Teologia Reformada chama de “Mandato Cultural”, ou seja, por meio do nosso trabalho, a sociedade pode ser moldada e os valores do Reino de Deus identificados.
Uma espiritualidade indiferente com o mundo ao redor, onde as causas humanitárias, as lutas ambientais, as preocupações ecológicas, a exploração do trabalho infantil, a miséria dos países do hemisfério sul e as condições indignas de vida não são pensadas é alienante e, portanto, irrelevante. É digno de nota que o Reavivamento visto na Inglaterra nos dias de João Wesley e George Whitefield não só trouxe pessoas ao conhecimento de Cristo, mas também provocou mudanças profundas nas estruturas sociais do país.
Uma espiritualidade alienante é nociva ao testemunho da fé bíblica, pois gera insensibilidade, além de não impactar a sociedade, sendo, portanto inútil e prestando um desserviço ao Reino de Deus.
Conclusão
Há uma resposta a ser dada a estas nuances do evangelicalismo contemporâneo no que tange nossa idéia de espiritualidade.
Em primeiro lugar é necessário propormos uma agenda reflexiva no Brasil. É fundamental tentarmos entender o que é uma vida espiritual; o que significa ser cristão e como viveremos neste mundo. Tal postura é importante, pois percebe-se que no Brasil o que dita a conduta da igreja não é a ortodoxia e sim a ortopraxia. Somos pragmáticos demais, práticos demais. Há pouco espaço para a reflexão teológica e, assim, erramos com muita frequência. A experiência, na espiritualidade moderna, tornou-se mais importante do que a Escritura. Isto vai continuar enquanto não houver por parte das lideranças eclesiásticas uma proposta de repensarmos os conteúdos de nossa fé. A ortodoxia viva, o ensino correto e vibrante das Escrituras, deve nos conduzir a uma ortopraxia. E não o contrário.
Em segundo lugar é necessário repensarmos nossa metafísica, pois com uma cosmovisão, como esta que herdamos, onde se concebe uma realidade bipartida em secular e sagrada, mundano e sacro, torna-se difícil à prática e o desenvolvimento de uma espiritualidade holística, integral e completa. O que há na verdade hoje é uma sutil ressurreição do gnosticismo, onde um mundo espiritual não é relaciona com o material. Graves distorções estão acontecendo em função desta metafísica maniqueísta. Tornando a igreja e, consequentemente, a espiritualidade arcaica, monástica e sem penetração. O resgate do Mandato Cultural é premente nestes dias polarizados. Ainda é tempo. O evangelicalismo brasileiro ainda é jovem e pode aprender. A espiritualidade bíblica, saudável, pertinente, poderosa, impactante e transformadora de consciências, vidas e mundos ainda pode ser salva. Para isto é necessário, à semelhança de Lutero, voltar às bases, voltar às Escrituras Sagradas, para que elas norteiem e ensinem esta geração. As sementes de uma verdadeira espiritualidade ainda podem ser lançadas.
Finalmente, não podemos apenas nos preocupar com uma proposição intelectual, como apresentada acima. Os fundamentos são importantes. Entretanto, há outra dimensão que precisa ser cuidada. A erudição precisa ser acompanhada de uma poderosa piedade! Caso contrário, resgataremos apenas uma forma contemporânea de escolasticismo protestante. O escolasticismo (protestante) dos séculos XVII e XVIII, também conhecido com Ortodoxia, foi responsável por um importante legado teológico, onde os grandes tomos de teologia foram escritos e todo um pensar teológico protestante progrediu. Porém, seus erros e exageros foram substanciais, pois ao se preocupar apenas com as formulações lógicas da fé cristã, os teólogos distanciaram esta da experiência íntima que todo indivíduo deve passar. Grupos racionalistas surgiram deste ambiente de reflexão sem paixão, contribuindo para esfriar o compromisso do testemunho cristão das gerações posteriores aos reformadores. Erudição sim, mas piedade também! Reforma sim, mas avivamento também! Conhecimento das Verdades sim, mas conhecimento do poder também! Foi isso que homens, como Jonathan Edwards, por exemplo, fizeram. Não foi por menos que ficou conhecido como “Teólogo do Avivamento” por ocasião de suas reflexões e análises no “Grande Despertamento” das colônias americanas, no século XVIII. Reflexão e transformação pelo evangelho! Mente e coração! Razão e paixão! Escritura e Oração! Teologia e alegria! Proposição e canto! Nada pode ser mais bíblico, mais saudável e tão necessário à pratica de uma espiritualidade autêntica, enraizada na Palavra e no testemunho da História da Igreja.
SOLI DEO GLÓRIA!!!
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INTRODUÇÃO
O Evangelicalismo brasileiro é dicotômico no que tange a realidade, pois, por um lado, a discerne como sendo divina, sacra e, portanto, espiritual, mas também identifica uma outra dimensão secular, mundana e profana. Esta visão bipartida da realidade, estranha ao ensino das Escrituras Sagradas e à Teologia Reformada, da qual o evangelicalismo é herdeiro, é responsável pelos contornos em que o conceito de espiritualidade ganhou no Brasil evangélico de hoje. Podemos afirmar que a espiritualidade evangélica brasileira é mística, introspectiva e alienante, e nossa proposta, neste ensaio, é tentar entender o porquê de tais matizes, quais os seus efeitos e de que maneira pode-se discutir uma solução.
Uma Espiritualidade Mística
Entendendo como Francis Schaeffer, que a “verdadeira espiritualidade” reside na fé cristã e que esta, por sua vez, à luz das Escrituras Sagradas, especialmente o Novo Testamento, é um dom de Deus oferecido gratuitamente aos que foram “chamados para fora”, para a exercerem e a manifestarem na sociedade em que estamos inseridos, a igreja, como despenseira desta espiritualidade, tem, portanto, a missão de compartilhá-la através do Kerigma e da ação do cristão em prol da transformação do mundo, objetivando com isto a glória de Deus. Este foi o discernimento que os reformadores como Lutero, Calvino, Melanchton, Zwinglio e outros tiveram. Para os mesmos a espiritualidade era vivida no âmbito da fé (subjetividade) e da ação (objetividade).
No Brasil, o evangelicalismo, especialmente por influência do pentecostalismo e o neopentecostalismo, separou estes conceitos de tal forma que transformou a fé e, portanto, a espiritualidade cristã em algo meramente subjetivo, abstrato, sobrenatural e, logo, místico. Com esta ênfase em uma espiritualidade subjetiva houve a valorização do culto místico, marcado pela ênfase no sobrenatural. Tal conceito é muito valorizado no atual cenário evangélico brasileiro, onde há uma predominância numérica de comunidades de fé de cunho carismático. Ser espiritual, neste contexto é ter experiências sobrenaturais. O que deveria, portanto, ser extraordinário, uma experiência possível, porém incomum à ordem do dia, virou um padrão de normalidade. Tais experiências se tornaram, na prática, uma necessidade e um termômetro do culto e da vida cristã. A realidade natural, a sociedade, o trabalho, os deveres e direitos são vistos como algo de importância menor, pois fazem parte do que é “objetivo”, não devendo, portanto, serem considerados como prioritários.
É bom que se diga que há, na vivência da espiritualidade cristã, um lugar saudável para as experiências pneumáticas. O cristão é alguém que se relaciona com o Espírito Santo e é, por Ele visitado, curado, consolado, orientado e edificado. A questão aqui não é negar as operações reais do Espírito Santo, mas sim avaliar criticamente a insistência de muitos círculos em colocar o sobrenatural como a porta de entrada e balizador da espiritualidade genudeína. Entendemos que tal interpretação prejudica a saúde da fé bíblica, pois confunde o extraordinário com o ordinário, o milagre com o que é comum e o que é apenas possível com o que é fundamental e necessário.
Na espiritualidade mística, tudo o que é objetivo é visto com desconfiança, assim há pouco lugar para o racional. Destarte, a teologia não recebe a devida atenção, e, na prática, a própria Palavra só é aceita quando "toca" o emocional do indivíduo, pois para este o que importa é se a mesma lhe traz alívio. A doutrina torna-se secundária. A questão não é mais conhecer a verdade, mas sim obter dela benefícios. Se a verdade não traz alívio e não torna o indivíduo mais feliz, esta não o interessa.
Podemos afirmar, então, que o misticismo é uma das principais características da espiritualidade contemporânea. Ser cristão não é mais questão de entender as verdades cristãs e logo aceitá-las como padrão de espiritualidade. Ser cristão virou uma experiência subjetiva. Não mais importa o que se crer, mas sim o que se experimenta de Deus.
Uma Espiritualidade Introspectiva
Um outro aspecto do evangelicalismo brasileiro é a sua introspecção. A espiritualidade ao invés de externada naturalmente nas ações coletivas e, principalmente na visão de mundo, é, na verdade, guardada no íntimo e só refletida, quando muito nas investidas evangelísticas. Desta forma, o indivíduo consegue ser cristão, a despeito de ser um péssimo patrão, pois entende que a fé é um expediente circunscrito ao íntimo e pessoal. O empresário levanta suas mãos em adoração no culto dominical e com as mesmas, durante a semana, frauda, sonega e rouba. O empregado negligencia as horas que deve à empresa, sem nenhum prejuízo à consciência. O estudante cola e trapaceia, mas no domingo participará do coral na igreja. O ministro do Evangelho consegue se impor semanalmente no púlpito de sua congregação mesmo quando todos conhecem os fracassos de suas relações interpessoais. Nesta postura introspectiva, a ética passiva é vista como virtude, mesmo que isto lhe custe à consciência da omissão frente à verdade, à justiça e ao que é reto e digno. Assim, conseguimos adorar mesmo quando sabemos que perto de nós um irmão sofre com a perda de um ente querido, ou porque não sabe como fará para pagar as contas que já venceram. A igreja vira um lugar onde vou buscar “a minha bênção” e não um lugar de compartilhar alegrias, frustrações, pão, atenção e orações. O bem do outro é visto como algo que ele deve conseguir com seus próprios esforços e fé. Se não consegue é porque é fraco, sem fé, inconstante e não perseverante. A espiritualidade evangélica não é koinônica, mas verticalizada. A espiritualidade, assim, torna-se um aspecto da vida e não a própria vida. Não é “massa do próprio sangue”, mas está confinada a uma área restrita e que só é acionada quando a ocasião se fizer necessária.
Em uma espiritualidade introspectiva a moral cristã toma outros contornos. Há pouca ênfase no protesto, mas sim na resignação. A luta social é confundida com militância partidária e agito perigoso. A crítica, inclusive a religiosa, com insubmissão. E assim manutenção do “status quo” é estimulada.
Uma espiritualidade introspectiva torna o evangelicalismo pouco relevante para o seu contexto social, pois é incapaz de dialogar sobre as grandes questões que afligem a sociedade. Dietrich Bonhoeffer, em sua obra, “Ética”, declara que há “soluções cristãs para problemas seculares”, não significando com esta afirmação que a igreja possui uma agenda para equacionar todos os dramas da sociedade, mas sim que a igreja tem algo a dizer sobre os mesmos. No entanto, tal resposta só é oferecida quando a igreja deixa de ser introspectiva e resolve a “marchar com as multidões”. Uma espiritualidade autêntica, de acordo com o exemplo dos crentes primitivos e do próprio Senhor é vivida na horizontalidade, onde os que se cercam interagem entre si, onde a comunhão e o discipulado formam modelos de conduta e caráter. A fé, é verdade, continuará a brotar do íntimo do ser, mas se exteriorizando, encarnando e transformando uma sociedade. Um cristão que opta na introspecção de sua espiritualidade, é um mosteiro ambulante, anacrônico, inadequado, anti-bíblico, e, portanto, irrelevante no e para o seu tempo e geração.
Uma Espiritualidade Alienante
O Reverendo Manuel Bernardino de Santa Filho, ministro congregacional e reitor do Seminário Teológico Congregacional do Rio de Janeiro, em uma palestra ministrada para professores de escola dominical, apontou o “Soteriocentrismo” como uma das causas do pouco envolvimento dos crentes com os desafios do mundo contemporâneo. Ou seja, já que marchamos para o céu, por que se preocupar com este mundo? Se este “jaz no maligno” por que devo me envolver, importar e cansar por ele? Esta atitude (de fuga) da realidade é ao mesmo tempo uma cultura de gueto, gueto evangélico. Temos nossas próprias roupas, lugares de lazer, nossas próprias músicas e até uma forma peculiar de falar. Enquanto nos escondemos em um gueto, o mundo segue seu curso. E nos esquecemos que a proposta bíblica é que apresentemos a esta sociedade uma contra-cultura, através da nossa forte inserção na mesma. Fomos chamados para trabalhar este mundo, trazendo-o cativo para os domínios de Cristo. A isto a Teologia Reformada chama de “Mandato Cultural”, ou seja, por meio do nosso trabalho, a sociedade pode ser moldada e os valores do Reino de Deus identificados.
Uma espiritualidade indiferente com o mundo ao redor, onde as causas humanitárias, as lutas ambientais, as preocupações ecológicas, a exploração do trabalho infantil, a miséria dos países do hemisfério sul e as condições indignas de vida não são pensadas é alienante e, portanto, irrelevante. É digno de nota que o Reavivamento visto na Inglaterra nos dias de João Wesley e George Whitefield não só trouxe pessoas ao conhecimento de Cristo, mas também provocou mudanças profundas nas estruturas sociais do país.
Uma espiritualidade alienante é nociva ao testemunho da fé bíblica, pois gera insensibilidade, além de não impactar a sociedade, sendo, portanto inútil e prestando um desserviço ao Reino de Deus.
Conclusão
Há uma resposta a ser dada a estas nuances do evangelicalismo contemporâneo no que tange nossa idéia de espiritualidade.
Em primeiro lugar é necessário propormos uma agenda reflexiva no Brasil. É fundamental tentarmos entender o que é uma vida espiritual; o que significa ser cristão e como viveremos neste mundo. Tal postura é importante, pois percebe-se que no Brasil o que dita a conduta da igreja não é a ortodoxia e sim a ortopraxia. Somos pragmáticos demais, práticos demais. Há pouco espaço para a reflexão teológica e, assim, erramos com muita frequência. A experiência, na espiritualidade moderna, tornou-se mais importante do que a Escritura. Isto vai continuar enquanto não houver por parte das lideranças eclesiásticas uma proposta de repensarmos os conteúdos de nossa fé. A ortodoxia viva, o ensino correto e vibrante das Escrituras, deve nos conduzir a uma ortopraxia. E não o contrário.
Em segundo lugar é necessário repensarmos nossa metafísica, pois com uma cosmovisão, como esta que herdamos, onde se concebe uma realidade bipartida em secular e sagrada, mundano e sacro, torna-se difícil à prática e o desenvolvimento de uma espiritualidade holística, integral e completa. O que há na verdade hoje é uma sutil ressurreição do gnosticismo, onde um mundo espiritual não é relaciona com o material. Graves distorções estão acontecendo em função desta metafísica maniqueísta. Tornando a igreja e, consequentemente, a espiritualidade arcaica, monástica e sem penetração. O resgate do Mandato Cultural é premente nestes dias polarizados. Ainda é tempo. O evangelicalismo brasileiro ainda é jovem e pode aprender. A espiritualidade bíblica, saudável, pertinente, poderosa, impactante e transformadora de consciências, vidas e mundos ainda pode ser salva. Para isto é necessário, à semelhança de Lutero, voltar às bases, voltar às Escrituras Sagradas, para que elas norteiem e ensinem esta geração. As sementes de uma verdadeira espiritualidade ainda podem ser lançadas.
Finalmente, não podemos apenas nos preocupar com uma proposição intelectual, como apresentada acima. Os fundamentos são importantes. Entretanto, há outra dimensão que precisa ser cuidada. A erudição precisa ser acompanhada de uma poderosa piedade! Caso contrário, resgataremos apenas uma forma contemporânea de escolasticismo protestante. O escolasticismo (protestante) dos séculos XVII e XVIII, também conhecido com Ortodoxia, foi responsável por um importante legado teológico, onde os grandes tomos de teologia foram escritos e todo um pensar teológico protestante progrediu. Porém, seus erros e exageros foram substanciais, pois ao se preocupar apenas com as formulações lógicas da fé cristã, os teólogos distanciaram esta da experiência íntima que todo indivíduo deve passar. Grupos racionalistas surgiram deste ambiente de reflexão sem paixão, contribuindo para esfriar o compromisso do testemunho cristão das gerações posteriores aos reformadores. Erudição sim, mas piedade também! Reforma sim, mas avivamento também! Conhecimento das Verdades sim, mas conhecimento do poder também! Foi isso que homens, como Jonathan Edwards, por exemplo, fizeram. Não foi por menos que ficou conhecido como “Teólogo do Avivamento” por ocasião de suas reflexões e análises no “Grande Despertamento” das colônias americanas, no século XVIII. Reflexão e transformação pelo evangelho! Mente e coração! Razão e paixão! Escritura e Oração! Teologia e alegria! Proposição e canto! Nada pode ser mais bíblico, mais saudável e tão necessário à pratica de uma espiritualidade autêntica, enraizada na Palavra e no testemunho da História da Igreja.
SOLI DEO GLÓRIA!!!
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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
IGREJA: FORMA E ESSÊNCIA
"Fique muito atento se o vinho que você está entregando em seu ministério não tem sido contaminado pela estrutura que o cerca"
Por: Rodolfo Garcia Montosa
"Ninguém põe vinho novo em odres velhos. Se alguém fizer isso, os odres rebentam, o vinho se perde, e os odres ficam estragados. Por isso, o vinho novo é posto em odres novos." Marcos 2.22
Difícil não se impressionar com o processo de fabricação dos vinhos. Quando estive no Chile tive a oportunidade de conhecer uma vinícola e entender os detalhes e segredos que conferem a eles tal sabor e aroma. O que mais chamou a atenção foram os tonéis onde a bebida é armazenada para o processo de fermentação e envelhecimento. Aprendi que os melhores são tonéis franceses, fabricados em carvalho - madeira nobre e resistente, nativa da Europa e do Mediterrâneo - que chegam a custar três mil reais.
Quando em estado de espera dentro desses imensos barris de madeira clara, o vinho confere aos tonéis uma cor avermelhada, como se o fizesse sangrar. Por outro lado, é esse contato com a madeira que irá conferir à bebida um sabor especial. Definitivamente, ambos nunca mais serão os mesmos após serem ajuntados!
Para falar sobre forma e essência no Reino de Deus, é necessário entender, primeiramente, que uma não sobrevive sem a outra e é imprescindível para o perfeito funcionamento dessa ou daquela. É como na vinicultura. A bebida pode ser a essência e o tonel apenas a forma, mas ambos são necessários no processo de amadurecimento do vinho. O vinho será marcado, transformado pela madeira. E vice-versa. Isso significa que todo aquele que rompe com determinada estrutura, necessariamente criará outra estrutura, mesmo que não admita isso. Não existe essência sem uma determinada forma.
É fundamental entender também que o vinho e a madeira devem desenvolver-se juntos. Um vinho novo que passará por um processo de fermentação intenso não pode ser colocado em tonéis velhos. Ou perderá seu sabor, ou romperá os tonéis. Isso significa que determinadas estruturas devem ser abandonadas quando se perdeu a essência do evangelho. Conteúdo novo, ou melhor, o velho que se perdeu, deve ser iniciado em uma nova estrutura.
Outro ângulo de ver a analogia é definindo a forma como "atividade meio" e a essência como "atividade fim". Ninguém quer "tomar" um tonel. Ele é apenas um meio através do qual se atinge o fim de um vinho de qualidade. Na prática do dia-a-dia, contudo, percebe-se um encantamento com as atividades meio e um desvirtuamento das finalidades. Se a finalidade passa a ser o de ganhar dinheiro ou perpetuar-se no poder, por exemplo, basta aplicar algumas fórmulas "mágicas" que o povo o seguirá. Mas isso nada tem a ver com a essência relacional do evangelho. Muitos estão correndo atrás de fórmulas, ou formas que dão certo. Cresce o apego à forma em muito maior proporção que o amor à essência do evangelho. Estão aí os ritos e rituais que perpassam séculos, perdendo por completo seu sentido e significado, mas perpetuando-se como atos de magia que tem poder intrínseco em si mesmo.
Fique muito atento se o vinho que você está entregando em seu ministério não tem sido contaminado pela estrutura que o cerca, incluindo você em suas motivações e desejos pessoais. Aos líderes chamados de cristãos interessa fazer somente o que seu mestre fez: trazer à festa um novo vinho de qualidade superior e não vinagre em embalagem enganosa.
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Perdão e Confissão
Perdão e Confissão:
"Se já fomos perdoados por quê precisamos pedir perdão?"
POR: Caio Fábio D'Araújo Filho.
Novos instrumentos sempre precisam de afinações. Assim é também quando novas compreensões nos chegam ao coração. Sempre há necessidade de fazer uma sintonia fina de vez em quando. Isto porque as novas alegrias muitas vezes nos impedem de fazer uma síntese mais equilibrada das coisas por um tempo. E a prova disso é que Hoje você me faz esta pergunta. Sinal de que há uma nova reflexão sendo feita. O que é muito bom!
Respondendo a pergunta, proponho-lhe uma figura.
Eu tive a bênção de ter um pai de quem jamais duvidei do amor. Eu sempre soube que ele me perdoaria de qualquer coisa, embora eu também sempre tenha sabido que qualquer coisa indigna que eu viesse a fazer, e ele a saber, seu coração se entristeceria bastante, talvez até profundamente.
Assim, eu sempre soube que ele me perdoaria porque ele me ama, mas nunca deixei de pedir perdão a ele apenas por saber disso.
Ora, se é assim com meu pai terreno, como seria com meu Pai que está nos céus?
Ao meu pai eu peço perdão porque ele precisa saber que minha consciência está viva e sadia. E também porque o respeito e desejo honrá-lo até nos meus erros.
Já em relação ao meu Pai que está nos céus, peço perdão por mim mesmo, para o meu próprio bem, como reconhecimento de que minha consciência está viva, e, sobretudo, porque minha vida é um flagrante permanente diante Dele.
Assim, embora de antemão perdoado, peço perdão; posto que meu pedido de perdão é a confissão de minha boca de que minha consciência continua cativa da verdade de Deus; e isto é importante para mim, visto que Deus sabe.
Eu, porém, sou ensinado a orar dizendo: “Perdoa as minhas dívidas assim como eu perdôo os meus devedores”.
Desse modo há duas dimensões aqui envolvidas:
1. A primeira ensina que perdão é perdão. Ou seja: porque perdôo, sou perdoado; isto porque já estou perdoado; portanto, não tendo mais o direito de não perdoar. Desse modo, não perdoar equivale e dizer que não se acredita em perdão, ficando-se, assim, postos por nós mesmos, na posição de não-perdoados outra vez.
2. A segunda tem a ver com Deus, que de antemão me perdoou, mas que espera que meu coração reconheça o perdão com seriedade, a fim de que a minha consciência não fique sem exercício. Portanto, quando peço perdão, confesso que ainda estou vivo e grato; e mais: confesso meu desejo de deixar coisas e partir para outras melhores.
Arrependimento, diz o Novo Testamento, é Graça de Deus. É Deus quem concede o arrependimento, e quem conduz ao arrependimento. Portanto experimentar arrependimento já é fruto da Graça do Perdão divino.
Assim, eu diria: somente perdoados se arrependem!
Prova disso é Davi, que, uma vez confrontado pelo profeta Natã, disse: “Pequei contra o Senhor!”— e ouviu o profeta dizer: “Também o Senhor já perdoou o teu pecado!”
Assim é que é bem-aventurado o homem a quem o Senhor não “imputa iniqüidade”. Como também é bem-aventurado todo aquele que “não se condena nas coisas que aprova”.
Desse modo, a Graça de Deus nos dá toda segurança, mas demanda de nós que vivamos buscando não pecar, não porque o pecado “tire pedaços de Deus”, mas sim porque tira os pedaços da gente.
Na revelação há sempre duas dimensões: uma eterna e outra temporal.
Assim, pela revelação sabemos o que é eterno, e, portanto, já é, e ninguém mudará. Ao mesmo tempo em que há advertências temporais, as quais têm dimensões de natureza, eu diria, psicológicas; isto porque concernem à alma humana e à continuidade da existência na Terra.
Por isto, eu sei que em Cristo tudo já é e já está Consumado; mas sei também que em mim mesmo, nada está acabado e concluído, pois vivo na carne, no corpo, no tempo, no espaço, e no que ainda é em parte.
Portanto, eu lhe digo: Os perdoados sempre pedem perdão; e, além disso, sempre perdoam!
Quando há o momento da “contrição” na hora de um culto, eu sempre aproveito para o meu bem. Mas meu confessionário é no caminho, enquanto vou, e à medida que minha consciência fala comigo.
Nele, em Quem já sou tudo a fim de poder ser,
"Se já fomos perdoados por quê precisamos pedir perdão?"
POR: Caio Fábio D'Araújo Filho.
Novos instrumentos sempre precisam de afinações. Assim é também quando novas compreensões nos chegam ao coração. Sempre há necessidade de fazer uma sintonia fina de vez em quando. Isto porque as novas alegrias muitas vezes nos impedem de fazer uma síntese mais equilibrada das coisas por um tempo. E a prova disso é que Hoje você me faz esta pergunta. Sinal de que há uma nova reflexão sendo feita. O que é muito bom!
Respondendo a pergunta, proponho-lhe uma figura.
Eu tive a bênção de ter um pai de quem jamais duvidei do amor. Eu sempre soube que ele me perdoaria de qualquer coisa, embora eu também sempre tenha sabido que qualquer coisa indigna que eu viesse a fazer, e ele a saber, seu coração se entristeceria bastante, talvez até profundamente.
Assim, eu sempre soube que ele me perdoaria porque ele me ama, mas nunca deixei de pedir perdão a ele apenas por saber disso.
Ora, se é assim com meu pai terreno, como seria com meu Pai que está nos céus?
Ao meu pai eu peço perdão porque ele precisa saber que minha consciência está viva e sadia. E também porque o respeito e desejo honrá-lo até nos meus erros.
Já em relação ao meu Pai que está nos céus, peço perdão por mim mesmo, para o meu próprio bem, como reconhecimento de que minha consciência está viva, e, sobretudo, porque minha vida é um flagrante permanente diante Dele.
Assim, embora de antemão perdoado, peço perdão; posto que meu pedido de perdão é a confissão de minha boca de que minha consciência continua cativa da verdade de Deus; e isto é importante para mim, visto que Deus sabe.
Eu, porém, sou ensinado a orar dizendo: “Perdoa as minhas dívidas assim como eu perdôo os meus devedores”.
Desse modo há duas dimensões aqui envolvidas:
1. A primeira ensina que perdão é perdão. Ou seja: porque perdôo, sou perdoado; isto porque já estou perdoado; portanto, não tendo mais o direito de não perdoar. Desse modo, não perdoar equivale e dizer que não se acredita em perdão, ficando-se, assim, postos por nós mesmos, na posição de não-perdoados outra vez.
2. A segunda tem a ver com Deus, que de antemão me perdoou, mas que espera que meu coração reconheça o perdão com seriedade, a fim de que a minha consciência não fique sem exercício. Portanto, quando peço perdão, confesso que ainda estou vivo e grato; e mais: confesso meu desejo de deixar coisas e partir para outras melhores.
Arrependimento, diz o Novo Testamento, é Graça de Deus. É Deus quem concede o arrependimento, e quem conduz ao arrependimento. Portanto experimentar arrependimento já é fruto da Graça do Perdão divino.
Assim, eu diria: somente perdoados se arrependem!
Prova disso é Davi, que, uma vez confrontado pelo profeta Natã, disse: “Pequei contra o Senhor!”— e ouviu o profeta dizer: “Também o Senhor já perdoou o teu pecado!”
Assim é que é bem-aventurado o homem a quem o Senhor não “imputa iniqüidade”. Como também é bem-aventurado todo aquele que “não se condena nas coisas que aprova”.
Desse modo, a Graça de Deus nos dá toda segurança, mas demanda de nós que vivamos buscando não pecar, não porque o pecado “tire pedaços de Deus”, mas sim porque tira os pedaços da gente.
Na revelação há sempre duas dimensões: uma eterna e outra temporal.
Assim, pela revelação sabemos o que é eterno, e, portanto, já é, e ninguém mudará. Ao mesmo tempo em que há advertências temporais, as quais têm dimensões de natureza, eu diria, psicológicas; isto porque concernem à alma humana e à continuidade da existência na Terra.
Por isto, eu sei que em Cristo tudo já é e já está Consumado; mas sei também que em mim mesmo, nada está acabado e concluído, pois vivo na carne, no corpo, no tempo, no espaço, e no que ainda é em parte.
Portanto, eu lhe digo: Os perdoados sempre pedem perdão; e, além disso, sempre perdoam!
Quando há o momento da “contrição” na hora de um culto, eu sempre aproveito para o meu bem. Mas meu confessionário é no caminho, enquanto vou, e à medida que minha consciência fala comigo.
Nele, em Quem já sou tudo a fim de poder ser,
A COMPETIÇÃO DAS IGREJAS
A igreja passou a ser mais uma instituição sem grande valor e importância
Por: Oziel Alves
Há duas grandes notícias sobre as igrejas evangélicas contemporâneas. Uma boa e outra má. A boa é que não resta a menor dúvida que, com ou sem teologia da prosperidade, ela pode melhorar significantemente a vida de uma pessoa. A má é que ela já não interpreta o certo e o errado para a sociedade. O respeito incondicional pela igreja moralizadora está em extinção. Aceita-se o que é bom, rejeita-se o resto. Frente à gama de escândalos que o povo se acostumou a ver e ouvir, até os mais bem intencionados membros, colocam um pé atrás, antes de acreditar piamente nas palavras de um líder.
Jacques Ellul, em seu livro The New Demons, deixou claro que a instituição “igreja” foi convidada “a ocupar um assento no vasto anfiteatro da sociedade” em outras palavras “ela é demitida de seu posto de protagonista moralizante, onde ditava as regras e dizia o que era certo e errado, para ser apenas mais uma 'instituição', sem grande valor e importância, a assistir o show da degradação dos valores morais”. A sociedade aceita conviver com a igreja. Coexistir, como diria Bono. Mas é preciso que ela fique em silêncio e não ouse interferir na liberdade-libertina que o mundo há tanto tempo sonhou alcançar, e hoje se deleita.
Há igrejas que resistem. Há outras que abrem mão de seus princípios, em prol de uma maior aceitação na sociedade. Sob o manto das mudanças, do desenvolvimento político, cultural, científico e tecnológico, está inserida, também, a nova igreja do século XXI. Segundo a Revista Veja, “Com menos ênfase no sobrenatural e mais investimento em técnicas de auto-ajuda, [...] aumentando sua penetração na classe média”. A igreja encarou novas exigências. Modernizou-se, ruma ao profissionalismo, tornou-se mais tolerante. Mais humana. Boas medidas que contribuíram para o aumento “das massas” e capacitaram as lideranças a oferecerem “um tratamento psico-social e espiritual” visivelmente de maior qualidade para os crentes. São, porém, medidas perigosas, nas mãos dos falsos mestres que se utilizam da palavra de Deus, visando única e exclusivamente, angariar lucros de forma fácil e abusiva. A Bíblia diz que estes “falsos mestres” “apascentam a si mesmos, sem nenhum temor” (Jd 1:12b), isto é, em causa própria e indevidamente, utilizam-se de recursos que deveriam ser destinados a melhoria e a boa administração da obra de Deus.
Enquanto a espiritualidade do brasileiro aumenta, há muitos de olho na lucratividade que uma igreja pode render. Para estes, a Bíblia tem um recado: “Ai deles! Que foram pelo caminho de Caim e pelo amor ao lucro se atiraram ao erro de Balaão [...]”. “[...] Pastores que apascentam a si mesmos, sem temor, são nuvens sem água, levadas pelos ventos, são árvores sem folhas nem fruto, duas vezes mortas, desarraigadas” (Jd 1:11a -12b).
A igreja é uma empresa, sim. Preocupa-se, igualmente, com as contas a pagar, com os salários dos pastores, músicos, ministros, obreiros, missionários, com os investimentos materiais. E, não há nenhum mal nisso. Nossos líderes – que trabalham com afinco e amor a obra de Deus - merecem muito mais do que as migalhas a que se submetem. Mas é preciso diferenciar uma situação. Todas as igrejas são empresas, mas há empresas que supostamente são igrejas. A verdadeira igreja, antes de ser empresa, precisa ser casa de serviço e adoração. Que leve realmente a sério as questões espirituais, e não abra mão sob hipótese alguma de seus “princípios” para abocanhar “lucros ou poder”.
A verdadeira igreja, não faz vista grossa para o pecado, quando quem precisa ser corrigido é o irmão endinheirado que sustenta boa parte da obra com seu alto dizimo. O falso mestre pode esconder suas más intenções de multidões, enquanto o diabo assiste de camarote as obras ambulantes de sua astúcia. Deus, todavia, honra aqueles que por amor do seu nome, foram vítimas do engano dos falsos mestres.
Dizem que não podemos subestimar a inteligência do diabo. Então, ouso subestimar a nossa ingenuidade quando a tática mais eficaz do inimigo, há séculos continua sendo, exatamente a mesma, ou seja, alguma coisa, em troca de algum poder. Sabemos que o poder é um método eficaz de tentação e corrupção. Talvez ele esteja intrinsecamente ligado a raiz da personalidade pecaminosa dos homens, caracterizada pelo pecado original de Adão e Eva, lá no Jardim do Éden. Esta tática foi aplicada a outros como Judas, Jacó, Ló, Ananias, Safira; a Jesus Cristo quando ofereceu todos os reinos deste mundo se prostrado Ele, o adorasse. Há uma extensa lista de personagens bíblicos. Ao que parece, seus métodos, não sofreram alterações.
Segundo Dr. Russel Shedd, “A mais sutil tentação do mundo é a que propõe reconhecimento e aceitação ao cristão”. E ele diz mais “O poder tem uma facilidade inata de corromper qualquer líder que exerça o direito de manter controle sobre a vida dos outros”. E, é este controle que muitos almejam, até invejam. Começam ouvindo a palavra, como qualquer outro. O pastor, vê neles um potencial. Chama-os para a obra. Ensina, treina, dá oportunidades. Confia na ovelha. De repente, o escritório pastoral é invadido por um lobo voraz. O pelego de ovelha, fica na porta e serve de capacho. As contendas e dissensões vem à tona. O nível de influência do dissidente, determina o tamanho da divisão e os membros que o seguirão.
Igrejas são filantrópicas. Não é difícil abrir uma. Basta ter influência sobre algumas pessoas, para iniciar um pseudo-trabalho de evangelização. Pseudo porque tais dissidentes ao invés de irem para bem longe, evangelizar pessoas ainda não crentes, divertem-se pescando no aquário em que viviam, semeando contendas, discórdias e inevitavelmente despertando a ira de seus ex-líderes.
Nunca houve tantos templos espalhados por aí, como se tem visto, ultimamente. O imaginário coletivo crítico-cristão ousa citá-los como “botecos religiosos”, uma ironia à igreja comparada aos estabelecimentos comerciais de pequeno porte, que limitados por um raio físico-geográfico muito pequeno, através de um marketing barato e agressivo, lutam pela sobrevivência financeira, competindo pelos mesmos fregueses.
Que bom seria se nossas cidades estivessem superlotadas de igrejas preocupadas com o ideal maior, que em princípio deveria ser compartilhado por todas: “Pregar o evangelho a toda a criatura e declarar Jesus Cristo como o verdadeiro caminho, verdade e vida”. Que bom seria se estas igrejas fossem totalmente despreocupadas com o marketing lucrativo e a concorrência estigmatizada por números e posição social de destaque na sociedade. Mas, elas estão aí. E são pequenas, médias, grandes. Há de todo tamanho. Multiplicam-se e mudam suas fachadas. Com o intuito de atingir massas, adaptam-se a modernidade secular, e lançam novas ideologias como isca aos necessitados. Igreja para empresários. Para jogadores e artistas. Igreja para surfistas. Há campos a serem explorados. Faltam os escritores, médicos, psicólogos, físicos e matemáticos. Será que existirão igrejas para garis, faxineiras e babás?
Não será estranho se daqui há alguns dias nos depararmos com alguma igreja levantando a seguinte placa: “Viva o pecado, venha, e una-se aos pecadores de plantão!" Ironias a parte, há certamente, aquelas que buscando a santificação, resolveram se separar. Estas, no entanto, representam uma parcela muito pequena do todo. O alerta já havia sido dado há algumas centenas de anos “Nos últimos tempos haverá escarnecedores, andando segundo as suas ímpias concupsciências. Estes são os que causam DIVISÕES; são sensuais, e não tem o ESPÍRITO” (Jd 1:18-9). Mas, Ai deles...
Por: Oziel Alves
Há duas grandes notícias sobre as igrejas evangélicas contemporâneas. Uma boa e outra má. A boa é que não resta a menor dúvida que, com ou sem teologia da prosperidade, ela pode melhorar significantemente a vida de uma pessoa. A má é que ela já não interpreta o certo e o errado para a sociedade. O respeito incondicional pela igreja moralizadora está em extinção. Aceita-se o que é bom, rejeita-se o resto. Frente à gama de escândalos que o povo se acostumou a ver e ouvir, até os mais bem intencionados membros, colocam um pé atrás, antes de acreditar piamente nas palavras de um líder.
Jacques Ellul, em seu livro The New Demons, deixou claro que a instituição “igreja” foi convidada “a ocupar um assento no vasto anfiteatro da sociedade” em outras palavras “ela é demitida de seu posto de protagonista moralizante, onde ditava as regras e dizia o que era certo e errado, para ser apenas mais uma 'instituição', sem grande valor e importância, a assistir o show da degradação dos valores morais”. A sociedade aceita conviver com a igreja. Coexistir, como diria Bono. Mas é preciso que ela fique em silêncio e não ouse interferir na liberdade-libertina que o mundo há tanto tempo sonhou alcançar, e hoje se deleita.
Há igrejas que resistem. Há outras que abrem mão de seus princípios, em prol de uma maior aceitação na sociedade. Sob o manto das mudanças, do desenvolvimento político, cultural, científico e tecnológico, está inserida, também, a nova igreja do século XXI. Segundo a Revista Veja, “Com menos ênfase no sobrenatural e mais investimento em técnicas de auto-ajuda, [...] aumentando sua penetração na classe média”. A igreja encarou novas exigências. Modernizou-se, ruma ao profissionalismo, tornou-se mais tolerante. Mais humana. Boas medidas que contribuíram para o aumento “das massas” e capacitaram as lideranças a oferecerem “um tratamento psico-social e espiritual” visivelmente de maior qualidade para os crentes. São, porém, medidas perigosas, nas mãos dos falsos mestres que se utilizam da palavra de Deus, visando única e exclusivamente, angariar lucros de forma fácil e abusiva. A Bíblia diz que estes “falsos mestres” “apascentam a si mesmos, sem nenhum temor” (Jd 1:12b), isto é, em causa própria e indevidamente, utilizam-se de recursos que deveriam ser destinados a melhoria e a boa administração da obra de Deus.
Enquanto a espiritualidade do brasileiro aumenta, há muitos de olho na lucratividade que uma igreja pode render. Para estes, a Bíblia tem um recado: “Ai deles! Que foram pelo caminho de Caim e pelo amor ao lucro se atiraram ao erro de Balaão [...]”. “[...] Pastores que apascentam a si mesmos, sem temor, são nuvens sem água, levadas pelos ventos, são árvores sem folhas nem fruto, duas vezes mortas, desarraigadas” (Jd 1:11a -12b).
A igreja é uma empresa, sim. Preocupa-se, igualmente, com as contas a pagar, com os salários dos pastores, músicos, ministros, obreiros, missionários, com os investimentos materiais. E, não há nenhum mal nisso. Nossos líderes – que trabalham com afinco e amor a obra de Deus - merecem muito mais do que as migalhas a que se submetem. Mas é preciso diferenciar uma situação. Todas as igrejas são empresas, mas há empresas que supostamente são igrejas. A verdadeira igreja, antes de ser empresa, precisa ser casa de serviço e adoração. Que leve realmente a sério as questões espirituais, e não abra mão sob hipótese alguma de seus “princípios” para abocanhar “lucros ou poder”.
A verdadeira igreja, não faz vista grossa para o pecado, quando quem precisa ser corrigido é o irmão endinheirado que sustenta boa parte da obra com seu alto dizimo. O falso mestre pode esconder suas más intenções de multidões, enquanto o diabo assiste de camarote as obras ambulantes de sua astúcia. Deus, todavia, honra aqueles que por amor do seu nome, foram vítimas do engano dos falsos mestres.
Dizem que não podemos subestimar a inteligência do diabo. Então, ouso subestimar a nossa ingenuidade quando a tática mais eficaz do inimigo, há séculos continua sendo, exatamente a mesma, ou seja, alguma coisa, em troca de algum poder. Sabemos que o poder é um método eficaz de tentação e corrupção. Talvez ele esteja intrinsecamente ligado a raiz da personalidade pecaminosa dos homens, caracterizada pelo pecado original de Adão e Eva, lá no Jardim do Éden. Esta tática foi aplicada a outros como Judas, Jacó, Ló, Ananias, Safira; a Jesus Cristo quando ofereceu todos os reinos deste mundo se prostrado Ele, o adorasse. Há uma extensa lista de personagens bíblicos. Ao que parece, seus métodos, não sofreram alterações.
Segundo Dr. Russel Shedd, “A mais sutil tentação do mundo é a que propõe reconhecimento e aceitação ao cristão”. E ele diz mais “O poder tem uma facilidade inata de corromper qualquer líder que exerça o direito de manter controle sobre a vida dos outros”. E, é este controle que muitos almejam, até invejam. Começam ouvindo a palavra, como qualquer outro. O pastor, vê neles um potencial. Chama-os para a obra. Ensina, treina, dá oportunidades. Confia na ovelha. De repente, o escritório pastoral é invadido por um lobo voraz. O pelego de ovelha, fica na porta e serve de capacho. As contendas e dissensões vem à tona. O nível de influência do dissidente, determina o tamanho da divisão e os membros que o seguirão.
Igrejas são filantrópicas. Não é difícil abrir uma. Basta ter influência sobre algumas pessoas, para iniciar um pseudo-trabalho de evangelização. Pseudo porque tais dissidentes ao invés de irem para bem longe, evangelizar pessoas ainda não crentes, divertem-se pescando no aquário em que viviam, semeando contendas, discórdias e inevitavelmente despertando a ira de seus ex-líderes.
Nunca houve tantos templos espalhados por aí, como se tem visto, ultimamente. O imaginário coletivo crítico-cristão ousa citá-los como “botecos religiosos”, uma ironia à igreja comparada aos estabelecimentos comerciais de pequeno porte, que limitados por um raio físico-geográfico muito pequeno, através de um marketing barato e agressivo, lutam pela sobrevivência financeira, competindo pelos mesmos fregueses.
Que bom seria se nossas cidades estivessem superlotadas de igrejas preocupadas com o ideal maior, que em princípio deveria ser compartilhado por todas: “Pregar o evangelho a toda a criatura e declarar Jesus Cristo como o verdadeiro caminho, verdade e vida”. Que bom seria se estas igrejas fossem totalmente despreocupadas com o marketing lucrativo e a concorrência estigmatizada por números e posição social de destaque na sociedade. Mas, elas estão aí. E são pequenas, médias, grandes. Há de todo tamanho. Multiplicam-se e mudam suas fachadas. Com o intuito de atingir massas, adaptam-se a modernidade secular, e lançam novas ideologias como isca aos necessitados. Igreja para empresários. Para jogadores e artistas. Igreja para surfistas. Há campos a serem explorados. Faltam os escritores, médicos, psicólogos, físicos e matemáticos. Será que existirão igrejas para garis, faxineiras e babás?
Não será estranho se daqui há alguns dias nos depararmos com alguma igreja levantando a seguinte placa: “Viva o pecado, venha, e una-se aos pecadores de plantão!" Ironias a parte, há certamente, aquelas que buscando a santificação, resolveram se separar. Estas, no entanto, representam uma parcela muito pequena do todo. O alerta já havia sido dado há algumas centenas de anos “Nos últimos tempos haverá escarnecedores, andando segundo as suas ímpias concupsciências. Estes são os que causam DIVISÕES; são sensuais, e não tem o ESPÍRITO” (Jd 1:18-9). Mas, Ai deles...
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
“Ankniipfungspunkt” - Uma Breve Avaliação da Antropologia de Emil Brunner
POR: Idauro Campos
INTRODUÇÃO:
Nesta reflexão tentaremos, de uma forma breve e resumida, compreender e interagir com as idéias do teólogo suíço Emil Brunner que, à semelhança de Karl Barth, se posicionou a favor da conhecida Teologia Dialética, movimento que criticou a Teologia Liberal e propôs uma recondução da teologia em direção ao pensamento dos reformadores. Entretanto, apesar da concordância com alguns postulados de Barth, Brunner estabeleceu seu próprio caminho em algumas de suas formulações e que o levou a ser criticado pelo próprio Karl Barth. Nosso objetivo é sintetizar o centro das idéias brunnerianas e tentar identificar sua relevância para o presente da teologia.
Podemos dizer que, à semelhança de Karl Barth, Emil Brunner se manteve na fronteira teológica que caracterizou o século 20, pois com sua abordagem criticou o liberalismo que julgava a razão como critério de avaliação da verdade. Ao mesmo tempo Brunner também não agradou os conservadores protestantes, pois com sua “ Imago Dei”, negou os efeitos mais drásticos do pecado no homem, considerando este com um ser que ainda é dotado de inclinações espirituais que o aproximem de Deus. Portanto, em sua Dialética, Brunner encoleriza os liberais, sem, contudo, agradar aos conservadores, que esperavam uma dogmática mais calvinistas em sua antropologia e hamartiologia.
A DIALÉTICA
Para Brunner, há uma tensão entre a Palavra de Deus e o pensamento do homem. Enquanto que para os liberais, a Revelação pode ser conhecida através das faculdades naturais da razão, Brunner declara que tal evento só é possível não em função da razão, mas sim da contradição entre razão e revelação, Deus e o homem, lei e Evangelho, ou seja, é através desta contradição que a verdade sobre Deus pode ser captada, pois Deus, sendo eterno e santo, entra no tempo em busca do homem pecador. É sob esta perspectiva que a teologia deve ser feita. Portanto, teologia dialética é a reflexão que respeita as fronteira da religião e a da razão, porque são paradoxais entre si. Com este posicionamento, Brunner acentua que a Revelação, sendo transcendental, não pode ser domesticada pelo pensamento, pois este se conforma em apenas compreender ou “possuir”, e não em crer.
Desta forma então, podemos discernir em alinhamento das idéias de Brunner com as de Barth, pois para o teólogo da Basiléia a contradição entre Deus e o homem, significava a limitação do segundo em alcançar o primeiro. Deus sendo “o totalmente outro”, não pode ser alcançado pela razão em função desta ter sido prejudicada por causa da queda. No entanto, há uma trincheira entre os dois teólogos, pois para Emil Brunner esta “incapacidade” não é total e plena. O homem, segundo ele, é capaz de voltar-se para Deus e compreendê-lo, pois a queda não destruiu completamente esta possibilidade. Ainda há no homem as condições que permitam seu contato com o Sagrado. Portanto, Brunner diz que a contradição entre Deus e homem age no mesmo como uma “força de atração”. São opostos e, logo, se atraem. Com esta compreensão, fica então patente que Emil Brunner, é claro, não concorda com a depravação total tão defendida pelos calvinistas e de quem Barth sentia-se alinhado. Para Karl Barth não há nada no homem que o torne em condições naturais de receber a Revelação de Deus, pois o mesmo se encontra em total estado de queda e depravação. Ainda que seja possível para este a realização de boas obras, que visem minorar os sofrimentos humanos, tais inclinações não são intensas a ponto de nos colocar favoravelmente diante do Criador. Destarte, a contradição entre Deus e o homem é incongruente. Deus é pura transcendência e não pode ser objeto da razão, pois esta está aprisionada pelo pecado. Já a insistência de Brunner em enxergar no homem uma capacidade inerente, o levou a ser fortemente criticado por Barth. Brunner, aliás, passaria o resto de sua vida tentando se explicar e se defender das acusações de Karl Barth, que via em suas formulações uma reaproximação com a teologia católica da apreensão natural do homem sobre a revelação.
O PONTO DE CONTATO
Para explicar a maneira como seria possível ao homem chegar a Deus por meios inerentes, mesmo admitindo que o mesmo é um ser atingido, manchado e alijado pelo pecado, Emil Brunner desenvolve um conceito que ele chamou de “Ankniipfungspunkt” ou “ponto de contato”. Assim, a razão humana é dotada de uma disposição natural para receber a revelação de Deus. Vejamos como ele a define:
“Se o homem fosse apenas um objeto em que Deus faz alguma coisa, um recipiente no qual Ele derrama alguma coisa, então se poderia falar da revelação mesmo sem conhecer nada do ser que sofre a ação. Contudo, já que ela é um encontro pessoal, é necessário aprender a conhecer a pessoa a cujo encontro Deus vai e o modo como essa pessoa se apresenta para tal encontro com Deus... O fato de que Deus se manifesta mediante sua Palavra pressupõe que o homem seja um ser criado para esse gênero de comunicação através da Palavra... Esse fato, já evidente em si mesmo, deve ser tanto mais fortemente ressaltado quando se sabe que uma falsa explicação da sola gratia e o temor de cair na doutrina pelagiana ou na do sinergismo levaram a ponto de trocar a pura receptividade do homem na Revelação por uma passividade objetiva, em que à parte do homem poderia ser geralmente eliminada”.
Ou seja, se Deus ao se manifestar não encontra um homem que lhe seja idôneo para corresponder-lhe, tal manifestação seria desnecessária. Ele só o faz porque o homem mantém suas faculdades em condições de atender o Criador. O homem pode receber a Palavra e o Espírito Santo, pois ele tem um “ponto de contato”, uma “imago Dei” formal, que foi mantida a despeito do pecado.
Ao ser duramente criticado por Karl Barth, Brunner se defendeu dizendo que sua formulação não negava a doutrina reformada de “sola gratia”, pois este “ponto de contato” era apenas a capacidade não perdida de receber a Palavra, no entanto, o “crer” e “ouvir” dependeria da própria Palavra de Deus. Ou seja, todo homem é capaz de receber a Palavra de Deus, mas crer nesta Palavra depende da própria Palavra, pois a fé é uma obra divina e é a própria Palavra que a comunica.
Para Emil Brunner há a perfeita coordenação entre a Graça e a Razão, visto que a primeira, sendo de caráter subjetivo, nos fornece um conhecimento de Deus mais eficiente, pois a razão, que é de caráter objetivo e natural, nos fornece também um conhecimento sobre Deus, porém “opaco e incerto”. Portanto, Brunner não exclui o conhecimento natural, porém o considera incompleto, sendo, então, necessária à influência da graça divina. Este conhecimento natural defeituoso e insuficiente é sim fruto do pecado, mas é existente, pois o pecado não aniquilou o conhecimento do homem sobre Deus e sim o fragilizou e, por causa disso, a dependência de Deus continua, apesar do pecado.
CONTEXTUALIZAÇÃO
Mesmo que inconsciente a teologia de Brunner se faz sentir no evangelicalismo contemporâneo, pois apesar de não se falar em uma “bondade inerente” ou conhecimento próprio, o movimento evangelical no Brasil, na prática, abandonou as doutrinas da depravação total e “sola gratia”. A devida miséria e incapacidade humana em se achegar a Deus não são mais acentuadas. Fala-se muito nas pessoas que estão com “sede de Deus” e “tomar posse”, pela fé, como se esta fé pertencesse ao homem, podendo este, quando bem quiser, depositar em Jesus. Não se fala mais de um pecador perdido, morto espiritualmente em delito e pecado e que se não for pela graça de Deus para regenerá-lo dando-lhe o dom da fé, o mesmo está condenado. A forma como a evangelização é feita não leva em conta a total dependência do homem em relação a Deus para ser salvo. É como se à parte de Deus já estivesse feita e agora quem age é o homem que basta depositar sua fé. Ou seja, há no próprio homem o poder para crer. O seu livre-arbítrio é a faculdade que toma a decisão, ou não, de abraçar o Cristo da fé. Portanto, ainda que não se fale uma “imago Dei” presente no homem, ou, em “ponto de contato”, a forma como o evangelicalismo se desenvolve no Brasil se alinha com as convicções de Emil Brunne
CONCLUSÃO
Seria o Brunnerianismo uma forma de semipelagianismo? Parece-nos que sim, pois o semipelagianismo, típico do evangelicalismo contemporâneo, admite um homem que é um pecador, cujas faculdades foram corrompidas em função do lapso no Édem. No entanto, também admite que este pecador, apesar de seu estado de escravidão espiritual, pode por si mesmo chegar a Deus. É claro que o semipelagianismo declara que a salvação pertence ao Senhor e que o pecador é salvo pela graça, porém está é apenas uma influência sobre o pecador, que tendo condições de se voltar para Deus, recebe tal influência e decide se entregar. É desta forma que se evangeliza no Brasil. Assim, empregando os métodos adequados, dizem eles, o homem virá a Deus.
Apesar de seu protestantismo, Brunner não considerou os efeitos completos da queda. O homem está morto. Não há nele sequer a menor condição de uma reconciliação. O homem natural segue o curso do próprio coração (Ef. 2: 3) e está separado de Deus. Sua única chance é a graça que regenera, comunica a fé e promove o arrependimento. É a graça de Deus que restaura e redireciona as faculdades do homem, garantindo assim, eficazmente, o acesso à reconciliação com Deus.
INTRODUÇÃO:
Nesta reflexão tentaremos, de uma forma breve e resumida, compreender e interagir com as idéias do teólogo suíço Emil Brunner que, à semelhança de Karl Barth, se posicionou a favor da conhecida Teologia Dialética, movimento que criticou a Teologia Liberal e propôs uma recondução da teologia em direção ao pensamento dos reformadores. Entretanto, apesar da concordância com alguns postulados de Barth, Brunner estabeleceu seu próprio caminho em algumas de suas formulações e que o levou a ser criticado pelo próprio Karl Barth. Nosso objetivo é sintetizar o centro das idéias brunnerianas e tentar identificar sua relevância para o presente da teologia.
Podemos dizer que, à semelhança de Karl Barth, Emil Brunner se manteve na fronteira teológica que caracterizou o século 20, pois com sua abordagem criticou o liberalismo que julgava a razão como critério de avaliação da verdade. Ao mesmo tempo Brunner também não agradou os conservadores protestantes, pois com sua “ Imago Dei”, negou os efeitos mais drásticos do pecado no homem, considerando este com um ser que ainda é dotado de inclinações espirituais que o aproximem de Deus. Portanto, em sua Dialética, Brunner encoleriza os liberais, sem, contudo, agradar aos conservadores, que esperavam uma dogmática mais calvinistas em sua antropologia e hamartiologia.
A DIALÉTICA
Para Brunner, há uma tensão entre a Palavra de Deus e o pensamento do homem. Enquanto que para os liberais, a Revelação pode ser conhecida através das faculdades naturais da razão, Brunner declara que tal evento só é possível não em função da razão, mas sim da contradição entre razão e revelação, Deus e o homem, lei e Evangelho, ou seja, é através desta contradição que a verdade sobre Deus pode ser captada, pois Deus, sendo eterno e santo, entra no tempo em busca do homem pecador. É sob esta perspectiva que a teologia deve ser feita. Portanto, teologia dialética é a reflexão que respeita as fronteira da religião e a da razão, porque são paradoxais entre si. Com este posicionamento, Brunner acentua que a Revelação, sendo transcendental, não pode ser domesticada pelo pensamento, pois este se conforma em apenas compreender ou “possuir”, e não em crer.
Desta forma então, podemos discernir em alinhamento das idéias de Brunner com as de Barth, pois para o teólogo da Basiléia a contradição entre Deus e o homem, significava a limitação do segundo em alcançar o primeiro. Deus sendo “o totalmente outro”, não pode ser alcançado pela razão em função desta ter sido prejudicada por causa da queda. No entanto, há uma trincheira entre os dois teólogos, pois para Emil Brunner esta “incapacidade” não é total e plena. O homem, segundo ele, é capaz de voltar-se para Deus e compreendê-lo, pois a queda não destruiu completamente esta possibilidade. Ainda há no homem as condições que permitam seu contato com o Sagrado. Portanto, Brunner diz que a contradição entre Deus e homem age no mesmo como uma “força de atração”. São opostos e, logo, se atraem. Com esta compreensão, fica então patente que Emil Brunner, é claro, não concorda com a depravação total tão defendida pelos calvinistas e de quem Barth sentia-se alinhado. Para Karl Barth não há nada no homem que o torne em condições naturais de receber a Revelação de Deus, pois o mesmo se encontra em total estado de queda e depravação. Ainda que seja possível para este a realização de boas obras, que visem minorar os sofrimentos humanos, tais inclinações não são intensas a ponto de nos colocar favoravelmente diante do Criador. Destarte, a contradição entre Deus e o homem é incongruente. Deus é pura transcendência e não pode ser objeto da razão, pois esta está aprisionada pelo pecado. Já a insistência de Brunner em enxergar no homem uma capacidade inerente, o levou a ser fortemente criticado por Barth. Brunner, aliás, passaria o resto de sua vida tentando se explicar e se defender das acusações de Karl Barth, que via em suas formulações uma reaproximação com a teologia católica da apreensão natural do homem sobre a revelação.
O PONTO DE CONTATO
Para explicar a maneira como seria possível ao homem chegar a Deus por meios inerentes, mesmo admitindo que o mesmo é um ser atingido, manchado e alijado pelo pecado, Emil Brunner desenvolve um conceito que ele chamou de “Ankniipfungspunkt” ou “ponto de contato”. Assim, a razão humana é dotada de uma disposição natural para receber a revelação de Deus. Vejamos como ele a define:
“Se o homem fosse apenas um objeto em que Deus faz alguma coisa, um recipiente no qual Ele derrama alguma coisa, então se poderia falar da revelação mesmo sem conhecer nada do ser que sofre a ação. Contudo, já que ela é um encontro pessoal, é necessário aprender a conhecer a pessoa a cujo encontro Deus vai e o modo como essa pessoa se apresenta para tal encontro com Deus... O fato de que Deus se manifesta mediante sua Palavra pressupõe que o homem seja um ser criado para esse gênero de comunicação através da Palavra... Esse fato, já evidente em si mesmo, deve ser tanto mais fortemente ressaltado quando se sabe que uma falsa explicação da sola gratia e o temor de cair na doutrina pelagiana ou na do sinergismo levaram a ponto de trocar a pura receptividade do homem na Revelação por uma passividade objetiva, em que à parte do homem poderia ser geralmente eliminada”.
Ou seja, se Deus ao se manifestar não encontra um homem que lhe seja idôneo para corresponder-lhe, tal manifestação seria desnecessária. Ele só o faz porque o homem mantém suas faculdades em condições de atender o Criador. O homem pode receber a Palavra e o Espírito Santo, pois ele tem um “ponto de contato”, uma “imago Dei” formal, que foi mantida a despeito do pecado.
Ao ser duramente criticado por Karl Barth, Brunner se defendeu dizendo que sua formulação não negava a doutrina reformada de “sola gratia”, pois este “ponto de contato” era apenas a capacidade não perdida de receber a Palavra, no entanto, o “crer” e “ouvir” dependeria da própria Palavra de Deus. Ou seja, todo homem é capaz de receber a Palavra de Deus, mas crer nesta Palavra depende da própria Palavra, pois a fé é uma obra divina e é a própria Palavra que a comunica.
Para Emil Brunner há a perfeita coordenação entre a Graça e a Razão, visto que a primeira, sendo de caráter subjetivo, nos fornece um conhecimento de Deus mais eficiente, pois a razão, que é de caráter objetivo e natural, nos fornece também um conhecimento sobre Deus, porém “opaco e incerto”. Portanto, Brunner não exclui o conhecimento natural, porém o considera incompleto, sendo, então, necessária à influência da graça divina. Este conhecimento natural defeituoso e insuficiente é sim fruto do pecado, mas é existente, pois o pecado não aniquilou o conhecimento do homem sobre Deus e sim o fragilizou e, por causa disso, a dependência de Deus continua, apesar do pecado.
CONTEXTUALIZAÇÃO
Mesmo que inconsciente a teologia de Brunner se faz sentir no evangelicalismo contemporâneo, pois apesar de não se falar em uma “bondade inerente” ou conhecimento próprio, o movimento evangelical no Brasil, na prática, abandonou as doutrinas da depravação total e “sola gratia”. A devida miséria e incapacidade humana em se achegar a Deus não são mais acentuadas. Fala-se muito nas pessoas que estão com “sede de Deus” e “tomar posse”, pela fé, como se esta fé pertencesse ao homem, podendo este, quando bem quiser, depositar em Jesus. Não se fala mais de um pecador perdido, morto espiritualmente em delito e pecado e que se não for pela graça de Deus para regenerá-lo dando-lhe o dom da fé, o mesmo está condenado. A forma como a evangelização é feita não leva em conta a total dependência do homem em relação a Deus para ser salvo. É como se à parte de Deus já estivesse feita e agora quem age é o homem que basta depositar sua fé. Ou seja, há no próprio homem o poder para crer. O seu livre-arbítrio é a faculdade que toma a decisão, ou não, de abraçar o Cristo da fé. Portanto, ainda que não se fale uma “imago Dei” presente no homem, ou, em “ponto de contato”, a forma como o evangelicalismo se desenvolve no Brasil se alinha com as convicções de Emil Brunne
CONCLUSÃO
Seria o Brunnerianismo uma forma de semipelagianismo? Parece-nos que sim, pois o semipelagianismo, típico do evangelicalismo contemporâneo, admite um homem que é um pecador, cujas faculdades foram corrompidas em função do lapso no Édem. No entanto, também admite que este pecador, apesar de seu estado de escravidão espiritual, pode por si mesmo chegar a Deus. É claro que o semipelagianismo declara que a salvação pertence ao Senhor e que o pecador é salvo pela graça, porém está é apenas uma influência sobre o pecador, que tendo condições de se voltar para Deus, recebe tal influência e decide se entregar. É desta forma que se evangeliza no Brasil. Assim, empregando os métodos adequados, dizem eles, o homem virá a Deus.
Apesar de seu protestantismo, Brunner não considerou os efeitos completos da queda. O homem está morto. Não há nele sequer a menor condição de uma reconciliação. O homem natural segue o curso do próprio coração (Ef. 2: 3) e está separado de Deus. Sua única chance é a graça que regenera, comunica a fé e promove o arrependimento. É a graça de Deus que restaura e redireciona as faculdades do homem, garantindo assim, eficazmente, o acesso à reconciliação com Deus.
domingo, 14 de novembro de 2010
Crises na Vida do Pastor e Seus Reflexos na Família
POR: Isaltino Gomes Coelho Filho
INTRODUÇÃO
Para iniciar esta minha palavra, apresento minhas credenciais. Tenho dois filhos, um casal. Ele é diácono e ela é crente atuante, de testemunho evangelístico. Ambos têm cursos
seculares, mas fizeram disciplinas avulsas na Faculdade Teológica Batista de Campinas. Ele ainda fez uma, na Faculdade Batista de Teologia do Amazonas. Minha esposa, após 37 anos de casados, ainda anota meus sermões. Registra todos os esboços em sua Bíblia. Costumo dizer que sua Bíblia tem mais palavras de Isaltino que palavra de Deus. Ela me leva a sério.
Não sou melhor nem pior que outros pastores. Apenas quero ressaltar que o quesito família deu certo em minha vida. As pessoas mais próximas de mim, que partilham de intimidade, crêem no que prego. Carrego como condecoração a apresentação que meu filho fez quando preguei na igreja em que ele era vice-presidente: “Vai pregar o meu pai. Meu pai é um homem da Bíblia. Ele vive o que prega e prega o que vive”. Quem me conhece intimamente sabe quem sou eu e me admira e respeita. Isto me basta. Minha família sabe que vivo minha fé e vivo o ministério pastoral. Vou falar com coração. E convicção.
Mas como pastor, tive crises de pensar em abandonar o ministério. Tive crises doutrinárias, denominacionais e de fé. Quem as nunca teve, receba meus sinceros parabéns, sem ironia. Quem as teve sabe do que falo. Nós, que tivemos e temos crises, não somos inferiores aos que nunca tiveram e não as têm. Mas esta não é a questão fundamental. A questão é: como manter a família imune aos efeitos de nossas crises ou como minimizar esses efeitos? Vamos caminhar por aqui. Dividi esta palestra da seguinte maneira: (1) Os diferentes tipos de crise; (2) Porque elas surgem; (3) Como tratar as nossas crises; (4) Como proteger a família; (5) Questões práticas; Conclusão. Comecemos, então, pelos diferentes tipos de crise que enfrentamos.
1. OS DIFERENTES TIPOS DE CRISES
Alisto quatro tipos de crises, que me parecem ser as mais comuns no ministério pastoral.
(1) A primeira é a crise de vocação. Entramos no ministério cheio de ideais, mas as coisas começam a dar errado. Os desacertos são maiores do que os acertos e se a pessoa é reflexiva, logo lhe vem uma dúvida: “Sou mesmo vocacionado para isto?”. Reconheço que meu primeiro pastorado foi um fracasso. Eu era muito novo, entrado nos vinte anos. Tinha, entre muitos, dois defeitos mortais em sua combinação: era inexperiente e arrogante. As coisas não davam certo. Orei muito diante dos problemas e sofri muito com a situação. No início, pensava que o erro era da igreja e do povo, mas depois de algum tempo descobri que o erro estava comigo. Alguns colegas que passaram pela mesma situação, desistiram do ministério ou fizeram-se esta pergunta. Não desisti. Nem fiz a pergunta. Tomei outro caminho. Dei-me uma segunda oportunidade. Apeguei-me a isto: “Eu tenho uma seqüência de experiências espirituais que me dão certeza de que sou vocacionado”. Achei que valia a pena insistir.
Se há uma lição que aprendi e que posso repartir é esta: não se precipite nem tome decisões no calor da frustração. Saiba esperar. Nós, pastores, nem sempre sabemos esperar. Queremos resultados imediatos, queremos sucesso em nosso trabalho. Desejar sucesso no trabalho é algo justo, ainda mais quando se tem a convicção de que o que está se fazendo é um trabalho para Deus. O problema é muitas vezes ouvimos relatos triunfalistas e nos frustramos se não temos relatos semelhantes. Nossas ovelhas ouvem tais relatos e nos cobram o mesmo sucesso. Então vem a pergunta: “Por que não acontece assim comigo? Acho que não sou do ramo!”.
(2) A segunda crise é de espiritualidade. As frustrações e as derrotas nos derrubam espiritualmente. Em vez de nos dedicarmos e apegarmos a Deus, nós o deixamos de lado. É o conhecido mecanismo de não buscar a Deus nas horas de decepção. Nós nos comparamos aos outros. Esquecemos a individualidade de cada um de nós. Vivi esta experiência, de me comparar com outro e me depreciar, e já com mais de trinta anos de ministério. Convidei o Pr. Renato Cordeiro de Souza para efetuar pregações na igreja do Cambuí, que eu pastoreava, então. Após as pregações do colega, senti-me profundamente abatido, e disse para Meacir: “Estou mal, muito mal. Eu nunca serei um pastor como o Renato, nunca serei espiritual como o Renato, nunca pregarei como o Renato. Acho que não sirvo para ser pastor”. Ela me disse: “Não, você nunca será como ele, mas você vai ser um pastor como o Isaltino é, será espiritual como o Isaltino é, e pregará como o Isaltino prega”. Aquilo me ajudou.
Como caí nesta esparrela de me comparar com alguém? Recordo-me que quando eu estava com 26 anos, no meu quarto ano de ministério, que um colega, entrando meu gabinete, vendo a mesa, os livros, o lugar de trabalho, me disse: “Então, este é o lugar das grandes batalhas com Deus!”. Fiquei sem saber o que dizer. Na realidade, nunca tive grandes batalhas com Deus. Sou mais Samuel (“Fala, pois o teu servo está escutando!” – 1SM 3.10, LH) que Jeremias (“Ó SENHOR Deus, tu me enganaste, e eu fiquei enganado. Tu és mais forte do que eu e me dominaste. Todos zombam de mim, caçoando o dia inteiro” – Jr 20.7-9, LH) e Jonas, com sua briga com Deus. O colega tinha batalhas com Deus, e eu não. Não éramos um melhor ou pior que o outro, mas apenas éramos de temperamentos diferentes. Com 26 anos eu entendia isto, e com 50 desaprendi! É que emoções não se racionalizam. Elas vêm e nos derrubam. Cuidado com elas!
(3) A terceira crise é de ordem eclesiástica. É no âmbito da igreja que pastoreamos ou do trabalho que fazemos. Queremos, como pessoas normais, reconhecimento pelo nosso trabalho, ansiamos por respeito como trabalhadores que levam a sério o que fazem, almejamos e sucesso em nossa atividade. Somos muito cobrados e nem sempre gratificados (o termo aqui tem conotação emocional; podemos ser bem pagos e pouco gratificados). É curioso que até mesmo nas datas especiais em que nos homenageiam (como o dia do pastor ou aniversário de pastorado), os versículos que são lidos versam sobre a responsabilidade do pastor e seus deveres, aumentando-lhe o fardo e uma possível crise que esteja incipiente. Nunca vi lerem versículos sobre a obediência devida pela igreja ao pastor. Nunca alguém foi me homenagear e leu para a igreja “Obedecei a vossos pastores, e sujeitai-vos a eles” (Hb 13.17, Almeida Revista e Corrigida) ou “Os presbíteros que fazem um bom trabalho na igreja merecem pagamento em dobro, especialmente os que esforçam na pregação do evangelho” – 1Tm 5.17, LH). Aos irmãos presbiterianos lembro que para nós, batistas, “presbítero” e “pastor” designam a mesma função. Respeito-os, mas isto é apenas para lembrar o sentido da minha frase. O ponto é este: até as homenagens que nos acabam nos massacrando. Lêem um texto ou fazem um jogral que ressalta os deveres pastorais ou que idealizam a figura do pastor num nível em que qualquer pastor honesto sabe que não chegou lá.
Muito pastor se esgotou emocionalmente no serviço, por dar-se ao rebanho, e em troca receber incompreensão ou comentários bem dimensionados sobre suas falhas. Como diz um email que recebi: “Pastor, às você chora, e ninguém vê sua lágrima; você sorri, mas ninguém vê seu riso; mas cometa uma falha…” . Sem querer defender a classe: reconheço que os pastores prestaremos contas a Deus do que ele nos confiou (e isso me assusta!), mas muitas igrejas e muitos donos de igreja darão contas a Deus das dores que causaram a pastores… Há crentes que são especialistas em machucar pastor. Na história da sua igreja, em todas as crises que ela viveu, tais crentes estavam presentes, e não como espectadores, mas como agentes. Há crentes com tradição neste ramo… Basta ler as atas da igreja e ver que nas grandes crises há o dedo deles.
(4) O quarto tipo de crise são as familiares. Somos humanos. Somos gente como qualquer um. Queremos amor, queremos respeito, ansiamos por um lar em que nos sintamos bem. Ouvimos queixas da igreja e aí vamos para casa de cabeça cheia, querendo um buraco para nos escondermos do mundo. Então, lá chegando, ouvimos queixas dos filhos e da esposa. Com honestidade, diante de Deus: minha esposa e meus filhos são admiráveis e nunca me criaram dificuldades. Tiraram-me, muitas vezes, como instrumentos de Deus, do fundo do poço. Mas sei de colegas, que me abrem o coração, que nem sempre isto é experimentado por eles. Diziam os ingleses que “o lar de um homem é seu castelo”. O meu sempre foi, graças a Deus e à excepcional figura de Meacir Carolina. Como eu disse na dedicatória que lhe fiz em meu comentário sobre Atos, é “a mais extraordinária pessoa que conheci”. Mas há momentos em que o pastor chega em casa e não tem apoio. Há lares pastorais em conflitos, e, seja quem for que esteja errado, isto o desestrutura. Antes de dar mais bordoada no coitado, que ajuda podemos lhe dar? Que podem as igrejas e as ordens fazer, além de demitir do pastorado e o coitado ser mal visto na Ordem?
QUAL É O RESULTADO DE TUDO ISTO? Muitas vezes é frustração, desequilíbrio, e abandono da vocação. Os reflexos se fazem sentir na família. Por vezes, o pastor cai no ativismo para se justificar e para ver se agrada a Deus e assim Deus se condói dele (como nos esquecemos da graça e como caímos na meritocracia!). Alguém comentou um dia sobre um pastor que se orgulhava de não tirar férias há seis anos e que se mantinha ocupado todas as noites na atividade ministerial. Quando a esposa o deixou, ele se perguntou “Por quê?”. Creio que não era preciso dar nenhuma resposta.
A alternativa que eu apontaria aqui é esta: não despejar nossas frustrações em casa nem esperarmos ter em casa o reconhecimento que queremos da igreja. São esferas diferentes, analisadas por perspectivas diferentes. Devemos entender que as decepções com a igreja ou denominação não devem ser transferidas para casa, de maneira nenhuma. Lembremos que nossa casa é nossa local de retempero, é o nosso hospital emocional, é o nosso lugar de consolo. Nossa esposa é nossa amiga e não a rival da igreja, nem um estorvo em nossa função. É a mulher que Deus nos deu. E os filhos são herança do Senhor, como diz o Salmo 127.3. É sempre necessário dar mais amor à família que ao rebanho. E sobre isto falo um pouco mais à frente.
2. PORQUE ELAS SURGEM
Aponto quatro razões, dentre muitas, pelas quais nossas crises surgem.
(1) A primeira razão é um elevado conceito de si mesmo. Há pastores que se têm em conta exagerada. Esquecem que são fracos e falíveis, e se julgam superespirituais, acima das questiúnculas humanas. Sem sarcasmo, alguns parecem ter complexo de ser a quarta pessoa da trindade. A forma como falam de si nos leva a ver assim. Alguns até usam o plural majestático, ou falam de si na terceira pessoa, como o Pelé costuma fazer. Com esta mentalidade, duas atitudes os acometem: 1) Nada de ruim lhes acontecerá porque estão acima dessas coisas que afligem os mortais e pecadores; 2) Se eventualmente algo lhes suceder, tal algo não prosperará (há até um corinho que diz que “nenhuma arma forjada contra ti prosperará”), pois eles são pessoas especiais de Deus, que os protegerá. “Portanto, aquele que pensa que está de pé é melhor ter cuidado para não cair” (1Co 10.12, LH). Notemos que não é “aquele que está de pé”, mas “aquele que pensa que está de pé”. A auto-suficiência precede a queda. E quando as coisas começam a dar mal, vem a crise, se o sujeito é auto-suficiente.
(2) A segunda razão é um elevado nível de expectativas que o obreiro cria para si e para seu ministério. No início de meu ministério, eu esperava que houvesse decisões e mais decisões, conversões aos montes, e pensava em organizar três ou quatro igrejas em curto espaço de tempo. Lia relatos mirabolantes de pastorados alheios, e pensava que aquilo também aconteceria comigo. Era bastante ingênuo na casa dos vinte anos e cria em tudo que ouvia; hoje dou grande desconto ao que ouço e compro a prazo. E descobri que há obreiros que exageram em seus relatos. Mas quando não acontecia comigo o mirabolante acontecimento alheio, eu me inquietava. Mas eu também esperava mais da igreja. Idealizava uma igreja num nível impossível de acontecer: todos santos, todos evangelistas, todos dizimistas, todos consagrados, todos me hipotecando apoio irrestrito. Na realidade, ainda me frustro com as respostas lentas e com o fato de as coisas não andarem no ritmo que eu gostaria que andassem. Estas expectativas que não se concretizam acabam produzindo uma crise enorme, que traz profundo desconforto e insegurança.
(3) A terceira razão é um elevado nível de cobrança. Eu me cobrava muito. Ficava arrasado quando pregava mal (ainda acontece isto, então vejam que sempre fico arrasado quando prego) e deprimia-me quando alguma coisa falhava. Por exemplo, se aconselhava um casal e ele se divorciava, eu entrava em parafuso. Onde foi que eu falhara? Que poderia ter feito melhor? Como outros pastores “consertavam” casamentos e eu não conseguia? Via estes insucessos como derrota pessoal e me sentia indigno da vocação. Custei a parar de me cobrar nos insucessos.
É um problema muito sério quando o pastor se identifica tanto com seu ministério que vê as coisas que deram erradas como culpa sua. Ele não dissocia o rumo das coisas da sua pessoa. E tão ruim quanto isso é quando ele vê as coisas que deram certas como se fossem mérito seu. No primeiro caso, ele se deprime. Deixa de confiar na graça. No segundo caso, ele se ensoberbece. Assume como sua a glória que é exclusivamente de Deus. Em ambas as circunstâncias, ele deixou de ver a obra como sendo de Deus e passou a vê-la como sua. É bom sempre ter em mente que somos apenas instrumentos e que nossa responsabilidade é sermos instrumentos disponíveis e usáveis.
(4) A quarta razão é por nos desligarmos do mundo real. Os pastores vivemos num mundo de conceitos e de sonhos, que não é o mundo real em que as pessoas vivem. Não tomamos ônibus cheio nem almoçamos no refeitório da fábrica. Muitos de nós almoçamos em casa. Não marcamos ponto, nem batemos cartão, mas fazemos nosso próprio horário, sem prestarmos contas a ninguém disto. E lemos livros e revistas que ninguém lê. Discutimos assuntos que a nós parecem tão importantes, mas que são absolutamente irrelevantes para as pessoas. Vivemos num mundo paralelo ao mundo em que as pessoas vivem. Há pastores que sequer sabem o preço dos produtos alimentícios. Mas conhecem as nuances dos diferentes pensamentos de filósofos e teólogos. Ignorantes do mundo que importa às pessoas, muitos nos tornamos irrelevantes para elas. Esta quarta razão desencadeia uma série de atitudes em nossa vida que levou a alguém a definir o pastor como “alguém invisível durante a semana e irrelevante no domingo”. Assim, muitos de nós pregamos o que não interessa a ninguém. Será que, realmente, as pessoas reais estão interessadas em dicotomia e tricotomia, a ponto de isto demandar uma exaustiva análise do púlpito durante três domingos? Ninguém de vida cotidiana normal perde sono com heteus, cananeus e jebuseus. As pessoas perdem sono com coisas reais, como desemprego, enfermidades, vida vazia, marido pulando cerca, mulher frigida, filhos desobedientes, e não com “a conceituação dos grandes términos escatológicos”.
RESULTADO: O resultado é a nossa incapacidade de lidar com o mundo que nos cerca. E ficamos surpreendidos quando o mundo real, o mundo lá fora, triunfa sobre o nosso mundo conceitual, aquele que criamos em nossa mente e projetamos como sendo o mundo em que as pessoas devem viver. O processo hermenêutico da Universal do Reino de Deus é, sendo gentil, inusitado. Mas funciona porque seus pastores falam de coisas reais para as pessoas reais. As pessoas querem respostas e não lucubrações. Elas vivem num mundo de racionalizações durante toda a semana, e no domingo tomam mais uma dose extra de racionalização e conceitos do púlpito, quando este é o mundo em que o pastor vive. E há o aspecto familiar, aqui. Um pastor, sabedor que seu filho estava envolvido com drogas, disse: “Eu nunca pensei que isto fosse acontecer comigo”. Era um bom pai, crente extraordinário, e homem de absoluta integridade, mas vivia num mundo irreal, em que essas coisas não aconteciam com os crentes, menos ainda com pastores. Ignorava o que era a vida real. Muito do nosso mundo ideal não existe.
A alternativa que vejo aqui é não nos colocarmos como pessoas a receber tributo em casa, mas sim como doadores, como tributadores. Em casa devemos elogiar, agradecer, mostrar amor e ternura à família. Dar-lhe segurança. Se temos carências, a família pastoral mais ainda. O filho do pastor vê seu pai ser cortês e atencioso com os filhos dos outros, e ausente com ele. A esposa do pastor vê o marido ser gentil com outras mulheres (e isto sem segundas intenções), mas não vê o marido ser atencioso para com ela. O ministério não pode nos colocar num mundo de ilusões e não pode nos levar a esquecer nossa esposa e nossos filhos. Se a igreja é a cara do pastor, a família do pastor é o retrato exato do que ele lhe dedica. O mundo real é de crianças que brigam entre si, despensa que precisa ser enchida, contas por pagar, esposa que quer atenção, vizinhos encrenqueiros. Muito antes de Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa, dizer que “viver é perigoso”, Mrs. Dalloway, de Virginia Wolf, dissera: “sempre sentia que era muito, muito perigoso viver, por um só dia que fosse”. A vida não são idéias, mas tensões.
3. COMO TRATAR AS NOSSAS CRISES
Isto não é um tratado sobre crises pastorais, mas apresento sugestões que podem ser bem ponderadas e, depois de filtradas, aplicadas.
(1) A primeira maneira de tratar nossas crises é não as minimizando. Alguns, exatamente por terem um alto conceito de si, minimizam-nas, não as consideram seriamente e as empurram com a barriga. Se não são para desesperar, elas são sintomas de perigo, que exigem mudanças de atitudes, de estilo de vida, de hábitos. Leve-as a sério. Sem entrar em pânico, pense seriamente no que está acontecendo. Não as ignore e comece a pensar em tratá-las, antes que se avolumem. Numa ocasião, “este que vos escreve” foi extrair uma verruga que crescera e que se tornara esteticamente incômoda. O médico que o atendeu disse que ele chegara em bom tempo. Se tivesse demorado acabaria tendo problemas. Não procrastine o encarar os problemas.
(2) A segunda maneira de tratar nossas crises é não as superdimensionando. É o oposto do comentado no tópico anterior. Alguns, também pelo alto conceito de si, superdimensionam suas crises. Acham que, sendo especiais, não deveriam ter dificuldades nem crises, e entram em parafuso. Culpam-se, duvidam de sua vocação, culpam a igreja (já mencionei um pouco disto, anteriormente). Não era para aquilo acontecer, afinal, “tudo que o justo fizer, prosperará”, e eles se não prosperam, ou não são justos ou os ímpios os obstaculam. Pode ser que não haja culpados, e apenas circunstâncias. Pode ser que tudo faça parte do propósito de Deus, dentro de sua soberania. Ele pode estar amadurecendo pessoas ou preparando ambientes. Pergunte-se o que Deus está fazendo e como está conduzindo a questão. Não se apavore. Deus sempre está trabalhando em nossas vidas.
(3) A terceira maneira de tratar nossas crises é não as transferindo. Magoados ou deprimidos, culpamos os outros e descarregamos na família. É o velho e conhecido mecanismo de chegar em casa chutando a porta e pisando no rabo do cachorro. É bom se esforçar e tentar ter serenidade no trato com quem não tem nada a ver. O maior erro que podemos cometer, em relação à nossa família, é deixá-la em insegurança na maneira de se relacionar conosco. Um chefe de família consciente oferece tranqüilidade à família, e nunca a desestabiliza. Por maior que seja a dificuldade, aquiete sua esposa e os seus filhos. Eles precisam de segurança e dependem de você para que isto aconteça. Satanás já trabalha bastante com nossa família. Se há algo que não precisamos nem devemos fazer é dar-lhe munição.
(4) A quarta maneira de tratar nossas crises é nos lembrando que o que pregamos para os outros se aplica a nós. Dizemos ao povo para buscar a Deus quando a coisa fica feia, mas nem sempre o fazemos quando fica feia para nós. O remédio que prescrevemos aos outros serve para nós. Alguns pastores parecem ter se esquecido que são crentes, no sentido de que o receituário do púlpito é para eles, também. Continuamos membros da igreja, sujeitos a ela, dependentes dela, e aprendendo o que ela ensina. O pastor não é dono da igreja e não está acima dela.
A maneira de alguns pastores procederem em assembléias convencionais mostra que eles não aplicam a si mesmos o que esperam de suas ovelhas. Se suas ovelhas procedessem em uma assembléia da igreja como eles procedem numa assembléia convencional, eles moveriam os pauzinhos para defenestrá-las. Os pastores são as pessoas de conduta mais indisciplinada que há, quando se trata de discutir assuntos do reino. Alguns agem como se não fossem crentes em Jesus Cristo. Isto porque não aplicam a eles o que aplicam ao povo. Mas nós somos povo de Deus e devemos proceder como esperamos que os demais procedam, inclusive na questão de dependência de Deus.
(5) A quinta maneira de tratar nossas crises é aprendendo delas. Elas não devem passar em branco em termos de acrescentar alguma coisa à nossa experiência. Não é necessário repetir os mesmos erros. Até mesmo porque há erros novos por cometer (por favor, isto é um chiste – e, por favor, não analisem à luz do conceito freudiano de chiste). Devemos aprender as lições e amadurecer das crises. Dizemos que elas são oportunidades. Que sejam para nós, também.
RESULTADO (OU RESUMO): Precisamos reconhecer a nossa vulnerabilidade espiritual e emocional, depender de Deus, ter humildade para reconhecer os erros e saber pedir desculpas. O pastor precisa buscar ser melhor cada dia. Muita gente melhora como obreiro, mas infelizmente piora como ser humano. Há santos que são horrorosos no relacionamento com os demais. Eles são tão santos que não mais conseguem conviver com pecadores. É bom evitar a duplicidade: ser algo espiritualmente e ser completamente diferente como pessoa. Um pastor precisa ser cristalino. O “duplipensar” de George Orwell não pode ser um “dupliagir” pastoral.
4. COMO PROTEGER A FAMÍLIA
Como proteger nossas famílias, tanto da maldade de alguns bodes travestidos de ovelhas quanto de nossas falhas e limitações? A família pastoral sofre muito. Muita gente tenta atingir os familiares do pastor para magoá-lo. E ela ainda sofre com atitudes nossas. Como protegê-la?
(1) Devemos lembrar que somos os pastores da nossa família. Crentes sinceros, amigáveis, têm o costume de chamar a esposa do pastor de “primeira dama”. É uma maneira carinhosa (penso!). Mas devemos ter em conta que a nossa esposa não é a primeira dama, mas é a primeira ovelha. Sempre deixei bem claro para as igrejas que pastoreei que se tivesse que escolher entre a igreja e minha esposa, a igreja sobraria. Igrejas há muitas. Esposa, só tenho uma, e só quero aquela. Os filhos do pastor são suas ovelhas. Devem ser cuidados e protegidos por ele. E mais que o restante do rebanho. Lembremos da tragicidade de Cânticos 1.6 (VR): “Não repareis em eu ser morena, porque o sol crestou-me a tez; os filhos de minha mãe indignaram-se contra mim, e me puseram por guarda de vinhas; a minha vinha, porém, não guardei” (o itálico é meu). Ela guardou a vinha dos outros, mas não cuidou da sua. Pastor, nunca aconteça que você cuide dos filhos dos outros e se esqueça de cuidar dos seus. Ou que se preocupe com a situação das esposas dos outros e descuide da sua esposa. É dever do pastor cuidar e proteger a sua família. Nunca deve oferecê-la no altar do sucesso ministerial. Primeiro porque Deus não pede isto, e depois porque se arruinará também, além de ter que prestar contas pelos seus familiares. Uma das condições sine qua non para um obreiro ter respeitabilidade é esta: “que governe bem a sua própria casa, tendo seus filhos em sujeição, com todo o respeito (pois, se alguém não sabe governar a sua própria casa, como cuidará da igreja de Deus?)” (1Tm 3.4-5, VR).
(2) Devemos criar e manter uma cumplicidade na família. “Cumplicidade” não significa apoio no erro, mas sim tornar a família coesa, fechada, unida contra investidas externas. Qualquer investida contra ela fracassa, porque não há brechas no relacionamento. O pastor é um dos responsáveis, como chefe da família, em criar um vínculo de unidade nas relações domésticas. Como homem, ele é o chefe da família não apenas para receber tributo (como alguns homens parecem pensar), mas para dar o rumo por onde todos devem seguir. Ele ama os filhos e a esposa e lhes diz isto, lhes faz sentir isto e mostra isto no trato. Ele nunca permite que gente de fora seja mais importante que gente de casa e nunca deprecia o que é seu.
(3) Uma questão óbvia, mas que muitos ignoram: devemos sempre evitar levar os problemas da igreja para casa. Alguém dirá: “Isto é impossível!”. Não, não é. Nas ocasiões em que trabalhei em administração de instituições de ensino teológico, eu não tinha um número sequer de telefone de nenhum professor em casa. Sei que com igreja é diferente. Mas esforce-se e ensine a igreja a não ver sua casa como extensão das reuniões administrativas da igreja e de aconselhamento pastoral. Tanto quanto possível, evite isto. Eventualmente poderá suceder isto, mas não trivialize. Não crie o hábito. No início de meu ministério, a casa pastoral era ao lado da igreja. Estava sentado junto ao púlpito, pastor novo, de 23 anos, enquanto o coral cantava, quando um homem se sentou ao meu lado e me pediu a chave da minha casa para ir ao banheiro. Eu lhe disse para usar o da igreja e ele me respondeu que o da igreja era ruim e o da minha casa era bom, porque a igreja o reformara. Tornei a negar e lhe disse que o banheiro da minha casa era para mim e para minha esposa, e que ele se levantasse na assembléia e propusesse a reforma dos banheiros da igreja. Ele foi abusado, mas só daquela vez. Nunca mais agiu assim. Cortei-o e também cortei um costume: quando eu menos esperava havia quatro ou cinco pessoas dentro de minha casa, simplesmente por abrirem a porta e entrarem. Não tínhamos privacidade no lar.
Não confundam isto com ausência de hospitalidade. São valores diferentes. Ser hospitaleiro e receber bem as pessoas são uma coisa. Mas ter uma esposa recém-casada dividindo o banheiro com gente que ela desconhece e cinco ou seis desconhecidos invadindo seu espaço, inclusive seu quarto, é outra.
Nunca permita a quebra de privacidade do seu lar, nem a invasão eclesiástica de seu domicílio. Não se trata da questão do uso do banheiro, mas sim da mistura de ambientes. Sua casa é lugar de recolhimento com sua família. Nela, você recebe quem você quer receber ou quem precisa de sua ajuda, e não quem nada tem a fazer.
RESULTADO (OU SOMA): Não ponha a família vivendo em função de você ou de seu ministério. Respeite a individualidade de cada um. Veja-os como membros de seu lar, sob seus cuidados. Não os exponha. Viva para ela, a família, e procure mantê-la a salvo de membros de igreja que por vezes são cruéis ou maledicentes. Proteja seu lar. Guarde seu espaço doméstico.
5. QUESTÕES PRÁTICAS
Atrevo-me, agora, a alinhavar algumas sugestões de ordem prática, nesta área. Algumas dessas questões desdobram o que disse anteriormente.
* Evite atender gente em sua casa. A casa é o local de repouso e refrigério. Há pastores que têm o gabinete pastoral em casa. Respeito sua decisão, que por vezes é uma contingência, mas peço-lhes, humildemente, que tenham bastante cuidado para não expor a família. Seus filhos não precisam ver casais chorando ou gente brigando em sua própria casa. E precisam ter a intimidade preservada, bem como sua esposa. Como disse um amigo, “casa é o lugar onde um homem pode andar sem camisa, e uma mulher pode ficar de short”. Mas com a casa cheia de gente de fora isto não é possível.
* Evite comentar problemas da igreja em casa. Não traga a crise, voluntariamente, para dentro de casa. Ela virá, inevitavelmente, com o tempo. Não apresse a chegada de problemas. Sua responsabilidade é proteger e não expor sua família.
* Mude o papel que desempenha em casa; seja marido e pai, e não o oficial da igreja. Há pastores que impostam a voz até em casa, e, pasmem, chamam a esposa de “irmã Fulana”. Até a oração à mesa, na hora da refeição, é imponente e tonitruante, como se feita num templo.
* Valorize a família mais que a igreja local. Igreja há muitas, mas família só há uma. Sobre sua esposa, lembre-se de Provérbios 18.22: “Quem encontra uma esposa acha uma coisa boa; e alcança o favor do Senhor” (VR). Sobre os seus filhos, lembre-se do Salmo 127.3: “Eis que os filhos são herança da parte do Senhor, e o fruto do ventre o seu galardão”. Sua esposa e seus filhos são jóias valiosas que o Senhor lhe confiou. Não perca essas jóias. E não as troque por bijuterias.
* Seja sensível aos anseios e reclamos da sua família. Sua conduta com ela é um termômetro de como andam sua vida e suas prioridades. Um pastor contou, com orgulho, que seu filho lhe pediu para marcar uma audiência, já que ele era um homem ocupado. Que pena! Nossa família não pede audiência, mas tem nosso tempo a qualquer hora. Deve saber que o marido e o pai estão acessíveis a qualquer instante.
* Veja sua família como um dom de Deus. Ele deu pastores à igreja (“E ele deu uns como apóstolos, e outros como profetas, e outros como evangelistas, e outros como pastores e mestres” – Ef 4.11, VR), mas ele nos deu uma esposa (Pv 18.22) e filhos (Sl 127.3). Sua igreja um dia terá outro pastor. Talvez melhor que você. Mas sua esposa quer você como marido, e seus filhos querem você como pai. Principalmente com seus filhos, lembre-se: você terá um sucessor no pastorado, mas nunca poderá ter um sucessor como pai. Se tiver, é porque fracassou. O melhor pastor do mundo é substituível. Um bom pai é insubstituível.
CONCLUSÃO
Terminar uma palestra destas é mais difícil que começar. Mas a questão pode ser bem simples. Ouvimos dizer, várias vezes, que nenhum sucesso na carreira compensa o fracasso no lar. Isto pode se aplicar ao pastor. De que adianta ser um orador daqueles de embevecer multidões ou um grande líder denominacional, e perder a família?
É mais importante ser um bom mordomo de Deus na sua própria família que ser um bom mordomo na vida alheia. Creio mesmo que isto, uma família desestruturada, nos inviabiliza no ministério. Ao mesmo tempo, ter uma família unida ao redor da cruz e do ministério do pastor é uma bênção e nossa maior credencial a apresentar. Parafraseio Paulo, quando isse: “Não negligencies o dom que há em ti” (1Tm 4.14). Digo “Não negligencies a família que começa em ti”. Pastoreemos nossas famílias e não permitamos que nossas crises a estraguem.
INTRODUÇÃO
Para iniciar esta minha palavra, apresento minhas credenciais. Tenho dois filhos, um casal. Ele é diácono e ela é crente atuante, de testemunho evangelístico. Ambos têm cursos
seculares, mas fizeram disciplinas avulsas na Faculdade Teológica Batista de Campinas. Ele ainda fez uma, na Faculdade Batista de Teologia do Amazonas. Minha esposa, após 37 anos de casados, ainda anota meus sermões. Registra todos os esboços em sua Bíblia. Costumo dizer que sua Bíblia tem mais palavras de Isaltino que palavra de Deus. Ela me leva a sério.
Não sou melhor nem pior que outros pastores. Apenas quero ressaltar que o quesito família deu certo em minha vida. As pessoas mais próximas de mim, que partilham de intimidade, crêem no que prego. Carrego como condecoração a apresentação que meu filho fez quando preguei na igreja em que ele era vice-presidente: “Vai pregar o meu pai. Meu pai é um homem da Bíblia. Ele vive o que prega e prega o que vive”. Quem me conhece intimamente sabe quem sou eu e me admira e respeita. Isto me basta. Minha família sabe que vivo minha fé e vivo o ministério pastoral. Vou falar com coração. E convicção.
Mas como pastor, tive crises de pensar em abandonar o ministério. Tive crises doutrinárias, denominacionais e de fé. Quem as nunca teve, receba meus sinceros parabéns, sem ironia. Quem as teve sabe do que falo. Nós, que tivemos e temos crises, não somos inferiores aos que nunca tiveram e não as têm. Mas esta não é a questão fundamental. A questão é: como manter a família imune aos efeitos de nossas crises ou como minimizar esses efeitos? Vamos caminhar por aqui. Dividi esta palestra da seguinte maneira: (1) Os diferentes tipos de crise; (2) Porque elas surgem; (3) Como tratar as nossas crises; (4) Como proteger a família; (5) Questões práticas; Conclusão. Comecemos, então, pelos diferentes tipos de crise que enfrentamos.
1. OS DIFERENTES TIPOS DE CRISES
Alisto quatro tipos de crises, que me parecem ser as mais comuns no ministério pastoral.
(1) A primeira é a crise de vocação. Entramos no ministério cheio de ideais, mas as coisas começam a dar errado. Os desacertos são maiores do que os acertos e se a pessoa é reflexiva, logo lhe vem uma dúvida: “Sou mesmo vocacionado para isto?”. Reconheço que meu primeiro pastorado foi um fracasso. Eu era muito novo, entrado nos vinte anos. Tinha, entre muitos, dois defeitos mortais em sua combinação: era inexperiente e arrogante. As coisas não davam certo. Orei muito diante dos problemas e sofri muito com a situação. No início, pensava que o erro era da igreja e do povo, mas depois de algum tempo descobri que o erro estava comigo. Alguns colegas que passaram pela mesma situação, desistiram do ministério ou fizeram-se esta pergunta. Não desisti. Nem fiz a pergunta. Tomei outro caminho. Dei-me uma segunda oportunidade. Apeguei-me a isto: “Eu tenho uma seqüência de experiências espirituais que me dão certeza de que sou vocacionado”. Achei que valia a pena insistir.
Se há uma lição que aprendi e que posso repartir é esta: não se precipite nem tome decisões no calor da frustração. Saiba esperar. Nós, pastores, nem sempre sabemos esperar. Queremos resultados imediatos, queremos sucesso em nosso trabalho. Desejar sucesso no trabalho é algo justo, ainda mais quando se tem a convicção de que o que está se fazendo é um trabalho para Deus. O problema é muitas vezes ouvimos relatos triunfalistas e nos frustramos se não temos relatos semelhantes. Nossas ovelhas ouvem tais relatos e nos cobram o mesmo sucesso. Então vem a pergunta: “Por que não acontece assim comigo? Acho que não sou do ramo!”.
(2) A segunda crise é de espiritualidade. As frustrações e as derrotas nos derrubam espiritualmente. Em vez de nos dedicarmos e apegarmos a Deus, nós o deixamos de lado. É o conhecido mecanismo de não buscar a Deus nas horas de decepção. Nós nos comparamos aos outros. Esquecemos a individualidade de cada um de nós. Vivi esta experiência, de me comparar com outro e me depreciar, e já com mais de trinta anos de ministério. Convidei o Pr. Renato Cordeiro de Souza para efetuar pregações na igreja do Cambuí, que eu pastoreava, então. Após as pregações do colega, senti-me profundamente abatido, e disse para Meacir: “Estou mal, muito mal. Eu nunca serei um pastor como o Renato, nunca serei espiritual como o Renato, nunca pregarei como o Renato. Acho que não sirvo para ser pastor”. Ela me disse: “Não, você nunca será como ele, mas você vai ser um pastor como o Isaltino é, será espiritual como o Isaltino é, e pregará como o Isaltino prega”. Aquilo me ajudou.
Como caí nesta esparrela de me comparar com alguém? Recordo-me que quando eu estava com 26 anos, no meu quarto ano de ministério, que um colega, entrando meu gabinete, vendo a mesa, os livros, o lugar de trabalho, me disse: “Então, este é o lugar das grandes batalhas com Deus!”. Fiquei sem saber o que dizer. Na realidade, nunca tive grandes batalhas com Deus. Sou mais Samuel (“Fala, pois o teu servo está escutando!” – 1SM 3.10, LH) que Jeremias (“Ó SENHOR Deus, tu me enganaste, e eu fiquei enganado. Tu és mais forte do que eu e me dominaste. Todos zombam de mim, caçoando o dia inteiro” – Jr 20.7-9, LH) e Jonas, com sua briga com Deus. O colega tinha batalhas com Deus, e eu não. Não éramos um melhor ou pior que o outro, mas apenas éramos de temperamentos diferentes. Com 26 anos eu entendia isto, e com 50 desaprendi! É que emoções não se racionalizam. Elas vêm e nos derrubam. Cuidado com elas!
(3) A terceira crise é de ordem eclesiástica. É no âmbito da igreja que pastoreamos ou do trabalho que fazemos. Queremos, como pessoas normais, reconhecimento pelo nosso trabalho, ansiamos por respeito como trabalhadores que levam a sério o que fazem, almejamos e sucesso em nossa atividade. Somos muito cobrados e nem sempre gratificados (o termo aqui tem conotação emocional; podemos ser bem pagos e pouco gratificados). É curioso que até mesmo nas datas especiais em que nos homenageiam (como o dia do pastor ou aniversário de pastorado), os versículos que são lidos versam sobre a responsabilidade do pastor e seus deveres, aumentando-lhe o fardo e uma possível crise que esteja incipiente. Nunca vi lerem versículos sobre a obediência devida pela igreja ao pastor. Nunca alguém foi me homenagear e leu para a igreja “Obedecei a vossos pastores, e sujeitai-vos a eles” (Hb 13.17, Almeida Revista e Corrigida) ou “Os presbíteros que fazem um bom trabalho na igreja merecem pagamento em dobro, especialmente os que esforçam na pregação do evangelho” – 1Tm 5.17, LH). Aos irmãos presbiterianos lembro que para nós, batistas, “presbítero” e “pastor” designam a mesma função. Respeito-os, mas isto é apenas para lembrar o sentido da minha frase. O ponto é este: até as homenagens que nos acabam nos massacrando. Lêem um texto ou fazem um jogral que ressalta os deveres pastorais ou que idealizam a figura do pastor num nível em que qualquer pastor honesto sabe que não chegou lá.
Muito pastor se esgotou emocionalmente no serviço, por dar-se ao rebanho, e em troca receber incompreensão ou comentários bem dimensionados sobre suas falhas. Como diz um email que recebi: “Pastor, às você chora, e ninguém vê sua lágrima; você sorri, mas ninguém vê seu riso; mas cometa uma falha…” . Sem querer defender a classe: reconheço que os pastores prestaremos contas a Deus do que ele nos confiou (e isso me assusta!), mas muitas igrejas e muitos donos de igreja darão contas a Deus das dores que causaram a pastores… Há crentes que são especialistas em machucar pastor. Na história da sua igreja, em todas as crises que ela viveu, tais crentes estavam presentes, e não como espectadores, mas como agentes. Há crentes com tradição neste ramo… Basta ler as atas da igreja e ver que nas grandes crises há o dedo deles.
(4) O quarto tipo de crise são as familiares. Somos humanos. Somos gente como qualquer um. Queremos amor, queremos respeito, ansiamos por um lar em que nos sintamos bem. Ouvimos queixas da igreja e aí vamos para casa de cabeça cheia, querendo um buraco para nos escondermos do mundo. Então, lá chegando, ouvimos queixas dos filhos e da esposa. Com honestidade, diante de Deus: minha esposa e meus filhos são admiráveis e nunca me criaram dificuldades. Tiraram-me, muitas vezes, como instrumentos de Deus, do fundo do poço. Mas sei de colegas, que me abrem o coração, que nem sempre isto é experimentado por eles. Diziam os ingleses que “o lar de um homem é seu castelo”. O meu sempre foi, graças a Deus e à excepcional figura de Meacir Carolina. Como eu disse na dedicatória que lhe fiz em meu comentário sobre Atos, é “a mais extraordinária pessoa que conheci”. Mas há momentos em que o pastor chega em casa e não tem apoio. Há lares pastorais em conflitos, e, seja quem for que esteja errado, isto o desestrutura. Antes de dar mais bordoada no coitado, que ajuda podemos lhe dar? Que podem as igrejas e as ordens fazer, além de demitir do pastorado e o coitado ser mal visto na Ordem?
QUAL É O RESULTADO DE TUDO ISTO? Muitas vezes é frustração, desequilíbrio, e abandono da vocação. Os reflexos se fazem sentir na família. Por vezes, o pastor cai no ativismo para se justificar e para ver se agrada a Deus e assim Deus se condói dele (como nos esquecemos da graça e como caímos na meritocracia!). Alguém comentou um dia sobre um pastor que se orgulhava de não tirar férias há seis anos e que se mantinha ocupado todas as noites na atividade ministerial. Quando a esposa o deixou, ele se perguntou “Por quê?”. Creio que não era preciso dar nenhuma resposta.
A alternativa que eu apontaria aqui é esta: não despejar nossas frustrações em casa nem esperarmos ter em casa o reconhecimento que queremos da igreja. São esferas diferentes, analisadas por perspectivas diferentes. Devemos entender que as decepções com a igreja ou denominação não devem ser transferidas para casa, de maneira nenhuma. Lembremos que nossa casa é nossa local de retempero, é o nosso hospital emocional, é o nosso lugar de consolo. Nossa esposa é nossa amiga e não a rival da igreja, nem um estorvo em nossa função. É a mulher que Deus nos deu. E os filhos são herança do Senhor, como diz o Salmo 127.3. É sempre necessário dar mais amor à família que ao rebanho. E sobre isto falo um pouco mais à frente.
2. PORQUE ELAS SURGEM
Aponto quatro razões, dentre muitas, pelas quais nossas crises surgem.
(1) A primeira razão é um elevado conceito de si mesmo. Há pastores que se têm em conta exagerada. Esquecem que são fracos e falíveis, e se julgam superespirituais, acima das questiúnculas humanas. Sem sarcasmo, alguns parecem ter complexo de ser a quarta pessoa da trindade. A forma como falam de si nos leva a ver assim. Alguns até usam o plural majestático, ou falam de si na terceira pessoa, como o Pelé costuma fazer. Com esta mentalidade, duas atitudes os acometem: 1) Nada de ruim lhes acontecerá porque estão acima dessas coisas que afligem os mortais e pecadores; 2) Se eventualmente algo lhes suceder, tal algo não prosperará (há até um corinho que diz que “nenhuma arma forjada contra ti prosperará”), pois eles são pessoas especiais de Deus, que os protegerá. “Portanto, aquele que pensa que está de pé é melhor ter cuidado para não cair” (1Co 10.12, LH). Notemos que não é “aquele que está de pé”, mas “aquele que pensa que está de pé”. A auto-suficiência precede a queda. E quando as coisas começam a dar mal, vem a crise, se o sujeito é auto-suficiente.
(2) A segunda razão é um elevado nível de expectativas que o obreiro cria para si e para seu ministério. No início de meu ministério, eu esperava que houvesse decisões e mais decisões, conversões aos montes, e pensava em organizar três ou quatro igrejas em curto espaço de tempo. Lia relatos mirabolantes de pastorados alheios, e pensava que aquilo também aconteceria comigo. Era bastante ingênuo na casa dos vinte anos e cria em tudo que ouvia; hoje dou grande desconto ao que ouço e compro a prazo. E descobri que há obreiros que exageram em seus relatos. Mas quando não acontecia comigo o mirabolante acontecimento alheio, eu me inquietava. Mas eu também esperava mais da igreja. Idealizava uma igreja num nível impossível de acontecer: todos santos, todos evangelistas, todos dizimistas, todos consagrados, todos me hipotecando apoio irrestrito. Na realidade, ainda me frustro com as respostas lentas e com o fato de as coisas não andarem no ritmo que eu gostaria que andassem. Estas expectativas que não se concretizam acabam produzindo uma crise enorme, que traz profundo desconforto e insegurança.
(3) A terceira razão é um elevado nível de cobrança. Eu me cobrava muito. Ficava arrasado quando pregava mal (ainda acontece isto, então vejam que sempre fico arrasado quando prego) e deprimia-me quando alguma coisa falhava. Por exemplo, se aconselhava um casal e ele se divorciava, eu entrava em parafuso. Onde foi que eu falhara? Que poderia ter feito melhor? Como outros pastores “consertavam” casamentos e eu não conseguia? Via estes insucessos como derrota pessoal e me sentia indigno da vocação. Custei a parar de me cobrar nos insucessos.
É um problema muito sério quando o pastor se identifica tanto com seu ministério que vê as coisas que deram erradas como culpa sua. Ele não dissocia o rumo das coisas da sua pessoa. E tão ruim quanto isso é quando ele vê as coisas que deram certas como se fossem mérito seu. No primeiro caso, ele se deprime. Deixa de confiar na graça. No segundo caso, ele se ensoberbece. Assume como sua a glória que é exclusivamente de Deus. Em ambas as circunstâncias, ele deixou de ver a obra como sendo de Deus e passou a vê-la como sua. É bom sempre ter em mente que somos apenas instrumentos e que nossa responsabilidade é sermos instrumentos disponíveis e usáveis.
(4) A quarta razão é por nos desligarmos do mundo real. Os pastores vivemos num mundo de conceitos e de sonhos, que não é o mundo real em que as pessoas vivem. Não tomamos ônibus cheio nem almoçamos no refeitório da fábrica. Muitos de nós almoçamos em casa. Não marcamos ponto, nem batemos cartão, mas fazemos nosso próprio horário, sem prestarmos contas a ninguém disto. E lemos livros e revistas que ninguém lê. Discutimos assuntos que a nós parecem tão importantes, mas que são absolutamente irrelevantes para as pessoas. Vivemos num mundo paralelo ao mundo em que as pessoas vivem. Há pastores que sequer sabem o preço dos produtos alimentícios. Mas conhecem as nuances dos diferentes pensamentos de filósofos e teólogos. Ignorantes do mundo que importa às pessoas, muitos nos tornamos irrelevantes para elas. Esta quarta razão desencadeia uma série de atitudes em nossa vida que levou a alguém a definir o pastor como “alguém invisível durante a semana e irrelevante no domingo”. Assim, muitos de nós pregamos o que não interessa a ninguém. Será que, realmente, as pessoas reais estão interessadas em dicotomia e tricotomia, a ponto de isto demandar uma exaustiva análise do púlpito durante três domingos? Ninguém de vida cotidiana normal perde sono com heteus, cananeus e jebuseus. As pessoas perdem sono com coisas reais, como desemprego, enfermidades, vida vazia, marido pulando cerca, mulher frigida, filhos desobedientes, e não com “a conceituação dos grandes términos escatológicos”.
RESULTADO: O resultado é a nossa incapacidade de lidar com o mundo que nos cerca. E ficamos surpreendidos quando o mundo real, o mundo lá fora, triunfa sobre o nosso mundo conceitual, aquele que criamos em nossa mente e projetamos como sendo o mundo em que as pessoas devem viver. O processo hermenêutico da Universal do Reino de Deus é, sendo gentil, inusitado. Mas funciona porque seus pastores falam de coisas reais para as pessoas reais. As pessoas querem respostas e não lucubrações. Elas vivem num mundo de racionalizações durante toda a semana, e no domingo tomam mais uma dose extra de racionalização e conceitos do púlpito, quando este é o mundo em que o pastor vive. E há o aspecto familiar, aqui. Um pastor, sabedor que seu filho estava envolvido com drogas, disse: “Eu nunca pensei que isto fosse acontecer comigo”. Era um bom pai, crente extraordinário, e homem de absoluta integridade, mas vivia num mundo irreal, em que essas coisas não aconteciam com os crentes, menos ainda com pastores. Ignorava o que era a vida real. Muito do nosso mundo ideal não existe.
A alternativa que vejo aqui é não nos colocarmos como pessoas a receber tributo em casa, mas sim como doadores, como tributadores. Em casa devemos elogiar, agradecer, mostrar amor e ternura à família. Dar-lhe segurança. Se temos carências, a família pastoral mais ainda. O filho do pastor vê seu pai ser cortês e atencioso com os filhos dos outros, e ausente com ele. A esposa do pastor vê o marido ser gentil com outras mulheres (e isto sem segundas intenções), mas não vê o marido ser atencioso para com ela. O ministério não pode nos colocar num mundo de ilusões e não pode nos levar a esquecer nossa esposa e nossos filhos. Se a igreja é a cara do pastor, a família do pastor é o retrato exato do que ele lhe dedica. O mundo real é de crianças que brigam entre si, despensa que precisa ser enchida, contas por pagar, esposa que quer atenção, vizinhos encrenqueiros. Muito antes de Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa, dizer que “viver é perigoso”, Mrs. Dalloway, de Virginia Wolf, dissera: “sempre sentia que era muito, muito perigoso viver, por um só dia que fosse”. A vida não são idéias, mas tensões.
3. COMO TRATAR AS NOSSAS CRISES
Isto não é um tratado sobre crises pastorais, mas apresento sugestões que podem ser bem ponderadas e, depois de filtradas, aplicadas.
(1) A primeira maneira de tratar nossas crises é não as minimizando. Alguns, exatamente por terem um alto conceito de si, minimizam-nas, não as consideram seriamente e as empurram com a barriga. Se não são para desesperar, elas são sintomas de perigo, que exigem mudanças de atitudes, de estilo de vida, de hábitos. Leve-as a sério. Sem entrar em pânico, pense seriamente no que está acontecendo. Não as ignore e comece a pensar em tratá-las, antes que se avolumem. Numa ocasião, “este que vos escreve” foi extrair uma verruga que crescera e que se tornara esteticamente incômoda. O médico que o atendeu disse que ele chegara em bom tempo. Se tivesse demorado acabaria tendo problemas. Não procrastine o encarar os problemas.
(2) A segunda maneira de tratar nossas crises é não as superdimensionando. É o oposto do comentado no tópico anterior. Alguns, também pelo alto conceito de si, superdimensionam suas crises. Acham que, sendo especiais, não deveriam ter dificuldades nem crises, e entram em parafuso. Culpam-se, duvidam de sua vocação, culpam a igreja (já mencionei um pouco disto, anteriormente). Não era para aquilo acontecer, afinal, “tudo que o justo fizer, prosperará”, e eles se não prosperam, ou não são justos ou os ímpios os obstaculam. Pode ser que não haja culpados, e apenas circunstâncias. Pode ser que tudo faça parte do propósito de Deus, dentro de sua soberania. Ele pode estar amadurecendo pessoas ou preparando ambientes. Pergunte-se o que Deus está fazendo e como está conduzindo a questão. Não se apavore. Deus sempre está trabalhando em nossas vidas.
(3) A terceira maneira de tratar nossas crises é não as transferindo. Magoados ou deprimidos, culpamos os outros e descarregamos na família. É o velho e conhecido mecanismo de chegar em casa chutando a porta e pisando no rabo do cachorro. É bom se esforçar e tentar ter serenidade no trato com quem não tem nada a ver. O maior erro que podemos cometer, em relação à nossa família, é deixá-la em insegurança na maneira de se relacionar conosco. Um chefe de família consciente oferece tranqüilidade à família, e nunca a desestabiliza. Por maior que seja a dificuldade, aquiete sua esposa e os seus filhos. Eles precisam de segurança e dependem de você para que isto aconteça. Satanás já trabalha bastante com nossa família. Se há algo que não precisamos nem devemos fazer é dar-lhe munição.
(4) A quarta maneira de tratar nossas crises é nos lembrando que o que pregamos para os outros se aplica a nós. Dizemos ao povo para buscar a Deus quando a coisa fica feia, mas nem sempre o fazemos quando fica feia para nós. O remédio que prescrevemos aos outros serve para nós. Alguns pastores parecem ter se esquecido que são crentes, no sentido de que o receituário do púlpito é para eles, também. Continuamos membros da igreja, sujeitos a ela, dependentes dela, e aprendendo o que ela ensina. O pastor não é dono da igreja e não está acima dela.
A maneira de alguns pastores procederem em assembléias convencionais mostra que eles não aplicam a si mesmos o que esperam de suas ovelhas. Se suas ovelhas procedessem em uma assembléia da igreja como eles procedem numa assembléia convencional, eles moveriam os pauzinhos para defenestrá-las. Os pastores são as pessoas de conduta mais indisciplinada que há, quando se trata de discutir assuntos do reino. Alguns agem como se não fossem crentes em Jesus Cristo. Isto porque não aplicam a eles o que aplicam ao povo. Mas nós somos povo de Deus e devemos proceder como esperamos que os demais procedam, inclusive na questão de dependência de Deus.
(5) A quinta maneira de tratar nossas crises é aprendendo delas. Elas não devem passar em branco em termos de acrescentar alguma coisa à nossa experiência. Não é necessário repetir os mesmos erros. Até mesmo porque há erros novos por cometer (por favor, isto é um chiste – e, por favor, não analisem à luz do conceito freudiano de chiste). Devemos aprender as lições e amadurecer das crises. Dizemos que elas são oportunidades. Que sejam para nós, também.
RESULTADO (OU RESUMO): Precisamos reconhecer a nossa vulnerabilidade espiritual e emocional, depender de Deus, ter humildade para reconhecer os erros e saber pedir desculpas. O pastor precisa buscar ser melhor cada dia. Muita gente melhora como obreiro, mas infelizmente piora como ser humano. Há santos que são horrorosos no relacionamento com os demais. Eles são tão santos que não mais conseguem conviver com pecadores. É bom evitar a duplicidade: ser algo espiritualmente e ser completamente diferente como pessoa. Um pastor precisa ser cristalino. O “duplipensar” de George Orwell não pode ser um “dupliagir” pastoral.
4. COMO PROTEGER A FAMÍLIA
Como proteger nossas famílias, tanto da maldade de alguns bodes travestidos de ovelhas quanto de nossas falhas e limitações? A família pastoral sofre muito. Muita gente tenta atingir os familiares do pastor para magoá-lo. E ela ainda sofre com atitudes nossas. Como protegê-la?
(1) Devemos lembrar que somos os pastores da nossa família. Crentes sinceros, amigáveis, têm o costume de chamar a esposa do pastor de “primeira dama”. É uma maneira carinhosa (penso!). Mas devemos ter em conta que a nossa esposa não é a primeira dama, mas é a primeira ovelha. Sempre deixei bem claro para as igrejas que pastoreei que se tivesse que escolher entre a igreja e minha esposa, a igreja sobraria. Igrejas há muitas. Esposa, só tenho uma, e só quero aquela. Os filhos do pastor são suas ovelhas. Devem ser cuidados e protegidos por ele. E mais que o restante do rebanho. Lembremos da tragicidade de Cânticos 1.6 (VR): “Não repareis em eu ser morena, porque o sol crestou-me a tez; os filhos de minha mãe indignaram-se contra mim, e me puseram por guarda de vinhas; a minha vinha, porém, não guardei” (o itálico é meu). Ela guardou a vinha dos outros, mas não cuidou da sua. Pastor, nunca aconteça que você cuide dos filhos dos outros e se esqueça de cuidar dos seus. Ou que se preocupe com a situação das esposas dos outros e descuide da sua esposa. É dever do pastor cuidar e proteger a sua família. Nunca deve oferecê-la no altar do sucesso ministerial. Primeiro porque Deus não pede isto, e depois porque se arruinará também, além de ter que prestar contas pelos seus familiares. Uma das condições sine qua non para um obreiro ter respeitabilidade é esta: “que governe bem a sua própria casa, tendo seus filhos em sujeição, com todo o respeito (pois, se alguém não sabe governar a sua própria casa, como cuidará da igreja de Deus?)” (1Tm 3.4-5, VR).
(2) Devemos criar e manter uma cumplicidade na família. “Cumplicidade” não significa apoio no erro, mas sim tornar a família coesa, fechada, unida contra investidas externas. Qualquer investida contra ela fracassa, porque não há brechas no relacionamento. O pastor é um dos responsáveis, como chefe da família, em criar um vínculo de unidade nas relações domésticas. Como homem, ele é o chefe da família não apenas para receber tributo (como alguns homens parecem pensar), mas para dar o rumo por onde todos devem seguir. Ele ama os filhos e a esposa e lhes diz isto, lhes faz sentir isto e mostra isto no trato. Ele nunca permite que gente de fora seja mais importante que gente de casa e nunca deprecia o que é seu.
(3) Uma questão óbvia, mas que muitos ignoram: devemos sempre evitar levar os problemas da igreja para casa. Alguém dirá: “Isto é impossível!”. Não, não é. Nas ocasiões em que trabalhei em administração de instituições de ensino teológico, eu não tinha um número sequer de telefone de nenhum professor em casa. Sei que com igreja é diferente. Mas esforce-se e ensine a igreja a não ver sua casa como extensão das reuniões administrativas da igreja e de aconselhamento pastoral. Tanto quanto possível, evite isto. Eventualmente poderá suceder isto, mas não trivialize. Não crie o hábito. No início de meu ministério, a casa pastoral era ao lado da igreja. Estava sentado junto ao púlpito, pastor novo, de 23 anos, enquanto o coral cantava, quando um homem se sentou ao meu lado e me pediu a chave da minha casa para ir ao banheiro. Eu lhe disse para usar o da igreja e ele me respondeu que o da igreja era ruim e o da minha casa era bom, porque a igreja o reformara. Tornei a negar e lhe disse que o banheiro da minha casa era para mim e para minha esposa, e que ele se levantasse na assembléia e propusesse a reforma dos banheiros da igreja. Ele foi abusado, mas só daquela vez. Nunca mais agiu assim. Cortei-o e também cortei um costume: quando eu menos esperava havia quatro ou cinco pessoas dentro de minha casa, simplesmente por abrirem a porta e entrarem. Não tínhamos privacidade no lar.
Não confundam isto com ausência de hospitalidade. São valores diferentes. Ser hospitaleiro e receber bem as pessoas são uma coisa. Mas ter uma esposa recém-casada dividindo o banheiro com gente que ela desconhece e cinco ou seis desconhecidos invadindo seu espaço, inclusive seu quarto, é outra.
Nunca permita a quebra de privacidade do seu lar, nem a invasão eclesiástica de seu domicílio. Não se trata da questão do uso do banheiro, mas sim da mistura de ambientes. Sua casa é lugar de recolhimento com sua família. Nela, você recebe quem você quer receber ou quem precisa de sua ajuda, e não quem nada tem a fazer.
RESULTADO (OU SOMA): Não ponha a família vivendo em função de você ou de seu ministério. Respeite a individualidade de cada um. Veja-os como membros de seu lar, sob seus cuidados. Não os exponha. Viva para ela, a família, e procure mantê-la a salvo de membros de igreja que por vezes são cruéis ou maledicentes. Proteja seu lar. Guarde seu espaço doméstico.
5. QUESTÕES PRÁTICAS
Atrevo-me, agora, a alinhavar algumas sugestões de ordem prática, nesta área. Algumas dessas questões desdobram o que disse anteriormente.
* Evite atender gente em sua casa. A casa é o local de repouso e refrigério. Há pastores que têm o gabinete pastoral em casa. Respeito sua decisão, que por vezes é uma contingência, mas peço-lhes, humildemente, que tenham bastante cuidado para não expor a família. Seus filhos não precisam ver casais chorando ou gente brigando em sua própria casa. E precisam ter a intimidade preservada, bem como sua esposa. Como disse um amigo, “casa é o lugar onde um homem pode andar sem camisa, e uma mulher pode ficar de short”. Mas com a casa cheia de gente de fora isto não é possível.
* Evite comentar problemas da igreja em casa. Não traga a crise, voluntariamente, para dentro de casa. Ela virá, inevitavelmente, com o tempo. Não apresse a chegada de problemas. Sua responsabilidade é proteger e não expor sua família.
* Mude o papel que desempenha em casa; seja marido e pai, e não o oficial da igreja. Há pastores que impostam a voz até em casa, e, pasmem, chamam a esposa de “irmã Fulana”. Até a oração à mesa, na hora da refeição, é imponente e tonitruante, como se feita num templo.
* Valorize a família mais que a igreja local. Igreja há muitas, mas família só há uma. Sobre sua esposa, lembre-se de Provérbios 18.22: “Quem encontra uma esposa acha uma coisa boa; e alcança o favor do Senhor” (VR). Sobre os seus filhos, lembre-se do Salmo 127.3: “Eis que os filhos são herança da parte do Senhor, e o fruto do ventre o seu galardão”. Sua esposa e seus filhos são jóias valiosas que o Senhor lhe confiou. Não perca essas jóias. E não as troque por bijuterias.
* Seja sensível aos anseios e reclamos da sua família. Sua conduta com ela é um termômetro de como andam sua vida e suas prioridades. Um pastor contou, com orgulho, que seu filho lhe pediu para marcar uma audiência, já que ele era um homem ocupado. Que pena! Nossa família não pede audiência, mas tem nosso tempo a qualquer hora. Deve saber que o marido e o pai estão acessíveis a qualquer instante.
* Veja sua família como um dom de Deus. Ele deu pastores à igreja (“E ele deu uns como apóstolos, e outros como profetas, e outros como evangelistas, e outros como pastores e mestres” – Ef 4.11, VR), mas ele nos deu uma esposa (Pv 18.22) e filhos (Sl 127.3). Sua igreja um dia terá outro pastor. Talvez melhor que você. Mas sua esposa quer você como marido, e seus filhos querem você como pai. Principalmente com seus filhos, lembre-se: você terá um sucessor no pastorado, mas nunca poderá ter um sucessor como pai. Se tiver, é porque fracassou. O melhor pastor do mundo é substituível. Um bom pai é insubstituível.
CONCLUSÃO
Terminar uma palestra destas é mais difícil que começar. Mas a questão pode ser bem simples. Ouvimos dizer, várias vezes, que nenhum sucesso na carreira compensa o fracasso no lar. Isto pode se aplicar ao pastor. De que adianta ser um orador daqueles de embevecer multidões ou um grande líder denominacional, e perder a família?
É mais importante ser um bom mordomo de Deus na sua própria família que ser um bom mordomo na vida alheia. Creio mesmo que isto, uma família desestruturada, nos inviabiliza no ministério. Ao mesmo tempo, ter uma família unida ao redor da cruz e do ministério do pastor é uma bênção e nossa maior credencial a apresentar. Parafraseio Paulo, quando isse: “Não negligencies o dom que há em ti” (1Tm 4.14). Digo “Não negligencies a família que começa em ti”. Pastoreemos nossas famílias e não permitamos que nossas crises a estraguem.
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