Análise da Origem do Capitalismo e Sua Relação Com o Calvinismo, conforme Max Weber e H.R. Trevor - Roper
Por: Idauro Campos
INTRODUÇÃO
Quais as causas da prosperidade de grande parte dos países da Europa?
Qual a relação entre a religião protestante e o êxito industrial, econômico e social que tais países obtiveram? Há, de fato, esta relação?
Estas são algumas perguntas comumente formuladas pelos teólogos, economistas e sociólogos que se debruçam em análises históricas para tentar explicar o fenômeno do capitalismo em terras européias.
Neste artigo apresentaremos, de forma resumida, duas propostas distintas. A primeira, apresentada por Max Weber que em sua obra, “A Ética Protestante e o espírito do capitalismo”, procura identificar na religião protestante, especialmente o calvinismo, uma íntima relação entre a moral cristã e o progresso econômico. Posteriormente, avaliaremos as proposições de H.R. Trevor - Roper, em sua “Religião, Reforma e Transformação Social”, que pontua outras possibilidades para explicar a relação da prosperidade européia em terras protestantes.
A ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO
De acordo com Max Weber, sociólogo alemão nascido no século XIX, o rigor moral da religião calvinista, que rivalizou com o luteranismo o posto de segmento majoritário do movimento de Reforma Protestante, é o embrião do capitalismo que foi conhecido no mundo. A isto se devem alguns fatores. Em primeiro lugar, Weber enxerga na doutrina da predestinação, um dogma essencial do calvinismo, a base do individualismo típico e necessário ao capitalismo, pois como o indivíduo não deve esperar pela mediação da Igreja para obter o favor de Deus, conforme as postulações da teologia católica, mas, pelo contrário, ele só pode contar com a graça divina, não havendo meios externos de aproximação com a divindade, então, para se assenhorear da certeza da salvação, o homem precisa identificar em si as evidências da eleição, procurando, assim, na atividade profissional, em cumprimento de sua vocação, as mesmas, pois, de acordo com Weber, o êxito profissional seria uma das maneiras distintas de se identificar a própria eleição.
Outro aspecto importante nos argumentos de Max Weber é de que não só a preocupação dos calvinistas era com a própria salvação, embora fosse este, de fato, o seu núcleo dominante, pois o homem medieval era intensamente aflito com a questão do destino eterno de sua alma, mas, além disso, havia também a ênfase reformada na glória de Deus, manifestada por meio da agência dos eleitos no mundo. Destarte, os calvinistas, de acordo com Weber, lançavam-se em seus trabalhos, não só para confirmar o próprio chamado ao Reino de Deus, mas também queriam ver este Reino se estabelecendo sobre o mundo e tal processo somente seria viável mediante a militância engajada dos eleitos. O mundo, então, deveria refletir o Reino de Deus. Os valores do alto deveriam ser impressos na sociedade. Assim, a cultura, a política, a economia, a educação, a família, o trabalho deveriam sinalizar tais valores e é neste contexto de reflexão que o empenho dos calvinistas foi derramado.
À medida que a sociedade se tornasse cada vez mais próspera e justa, Deus, seria exaltado. É a prática do postulado “Soli Deo Glória”, em que os calvinistas compreendiam que tudo o que fazemos, pensamos e ansiamos tem como meta na vida à Glória de Deus. Weber identifica neste item uma força que impulsionava a ética calvinista e que também faz parte do nascedouro do capitalismo.
Em terceiro lugar, Weber Identifica na desconfiança calvinista acerca das emoções e sentimentos humanos outro aspecto que contribuiu para o capitalismo, pois tais subjetividades poderiam produzir um mascaramento da realidade e das prioridades do homem. Portanto, a objetividade racional era fortemente recomendada por Calvino, segundo Weber. Esta austeridade levou a uma inevitável descarga sobre as atividades que fossem objetivas. Tudo que distraísse a atenção deveria ser evitado, pavimentando o fluxo de nossa vida ao empreendedorismo tão valorizado nas potências capitalistas modernas.
Para Weber, o calvinismo foi uma forma criativa de asceticismo, porquanto era uma ascese moral, pois não implicava na retirada do eleito do mundo, conforme o monasticismo católico pontificava. Era uma ascese das preferências e prioridades identificadas e tinham como finalidade a transformação do mundo para a glória de Deus. Diferentemente dos monges medievais que se enclausuravam nos mosteiros para o serviço de Deus, o calvinismo, nas considerações de Max Weber, propunha uma separação não física do mundo, mas sim, e apenas, moral, pois nele (no mundo) serviriam a Deus, afastando-se do que fosse frívolo e desnecessário, mas, ao mesmo tempo, engajado nele, buscando, através do trabalho árduo e sistemático, a sua transformação.
De acordo com o sociólogo alemão, a doutrina da predestinação, a ênfase no mandato cultural para a glória de Deus e a austeridade de vida, compuseram as poderosas forças gravitacionais que agiram sobre o homem a partir do século XVI, contribuindo para a formação de uma nova ordem econômica: o capitalismo. E por quê?
Primeiro, porque o capitalismo enfatiza o self made man, isto é o homem que não depende de ninguém, mas que se faz sozinho. A ênfase na justificação pela fé somente, que vem a nós, somente pela graça soberana de Deus aos predestinados, tornou o homem solitário e único no seu encontro com Deus. Essa responsabilidade individual, não mediada por sacerdotes ou pela igreja, esboça o sentimento de dever que o homem tem para com o seu destino, não dependendo ou esperando por ninguém. O self made man capitalista é o homem que tem o seu destino na mão. Não depende de instituições. Não depende de sua família. Não depende do Estado. Ele é responsável. Sua salvação econômica e social não pode ser mediada. O seu destino e progresso dependerão de seu próprio desempenho, somente. Esta postura capitalista, ou melhor, este espírito capitalista, Max Weber enxergou no protestantismo, especialmente no protestantismo calvinista.
Além disso, a ênfase no trabalho para a glória de Deus deixou como herança ao capitalismo que a atividade profissional, especialmente a comercial, era digna. Tão digna que Deus a recebia como louvor à sua honra. O fruto da atividade comercial, o lucro, tão mal visto por círculos católicos à época (de acordo com alguns comentaristas), foi elevado à categoria de nobre e através de seu ganho a sociedade podia ser mantida. O lucro era a resposta de Deus à vocação bem empenhada. Nada mais justo. Esta dignidade do empreendimento comercial e do lucro seria especialmente válida para a semeadura do capitalismo nas nações protestantes, embora seja contestada a idéia de que Calvino realmente tenha ensinado isso e o próprio Trevor-Roper declara que Max Weber tampouco colocou tal sentença na pena de João Calvino. Mas, apesar de tais contestações, não nos surpreenderia se esta representasse um desdobramento posterior das idéias do reformador de Genebra por parte de alguns.
Finalmente, a austeridade permitiu uma concentração das forças produtivas na livre empresa. Já que as emoções, os sentimentos, as amizades, as festas eram vistas como sendo descontroles, distrações e desperdícios, toda a energia da vida, então, foi canalizada para o trabalho, o único dever real do homem, o que fortaleceu a atividade econômica.
Apesar da lucidez e da atração que as idéias de Max Weber podem exercer, contudo, estão longe de serem consensuais. Há outras idéias e tentativas de responder sobre a origem do capitalismo e se há de fato alguma relação de seu embrião histórico com a Reforma Protestante. É o que veremos mais adiante.
RELIGIÃO, REFORMA E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
Professor de história da Universidade de Oxford por vinte e três anos, H.R. Trevor-Roper, possui conclusões diferentes acerca da origem do capitalismo nas potencias protestantes. Primeiramente, Trevor-Roper propõe um período diferente do de Weber como marco do capitalismo. O historiador postula alguns problemas que fragiliza as conclusões de Weber, vejamos:
Em primeiro lugar, Trevor-Roper apresenta que empiricamente a tese de Weber não passa no teste, pois nações que se mantiveram na tradição religiosa católica, como é o exemplo da Áustria e da França e que, portanto, não gozavam do mesmo rigor moral e das concepções doutrinárias dos calvinistas que lastrearam o sucesso econômico dos países onde foram beligerantes, contudo, progrediram à semelhança dos países protestantes. Ao mesmo tempo em que nos pergunta o porquê da Escócia, com forte tradição calvinista e recursos naturais generosos, não teve o mesmo ímpeto desenvolvimentista que a anglicana Inglaterra. Para Trevor-Hope, situações como estas são pontuais na hora de avaliar com cautela alguns axiomas propostos por Weber.
Em segundo lugar, Trevor-Roper também aponta para o fato de que nem todos os calvinistas eram rigorosos em sua piedade e nem todos agiam conforme suas crenças, colocando em xeque, então, o depósito moral que Weber alega possuir os calvinistas e que tanto foi primordial no desenvolvimento das potências protestantes. Na verdade, Trevor-Roper indica até mesmo a circulação nas trincheiras morais por parte de alguns calvinistas, haja vista que muitos, mesmo defendendo confessionalmente o calvinismo, ajudaram a financiar causas católicas contra os protestantes e isso por causa do lucro e poder.
Em terceiro lugar, Trevor-Roper também pontua que muitas das nações que abraçaram o calvinismo como expressão da fé cristã protestante não se desenvolveram economicamente por causa de tais crenças, mas sim porque em seus territórios circulavam comerciantes estrangeiros (flamengos) que já eram empreendedores em seu país de origem e uma vez expulsos de sua terra natal, encontraram em países como a Holanda, por exemplo, as circunstâncias necessárias à livre empresa. Hoper faz questão de dizer, inclusive, que as idéias calvinistas sobre economia pouco efeito fizeram sobre os naturais de Escócia, Holanda e Suíça. E, mesmo cem anos após a militância de João Calvino, não se produziu um único grande empresário calvinista em terras suíças.
Trevor-Roper afirma categoricamente que havia fortes movimentos capitalistas antes da Reforma Protestante, especialmente capitaneada por Lisboa, Antuérpia, Milão, só para citar alguns. Tais centros eram economicamente ativos e foram eles que deixaram a herança do capitalismo para o século XVI e não a ética calvinista.
Para Trevor-Roper a confusão começa quando Weber não percebe que o que aconteceu foi tão somente à emigração destes capitalistas para as regiões onde afluíam às idéias protestantes. Eles levaram o conhecimento e as técnicas de mercado para tais lugares, fugindo das perseguições que lhes eram impostas. Na verdade, o que para Weber foi uma contribuição doutrinária e prática do calvinismo, para Trevor-Roper tudo não passou de contingência histórica, pois tais empreendedores aportaram em bolsões calvinistas, mas, independentemente de onde estivessem, levariam seus conhecimentos de mercado a efeito, até mesmo para lhes garantir a sobrevivência, possibilitando assim o progresso econômico de qualquer maneira. Destarte, para Trevor-Roper, o calvinismo levou a fama, sem merecer, de padrinho do capitalismo nas proposições de Max Weber.
Trevor-Roper é conclusivo ao afirmar que perseguições praticadas por autoridades católicas contra alguns poderosos homens de negócios na Europa que compartilhavam das idéias do humanista Erasmo de Roterdã, o que atraiu o ódio da Igreja Católica, foi o que forçou tais empresários a fugir para ambientes mais seguros, geralmente em países protestantes, sendo este, enfim, o evento catalisador para o florescimento do capitalismo em domínios calvinistas.
CONCLUSÃO
Nossa proposta foi à abordagem resumida de duas proposições distintas que explicam a origem do capitalismo e qual a relação deste com a Reforma Protestante. Avanços no intuito de chegar a conclusões mais aprofundadas serão necessários em investigações posteriores. O assunto é rico. O contexto histórico situado é amplo. O tema é instigante. Outros autores precisarão ser convocados à contribuição. De uma maneira ou de outra, mesmo que não sejam satisfatórias, as possíveis respostas nos ajudarão a chegar, pelo menos, mais perto das perguntas abaixo:
Protestantismo e Capitalismo são irmãos? Seus encontros históricos foram meramente acidentais? Um deriva do outro? Ou são gêmeos? Eis uma boa assertiva para um futuro próximo.
Soli Deo Glória!!!
REFERÊNCIAS
TREVOR-ROPER, H. R. Religião, Reforma e Transformação Social. Lisboa: Editorial Presença/ Martins Fontes, 1972.
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Martin Claret. 4ª ed, 2001.
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