sexta-feira, 4 de junho de 2010

A Ética da Nação de Israel


A Ética da Nação de Israel

POR: IDAURO CAMPOS

Introdução:

A expressão ética “vem do grego ethos e se refere aos costumes ou práticas que são aprovados por uma cultura” . Destarte, a ética é o conjunto dos valores da sociedade organizada. Portanto, toda a sociedade possui seu código de conduta e os parâmetros pelos quais será operada. Geralmente, tais parâmetros são manifestados e conhecidos objetivamente. A sociedade, através de suas instâncias, sejam elas a família, a escola,
a religião, os órgãos públicos, se encarregam de decodificar e formalizar os princípios éticos que nortearão cada individuo que compõe a mesma. Aliás, é justamente para balizar a convivência social que a noção de ética é mister. Em um mundo sem limites, onde não se conhecem os direitos e deveres de cada um e onde não há regras claras que se estabeleça o modus vivendi de cada integrante, a vida comunitária se torna insuportável. Mas, a ética não apenas lastra o indivíduo, pois sua convocação também se dirige às instituições e é justamente neste item que a nossa reflexão proposta aqui focalizará, porquanto, de forma breve e resumida, observaremos os princípios éticos que se estabeleceram sobre a nação de Israel. Nosso alvo é mostrar que a ética dos hebreus possuía três expressões fundamentais: civil, religiosa e pessoal, tendo como alicerces o caráter ético de Deus e a sua Lei. Sem tais fundamentos a formação da nação de Israel estaria incompleta, pois, para existir como tal, Israel precisava de códigos de conduta. Enquanto populacho , prisioneiro do Egito, sem noção de Estado e de cidadania, Israel não possuía preceitos que lhe fossem “trilho básico”, mas, uma vez libertos, caminhando em direção à maturidade nacional, seria absolutamente necessário o estabelecimento de leis que dirigissem a consciência e as decisões.


Nação: O Contexto e a Necessidade da Ética.

Como exposto na introdução, foi a partir da libertação do Egito que Israel precisou desenhar os contornos da sua ética, pois, uma vez livres, cada hebreu precisaria viver voluntariamente em uma comunidade, sendo fundamental a compreensão de seus compromissos. Neste aspecto, inclusive, se percebe a grandiosidade histórica de Moisés, instrumento divino da libertação do povo hebreu, pois, em uma ponta da história, Moisés mobiliza uma multidão de escravos, desorganizada, confusa, instável, sem noção de Estado, sem leis, sem parâmetros e sem território e, após a uma militância de 40 anos, entrega na outra ponta da história o mesmo povo, livre, com fundamentos éticos, organizado civicamente, com seu sistema cúltico devidamente estabelecido, com regras claras quanto à convivência social, com direitos e deveres nítidos e prestes à ocupação territorial .
A organização da nação de Israel exigiu a construção da ética, pois um Estado precisa ter seus limites impostos sobre os indivíduos que o compõe. A liberdade promovida por Deus aos hebreus não fora para lhes dar autonomia, ou seja, eles não estavam livres para viverem de acordo com suas próprias leis e sim foram libertos para serem teônomos, isto é, a liberdade tinha como base a sujeição à Lei de Deus . Em regimes totalitários ou despóticos o que impera, no convívio comunitário é a lei da força e da opressão, mas, em sistemas livres, como o de Israel, o que garantirá a convivência harmônica é o respeito e a sujeição aos princípios reguladores da liberdade. Portanto, podemos afirmar que a convocação divina a Israel à existência como Estado justificou a afirmação da ética para garantir a existência do mesmo. Sem parâmetros, um povo não é livre. Sem deveres e direitos não há cidadania. Sem lei o caos impera.
A primeira expressão da lei dada aos hebreus foi justamente após a libertação do Egito. No terceiro mês da saída daquela terra, Deus entrega a Moisés as tábuas da Lei, contendo os Dez Mandamentos, expressão da Lei Moral . Concluindo, entendemos que os princípios éticos do povo hebreu foram construídos tendo como sitz im leben a formação da Nação.


Deus: O Fundamento da Ética

A Lei foi dada a Moisés, expressando o caráter de Deus. Podemos dizer que o Senhor Deus é um ser ético. Nas Escrituras Sagradas, que é revelação de Deus ao homem, isto é, nelas Deus se faz conhecer, permitindo assim que tenhamos uma compreensão de como Ele pensa, vemos o caráter ético de Deus se manifestar. Como declara o Dr. Alderi de Souza Matos, ministro presbiteriano:
“O Velho Testamento fala da existência de um único DEUS, o criador e Senhor de todas as coisas. Esse Deus é pessoal e tem um caráter positivo, não negativo ou neutro. Esse caráter se revela em seus atributos morais. Deus é Santo (Lv 11, 45; Sl 99, 9), justo (Sl 11, 7; 145, 17), verdadeiro (Sl 119, 160; Is 45, 19), misericordioso (Sl 103, 8; Is 55, 7), fiel (Dt 7, 9; Sl 33, 4”) .
Como vimos no tópico anterior, a nação de Israel foi convocada à liberdade e soberania por Deus. Israel como uma nação pertencente ao Senhor fora anunciada pelo próprio a Abraão . Deus quer um povo para si. Mas, este “povo de Deus’, terá como evidência deste pertencimento, o viver de acordo com os seus princípios. Portanto, a ética do povo hebreu derivava de Deus. Como Deus santo, justo, verdadeiro a exigência era de que a nação de Israel vivesse em santidade, verdade e justiça. Os valores do povo, assim como seus costumes não estariam sujeitos às influências das nações idólatras circunvizinhas, porquanto Deus mesmo, através das suas leis, ensinaria o povo quem eles eram, quem Ele Era e qual a missão da nação eleita no mundo.
A base da ética da nação de Israel era o Senhor. O caráter de Deus era o referencial máximo e o padrão absoluto para que a nova vida dos hebreus fosse administrada. Destarte, verificamos nas páginas do Antigo Testamento as três manifestações desta ética, objetivando orientar e disciplinar a vida dos habitantes do Estado de Israel. Vejamos:


O Decálogo: A Ética Pessoal

Os Dez Mandamentos são conhecidos como a expressão da Lei Moral de Deus e “representa a vontade de Deus para com o homem, no que diz respeito ao seu comportamento e aos seus deveres principais”. Podemos dizer que a Lei “ordena o comportamento que agrada a Deus e proíbe o que ofende” .
O Decálogo possui dois pilares muito claros. Primeiro, temos as indicações de como devem ser o nosso relacionamento com Deus (vs 1-11) e, em seguida, como devemos nos relacionar com o nosso próximo (vs 12 – 17). É digno de nota que o Decálogo foi apresentado justamente no primeiro momento em que Deus falaria coletivamente ao seu povo, onde, então, são apresentadas as diretrizes para a maneira como deveriam agir com Ele e uns para com outros. O apelo dos Dez Mandamentos era pessoal e apontava para como cada integrante da nação deveria cultivar uma saudável relação com Deus, que é o autor da vida, libertador e sustentador e como que a vida comunitária em um território específico, que caminhava para sua concretização deveria ser compreendida e quais os deveres que cada membro da nação tinha para com seus pares.
O Decálogo era uma poderosa lembrança de que temos a Deus como o fundamento da nossa existência. O preâmbulo, “Eu Sou O Senhor, Teu Deus...” torna tal verdade evidente. Afinal, este Senhor Deus é a razão da realidade da nação, uma vez que sem a Sua intervenção a escravidão permaneceria, logo, a Lei exige o reconhecimento devido a Ele, a honra que devemos prestá-lo e também quais os impedimentos e limites que nos são requeridos. Deus é um Deus pessoal e os relacionamentos interpessoais são propostos por Ele. Assim, a Lei Moral regula a ética pessoal. Como agimos com o Senhor e como agimos com os nossos irmãos. Mas, a ética em Israel também se dirigia às instituições que fariam parte do Estado, havia leis que regulavam a sociedade civil e é o que veremos abaixo.


A Ética Civil:

Uma vez que Israel tornara-se ciente dos deveres dos homens para com Deus e para com os outros homens, seria natural que o Estado em processo de formação, também tivesse compromissos que protegessem a nação. Este é o propósito das leis civis que servirão de solo para os princípios éticos da sociedade israelense. Aqui se aplicam os regulamentos acerca dos servos , da violência , da propriedade , das virgens , do falso testemunho e da injúria , dos deveres dos magistrados , dos casamentos ilícitos e das uniões abomináveis , dos pesos e medidas justos , das penas dos crimes , do cuidado para com os pobres , do cuidado para com os escravos . Ou seja, havia, em Israel, o conceito de uma ética social. As expressões eram diversas, porquanto havia uma ética da família ; uma ética do trabalho ; uma ética étnica ; uma ética do poder ; uma ética das finanças e etc. Temos, portanto, em Israel a construção de um Estado justo e protetor da vida em todas as suas nuances. Estamos diante de um Estado ético.


A Ética Religiosa

Finalmente, em nossa reflexão sobre a ética do Estado de Israel, poderemos indicar algumas manifestações da ética religiosa do povo hebreu. Havia, obviamente, regulamentações específicas sobre a vivência religiosa do povo de Deus. Tais regulamentações visavam “impressionar nos homens a santidade de Deus e concentrar suas atenções no Messias prometido” .
Logo após o anúncio do Decálogo, os princípios religiosos foram transmitidos ao povo, pois Deus queria manter o seu povo em permanente contato e, então, estabelece os critérios para que a relação fosse possível. No próprio texto do Êxodo 20.22-26, tendo como contexto a entrega da Lei Moral, Deus instrui a Moisés sobre a maneira como a nação deve se aproximar d’Ele.
A ética religiosa de Israel, com sua ênfase na santidade de Deus, terminava por proteger o homem, visto que este por ser pecador não pode aproximar-se livremente de Deus. Era, de fato, necessário, na Antiga Aliança, a presença de sacerdotes, a entrega de holocaustos, o cuidado com as cerimônias de purificação, a participação nas festas, o uso dos utensílios corretos nas cerimônias, a apresentação de diversos tipos de ofertas e sacrifícios e etc, para que a vida do homem pudesse ser aceita. Os descuidos para com tais preceitos colocavam os hebreus em sérios riscos e sujeitos ao juízo divino . Ao mesmo tempo, as regulamentações religiosas não só enfatizavam o caráter santo de Deus, mas, principalmente, indicavam a unicidade de Deus, visto ser Ele o único Deus. “Ouve, Israel, o Senhor, teu Deus é o único Deus” (Dt 6.4). Esta é a base fundamental da ética religiosa de Israel. Deus é único. Qualquer veneração a qualquer ente que não seja o Senhor é idolatria e, portanto, pecaminoso. Destarte, podemos concluir nossa breve reflexão deste tópico, enfatizando que a ética religiosa tinha como objetivos evidenciar a santidade de Deus, proteger o homem, estabelecendo meios adequados de aproximação com o Senhor naquela aliança e exaltar a unicidade de Deus, exigindo do homem resgatado o devido louvor e a devida
honra Àquele que é único digno de ser adorado como Deus.
Soli Deo Glória!!!


Conclusão

Earle E. Cairns, historiador da Igreja, em sua análise das razões do rápido crescimento do cristianismo no século I, comenta que a fé cristã recebeu como herança do judaísmo o monoteísmo e o seu sistema ético, tipificado no alto padrão proposto no decálogo . Estes elementos diferenciavam a judaísmo de qualquer segmento religioso até então conhecido. O único Deus, como base fundamental da existência e as suas diretrizes que exigiam do homem a mais elevada conduta, visto que este é a sua imagem e semelhança , chamou a atenção do mundo antigo. E não só do mundo antigo, mas de toda a posteridade também. A ética de Israel encontrava seu apoio em Deus. Deus é quem dá sentido às nossas decisões. A ética é, portanto, a correspondência daqueles que interagem com Deus. Não é possível servi-lo sem obedecê-lo. Não é possível amá-lo sem dar Ele a primazia na vida. As expressões morais, cívicas e religiosas de Israel nada mais eram do que o reconhecimento e comunicação da mensagem de que todos os aspectos da vida do homem (pessoal, religioso e civil) são do interesse especial de Deus. Nada lhe foge o cuidado.Ele é o criador e legislador de todos os que são seus. Afinal, disse o sábio salmista Davi, “Do Senhor é a Terra e a sua plenitude, o mundo e todos os que nela habitam” (Salmo 24.1). Soli Deo Glória!!!


Referências

A BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. Português. Tradução: João Ferreira de Almeida. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos. São Paulo. Vida Nova. 2ª ed, 1988.

KEVAN, Ernest. A Lei Moral. São Paulo. Os Puritanos. 2000.

MATOS, Alderi de Souza. As Bases Bíblicas da Ética Cristã. Instituto Presbiteriano Mackenzie. São Paulo. Disponível em: www4.Mackenzie.br/7153.html. Acesso em: 01 mai.2009.

PORTELA, Solano. A Lei de Deus Hoje. São Paulo. Os Puritanos. 2000.

------------------------ A Pena Capital e a Lei de Deus. São Paulo. Os Puritanos. 2000.

REIFLER, Hans Ulrich. A Ética dos Dez Mandamentos. São Paulo. Vida Nova. 1992.

Um comentário:

  1. Vindo de Deus, por intermédio do amado Pastor Idauro, tinha que ser mesmo uma boa palavra!!!
    Quem tem ouvidos ouça...

    Soli Deo Glória!!!

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