quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Canudos: O Reino de Deus na Cidade dos Homens- Uma Expressão Apocalipsista no Brasil.

POR: Idauro Campos

1 – Introdução


Canudos é uma a expressão de apocalipsismo ocorrido no Brasil do século XIX. E é uma das mais bem sucedidas manifestações apocalipsistas, pois seu movimento enfatizou tanto uma esperança celestial como também, e principalmente, uma redenção histórica e sociológica, porquanto procurou construir em termos reais e práticos a Cidade de Deus no agreste nordestino que tipificou diante dos olhos dos sertanejos uma esperança que as estruturas sociais injustas em vigência no país à época não conferiam. Eis, então, o êxito de Canudos! A razão de seu sucesso! A expectativa não era apenas sobre o porvir. A redenção não era apenas para a alma. O Reino de Deus construído em Canudos abarcava a alma, mas também todas as dimensões da vida humana. Era um projeto que estabelecia uma nova ordem. Isto fora, sem dúvida, uma novidade nos movimentos apocalipsistas, pois os moradores de Canudos não almejavam uma vida tranqüila após a morte. Queriam a dignidade de vida ainda em vida. Não queriam uma redenção futura somente. Uma nova vida enquanto presente! Foi isso que Antônio Conselheiro pregou, ensinou, incentivou e lutou. Canudos foi a idealização de um sonho que não precisava ser e estar distante e Antônio Conselheiro e seus discípulos tudo fizeram para realizá-lo.

Nossa proposta nesta breve exposição sobre Canudos é conhecer um pouco de sua história, de seu enigmático líder, seu êxito enquanto proposta de uma nova comunidade, as causas de seu sucesso e os temores que Belo Monte despertou em todo o país.


1 - Antônio Vicente Mendes Maciel: O Conselheiro.

Não podemos começar a falar sobre o fenômeno de Canudos sem partir de seu líder e protagonista. Figura central e enigmática na importante história de Canudos, Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro, nasceu em 1828, Quixeramobim, Ceará. Filho de Vicente Mendes Maciel e Maria Joana de Jesus. Ficou órfão de mãe aos seis anos de idade o que acarretou dificuldades, pois seu pai, ao casar-se novamente, o fez com uma mulher que impunha sofrimentos ao pequeno Antônio. Após aprender a ler e escrever foi matriculado em uma escola onde estudou aritmética, geografia, francês e latim.

Sua formação foi fortemente influenciada pela sangrenta história de sua família que rivalizava no sertão a posse da terra, onde moravam, com os Araújos. Das desavenças, vieram, como conseqüência, acusações falsas, traições, emboscadas e assassinatos. Tais experiências impactaram profundamente Antônio Conselheiro, pois percebeu logo cedo em sua vida que os fortes se impõem pela truculência e intimidação e, dependendo de sua posição social e econômica, as autoridades não tomavam partido dos mais fracos. Antes, pelo contrário, os desprestigiavam, não os defendendo.

Ao tornar-se adulto, assumiu o estabelecimento comercial de seu pai e casou-se com uma prima, mas não obteve êxito na vida conjugal, pois foi traído e abandonado por sua esposa. Antes da separação já havia liquidado o negócio que herdara do pai, o que o levou a trabalhar como empregado no comércio. Sua carreira profissional foi instável, trabalhando como proprietário de escola, professor, caxeiro, advogado provisionado e juiz de paz. Os fracassos profissionais, o insucesso conjugal, as constantes mudanças de endereços que lhe propiciaram conhecer algumas cidades do interior do Nordeste brasileiro e, assim, conhecer a dura realidade que o sertanejo enfrentava, além do senso de injustiça que conhecera desde a infância e que agravara ao trabalhar como advogado provisionado, principalmente pelo fato de que o poder vigente negava a justiça ao pobre, embora discursasse sobre a mesma, Antônio Conselheiro foi, aos poucos, se convencendo de que algo estava errado na ordem social estabelecida, porquanto era nítida a desigualdade vivida entre os sertanejos e os latifundiários do sertão.

Outro fator importante na eclosão do fenômeno “Antônio Conselheiro” foi seu contato com o José Antônio Pereira Ibiapina que em determinado momento de sua vida deixou a carreira profissional e dedicou-se ao sacerdócio católico. O clérigo angariava dinheiro e alimentos em prol dos necessitados e arregimentava pessoas para a construção de igrejas, pontes, cemitérios e açudes em Barbalho e Milagres, além de várias casas de caridade. Padre Ibiapina exerceu, com sua vida, ministério e pregações, fortíssima influência sobre Conselheiro, tendo este, inclusive, o acompanhado por um tempo como discípulo. Foi seu treinamento para a concepção de Canudos.

Em 1871 a fase errante e peregrina de Antônio Conselheiro começou, circulando pelos sertões dos Estados do Ceará, Pernambuco, Alagoas e Bahia. Nas peregrinações era acompanhado por adeptos e nas visitas aos lugarejos, além de pregar às populações pobres, procurava também reuni-las para a construção de obras de interesse público, seguindo o exemplo do Padre José Ibiapina.


2 - Os Seguidores

Ao ouvir as pregações de Antônio Maciel, à medida que circulava pelos sertões do nordeste brasileiro, o povo se identificava e o seguia, buscando seus ensinamentos e conselhos. Antônio Maciel virara o Antônio Conselheiro.

Seus discípulos eram artesãos, camponeses, pequenos proprietários de terras que foram expulsos pela violência dos ricos donos dos latifúndios. Pessoas de todos os níveis sociais, enfim, que desejaram acompanhar as peregrinações de Conselheiro. Estes discípulos ouviam sermões que falavam de Deus e de seus mandamentos e também prédicas que denunciavam a desigualdade social em que o sertanejo vivia e de quão injusta era a situação. Uma abordagem nova com certeza, pois Conselheiro não refletia apenas sobre o céu, conquistado por boas obras, segundo acreditava, mas, também, convocava os ouvintes a enxergarem a situação trágica do ponto de vista econômico e social em que estavam inseridos, denunciando a imoralidade da injustiça social evidenciada no contraste entre latifundiários e camponeses. Deus era Pai de todos e a terra era para todos. A desigualdade social era imoral. Tal denúncia atraiu a atenção e o coração de milhares de miseráveis do sertão da Bahia, onde se estabelecera. Além do conteúdo de seus sermões, sua eloqüência era elogiável, porquanto tinha o dom da palavra. Com clérigos citava o latim e ao povo falava de que lhe era claro e comum.

Destarte, aos milhares, a ele, os sertanejos se uniam, renunciando a uma vida desregrada e de intensos sofrimentos e constantes humilhações na busca da solidariedade humana, das boas obras e de uma sociedade mais justa. Sob a liderança de Antônio Conselheiro seus discípulos casavam-se no religioso, batizavam seus filhos, participavam das missas dominicais e rezavam diariamente. Além das atividades cúlticas, seus seguidores o acompanhavam na construção de igrejas e cemitérios e muitos destes seguidores eram profissionais de carpintaria e de construção, o que muito ajudou a execução da missão de Conselheiro. Além dos sertanejos, muitos dos negros libertados pela Lei Áurea de 1888 se juntaram aos peregrinos, porquanto também sofriam as injustiças sociais, visto que estavam livres das senzalas e da chibatas, mas não da miséria.

O grupo de discípulos de Antônio Conselheiro aumentava e à medida que visitava as cidades do sertão nordestino chamava a atenção de mais pessoas. Sua ênfase era na igualdade entre os homens e sob esta perspectiva recusou em uma visita a Bom Conselho a aceitar que os pobres pagassem impostos aos municípios, pois os mesmos não eram cobrados dos latifundiários, entretanto, o governo exigia que as camadas mais pobres pagassem. Ao criticar duramente a medida governamental, chegando até mesmo a queimar os editais, o que externava sua rígida discórdia em reconhecer a legitimidade dos tributos cujos pagamentos estavam sendo exigidos, Antônio Conselheiro foi perseguido pela polícia que não conseguiu prendê-lo, mas cujo evento o levou a tomar a decisão de refugiar-se em um lugar inexpugnável que lhe permitisse colocar em operação seu intento de uma cidade igualitária. Nascia assim, no interior da Bahia, o arraial de Belo Monte. A Cidade de Canudos.


3 – Canudos

Velha e abandonada fazenda à margem do rio Vaza-Barris (BA). Recebeu o nome Canudos, por que seus antigos moradores passavam o dia pitando cachimbo em canudos de salonáceas, que margeavam ao Vaza-Barris.

Em Canudos, ou Belo Monte, seu nome oficial, a cidade celestial, justa e igualitária, conforme Antônio Conselheiro acreditava, ganhava contornos reais. Sem dúvida, um refúgio para errantes, desempregados, injustiçados, espoliados e sofredores de modo geral. A única autoridade em Belo Monte seria a de Antônio, seu profeta, pastor, líder, idealizador, fundador e conselheiro. Em Belo Monte, todos seriam tratados com igualdade. Não era um lugar para desocupados ou vadios, pois todos deveriam trabalhar em prol da comunidade. Destarte, vaqueiros, agricultores, ex-escravos, artesãos, camponeses eram importantes na distribuição das tarefas em que o plantio, a curtição de couro, o artesanato, a pecuária eram administradas e seus resultados eram igualmente divididos entre todos na comunidade. Era a comunidade de bens, conforme nos narra Atos 2.45.

O Sucesso de Canudos não foi apenas por causa da estrutura proposta por Antônio Conselheiro, mas pela sua experiência, pois já possuía 65 anos de idade na ocasião da fundação da cidade e também em função de seu carisma magnético, de sua organização, sua disciplina, seu talento como construtor, sua piedade, seu exemplo, sua eloqüência, sua capacidade de interagir e se fazer entender por todos. Seu projeto era claro e tangível. Enquanto os sacerdotes católicos anunciavam uma vida digna apenas após a morte, Conselheiro tentou antecipar esta dignidade na vida aqui e agora.

Belo Monte, Canudos, representava a antecipação do Reino de Deus. Era a inserção da Cidade de Deus na Cidade dos Homens. Era isto que magnetizava as multidões que corriam para Canudos, porquanto famílias miseráveis que há muito sofriam sob todas as formas de opressão e injustiça, sendo sempre alijadas dos processos de mobilidade social, esquecidas pelas autoridades, até mesmo as religiosas, visto que estas eram comprometidas com as civis e mantinham o status quo. A Igreja Católica, com seus párocos, amigos dos latifundiários que exploravam a população miserável, estava muito aquém de atender os anseios mais profundos da alma daquelas vítimas do extrato social perverso vigente no Brasil da época. Canudos, portanto, era o símbolo da salvação plena. Da libertação integral. Da dignidade que Deus quer que os homens adquiram. Antônio Conselheiro, sob muitos aspectos soube comunicar esta esperança ao povo que para Belo Monte deslocava-se.

Canudos não foi apenas um fenômeno religioso. Assim como também não foi apenas um fenômeno sociológico, mas a junção de ambas as perspectivas, pois seus moradores eram religiosos, tementes a Deus e desejosos da salvação, mas também na esperança de que suas vidas melhorassem ainda nesta dimensão da existência e todos os meios legítimos deveriam ser empregados para alcançar esta proposta. Canudos foi uma expressão apocalipsista brasileira.


4 – As Oposições

Os moradores de Canudos chegaram a construir cinco mil e duzentas casas que abrigavam mais de vinte mil pessoas. Todas debaixo da autoridade exclusiva de Antônio Conselheiro. Relativizavam a autoridade da Igreja Católica e não reconheciam a da República. Uma postura desta, na incipiente República, representava uma ameaça ao seu estabelecimento. Apesar dos incômodos que Canudos produzia, o clero e o governo não estavam se mobilizando contra Belo Monte até quando uma cobrança feita por Antônio Conselheiro em 1826 a um comerciante de Juazeiro, que não lhe entregou uma mercadoria comprada e devidamente paga e informando de que a buscaria, foi interpretada em tons de ameaça como se o líder de Belo Monte fosse sair de seu lugar, cercado de jagunços para vingar-se do comerciante. Tal mal entendido despertou ansiedades e nervosismos na população e nas autoridades de Juazeiro que apelaram para o governador que enviou tropas para proteger a cidade. Foi o início da Guerra de Canudos que, aliás, começa de forma ilegal e conveniente aos pretextos do governador, pois Antônio Conselheiro estava reclamando seu direito, pois comprou madeiras e estas não foram entregues. Seu objetivo ao desejar ir à Juazeiro era para adquirir seu produto que fora, inclusive, devidamente pago. Mas, as autoridades viram naquele deslocamento uma oportunidade para dizimar os moradores de Canudos e uma expedição, a primeira em quatro, foi enviada.

Apesar da força militar as primeiras expedições fracassaram todas. Foram necessárias quatro intervenções das forças militares em Canudos para destruí-lo o que aconteceu em 05 de outubro de 1897 quando os últimos resistentes sucumbiram. Antônio Conselheiro morreu em 22 de setembro de 1897, vitima de uma disenteria.

A Guerra de Canudos durou 1 ano, vitimando mais de vinte e cinco mil pessoas, onde se constatou uma das maiores ondas de assassinato já registradas no Brasil, haja vista que os moradores que se entregaram foram implacavelmente brutalizados pela fúria dos exércitos, que não pouparam brasileiros rendidos e indefesos, mesmo mulheres e crianças. A degola foi amplamente praticada por ocasião da vitória das tropas militares.

Baixas importantes também aconteceram entre os militares, talvez a mais significativa foi a do Coronel Antônio Moreira César, famoso e temível comandante do exército que se feriu em combate, vindo a morrer.

Canudos foi completamente destruída. Ao retornar para as metrópoles as tropas militares sofreram ondas de protestos por parte da população, da imprensa e também dos próprios políticos. Muitos queriam a dispersão de Canudos, mas repudiavam os métodos insanos e selvagens com que os militares aplicaram a missão, configurando, assim, em uma das mais sujas e sangrentas páginas da história do Brasil republicano.


Conclusão


Canudos foi a mais gritante expressão de apocalipsismo no Brasil e a confirmação de que a convergência de fatores como miséria, injustiça, omissão religiosa, decepção com as autoridades, fanatismo e líderes carismáticos com capacidade de expressão propiciam o surgimento de propostas apocalípticas. Canudos foi uma proposta apocalíptica com fortes convocações à reflexão espiritual e social e uma rígida e clara proposta de alterar a ordem social vigente, possibilitando a total e plena emancipação dos injustiçados deste país. Ao conciliar esperança escatológica com engajamento histórico-social, Antônio Conselheiro distanciou-se das seitas já conhecidas no Nordeste que se resumiam à pregação fanática e duramente ascética. Canudos era um projeto de Reino. Um projeto de cidade. Um projeto de vida. Era uma utopia possível. Tal conexão com a realidade era ousada e criativa. Ganhou respeitabilidade por sua tentativa de realidade. Atraiu multidões, defensores, adeptos, mas também o ódio e a inveja dos que se sentiam denunciados e ameaçados pela utopia dos sertanejos, seguidores de um Conselheiro, que sonharam e tentaram construir a realidade sonhada nas longínquas terras do interior da Bahia.

Referências:

CUNHA, Euclides da. Os Sertões. Rio de Janeiro: Martins Claret, 2002.

MONIZ, Edmundo. Canudos: A Guerra Social. Rio de Janeiro: ELO Editora, 1987.

2 comentários:

  1. Adoreii o Blog. Sou estudante do Ensino Médio e estava pesquisando sobre Canudos : Uma Sociedade Diferente. Uma pesquisa passada pelo professor Isamael, que ensina Sociologia.
    Seu texto e contexto me ajundou em muito a elaborar um trabalho, dando enfâse em muito na Guerra de Canudos, na criação do Belo Monte e deu principal fundador, o lustrissimo Antônio Conselheiro.

    Seu blog me propocionou mais entusiasmo em aprender ;)

    Valeu e obrigado

    Emicleiton Duarte

    ResponderExcluir
  2. Obrigado por seu comentário, Emicleiton!!!

    Parabéns pelos esforços e espero que logre êxito!

    Rev. Idauro Campos.

    ResponderExcluir