sábado, 23 de abril de 2011

CONVERTENDO TALHAS DE PEDRA EM CÁLICES!

TEXTO: João 2: 1 a 22

POR: Caio Fábio D'Araújo Filho



Vamos ler o Evangelho de João, no capítulo 2. E enquanto você se prepara para ler, eu queria que você prestasse a atenção no seguinte: o Evangelho de João é bastante diferente dos outros 3 Evangelhos:Mateus, Marcos e Lucas.


Marcos é um Evangelho profundamente objetivo e pragmático. Ele não tem genealogia, ele não conta histórias de Jesus anteriores ao início do ministério de Jesus. Mais do que ensinos e oráculos do Senhor, Marcos afirma fatos, feitos, acontecimentos, histórias, milagres, encontros.



Mateus usa essa estrutura de Marcos e acrescenta algumas outras coisas, especialmente, uma quantidade grande de parábolas e ensinos de Jesus. Acrescenta o Sermão do Monte e muitas falas de Jesus que não estão presentes em Marcos. Sem esquecer também a genealogia de Jesus, o nascimento, visita dos Magos, coisas que aconteceram na infância de Jesus, e estão presentes ali, algumas delas.



Lucas vai mais longe ainda. Ele tem uma genealogia que não vai apenas até Abraão; portanto, diferente da de Mateus que é bastante étnica, posto que um de seus objetivos (do evangelho de Mateus), era mostrar que Deus cumprira o seu propósito e a sua promessa conforme feita a Abraão, conforme afirmada em Davi e conforme todos os profetas de Israel, de modo que Jesus era o Cristo, o Filho de Deus.



Lucas, entretanto, faz com que essa genealogia vá até Adão. E amplia os horizontes, vinculando-os à toda humanidade. Até porque Lucas, como discípulo de Paulo, está o tempo todo preocupado em afirmar coisas acerca do Evangelho que fossem pertinentes ao mundo inteiro, e não apenas ao judaísmo e aos judeus. Por isso, ele vai até Adão, e como quê, diz a todos: Olha, se você não é judeu, mas humano você é; e essa Palavra aqui é para todos os seres humanos.



A proposta do Evangelho de Lucas também é tentar apresentar uma narrativa em ordem um pouco mais cronológica. Por isto ele diz que escreveu depois de muita pesquisa, e com toda a exatidão possível, para dar a conhecer a um homem chamado de Excelentíssimo Teófilo, as coisas que tinham acontecido e estavam acontecendo naqueles dias (Atos), e antes daqueles dias (O Evangelho).



João, no entanto, não tem nenhuma dessas preocupações. A genealogia dele é metafísica. No princípio era o Verbo. O Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio Dele e sem Ele nada do que foi feito, se fez.



Portanto, João não remete o Messias apenas para o mundo das ocorrências, como Marcos; nem para Abraão, como Mateus; não remete o Messias para Adão, como Lucas; ele o remete direto para Deus. Ele é o Logus de Deus. É o Verbo Encarnado que apareceu entre nós cheio de Graça e de Verdade. E vimos a sua glória; glória como do unigênito do Pai.



Além disso, João não tem preocupações cronológicas, que você vê nos outros Evangelhos chamados sinópticos – Mateus, Marcos e Lucas. Neles, apesar de algumas diferenças, as coisas estão razoavelmente em ordem, na seqüência. São narrativas históricas, progressivas, que guardam coerência com a trajetória histórica.



João é muito sincero em relação ao que ele está fazendo. Ele não está escrevendo uma biografia de Jesus. Ele está relatando a mensagem de Jesus. A mensagem que ele, já idoso, havia discernido durante o curso da sua própria vida, e cuja síntese estava cada vez mais clara no entendimento dele.



É por isso que ele não guarda essa preocupação cronológica. Por exemplo: aqui, em João no Cap. 2, a gente tem o início do ministério público de Jesus transformando água em vinho, em Caná da Galiléia. Esse é seu primeiro sinal: Interveio naquele casamento que estava fadado ao fracasso, numa celebração de alegria que se empobrecia pela falência do vinho, e era assim porque o vinho tinha acabado—Sim, Ele transformou a água em vinho para que a festa continuasse.



Mas logo a seguir, a gente vê que Jesus sai dali, e João diz que Ele entrou no templo. E Ele olhou todas as coisas em volta e viu o comércio da fé, que estava sendo feito ali. E se insurgiu contra isso, expulsou os cambistas, os vendilhões, e todos aqueles que eram os camelôs da fé, que estavam vendendo pacotes de sacrifício e de barganha entre o homem e Deus, os enxotou dali com o azorrague que Ele, premeditadamente, construiu e que usou; da maneira mais pragmática possível, contra aqueles que ali estavam negociando com as coisas de Deus, na casa de Deus, e fazendo manipulação do sagrado.



Eles estavam ideologizando Deus de um lado e comerciando Deus de um outro. Vendendo Deus como fetiche. Transformando o lugar do culto a Deus num panteão de ídolos, que ali não se manifestavam conforme o panteão greco-romano. Claro! Não havia nichos com imagens de escultura, mas havia a idolatria da barganha com Deus, e do negócio com Deus, e da comercialização das coisas de Deus.



Ora, esse episódio, da purificação do templo, não começa, de fato; e nem acontece, de fato; no início do ministério de Jesus. Mas acontece no final, quando Ele entra triunfalmente, em Jerusalém; e logo depois vai ao templo, e faz isto.



João, como eu disse, não esconde a sua sinceridade quanto ao fato de que ele não está voltando e narrando o Evangelho como cronologia. Ele está narrando o Evangelho de conteúdos, de significados, de mensagem. E ele diz isso no final do seu Evangelho. Quando ele está concluindo, ele diz: Ora, Jesus fez muitas outras coisas que não estão escritas aqui, neste livro. Se cada uma delas fosse narrada, fosse contada, não haveria na terra lugar para guardar os livros que seriam escritos. Estas, porém, que eu escrevi, o fiz para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus; e para que crendo, tenhais vida em Seu nome.



O fato de que ele é João deliberado na construção da arquitetura do seu Evangelho, fazendo com que a própria construção do Evangelho carregue a mensagem que ele quer passar, e que também se expressa na eleição que o apóstolo fez dos milagres que ele escolheu para colocar ali. Porque foram tantos os milagres de Jesus que, ele mesmo, João, teve que selecionar alguns; que eram indicadores crescentes da mensagem que João queria afirmar para todo ser humano que lesse o seu Evangelho.



E aí ele começa com o milagre de Caná, que é um deles. Depois tem a cura do filho do oficial do rei. Depois, no capítulo 5, tem a cura do paralítico de Betesda, que estava ali há 38 anos. Depois tem-se a multiplicação dos pães e peixes. Depois Jesus anda sobre as águas. E você vai prosseguindo e vendo que vem a cura do cego de nascença, e a ressurreição de Lázaro. E você vê que cada um desses episódios João atrela diretamente à mensagem que Jesus falara antes ou depois. Isto porque, do ponto de vista de João, o milagre, conquanto real, era também metafórico, parabólico, ilustrativo, da mensagem que Jesus trouxera e encarnava.



Ou seja, Jesus, naqueles contextos, partiu de um milagre realizado, e transforma o milagre numa metáfora, para que os seres humanos compreendam o significado da mensagem.



Isso posto, a gente vai ler agora João, no capítulo 2, porque com essa introdução, o entendimento já cresce mais do que o tamanho dessa catedral. Se a gente ler, com essa consciência, tudo mudará.



“Três dias depois, houve um casamento em Caná da Galiléia, achando-se ali a mãe de Jesus. Jesus também foi convidado, com seus discípulos, para o casamento. Tendo acabado o vinho, a mãe de Jesus lhe disse: Eles não têm mais vinho. Mas Jesus lhe disse: Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é chegada a minha hora. Então, ela falou aos serventes: Fazei tudo que ele vos disser. Estavam ali seis talhas de pedra, que os judeus usavam para as purificações, e cada uma levava duas ou três metretas. Jesus lhes disse: Enchei d’ água as talhas. E eles as encheram totalmente. Então, lhes determinou: Tirai agora e levai ao mestre-sala. Eles o fizeram. Tendo o mestre-sala provado a água transformada em vinho (não sabendo donde viera, se bem que o sabiam os serventes que haviam trazido a água), chamou o noivo e lhe disse: Todos costumam pôr primeiro o bom vinho e, quando já beberam fartamente, servem o inferior; tu, porém, guardaste o bom vinho até agora. Com este, deu Jesus princípio a seus sinais em Caná da Galiléia; manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele. Depois disto, desceu ele para Cafarnaum, com sua mãe, seus irmãos e seus discípulos; e ficaram ali não muitos dias. Estando próxima a Páscoa dos judeus, subiu Jesus para Jerusalém. E encontrou no templo os que vendiam bois, ovelhas e pombas e também os cambistas assentados; tendo feito um azorrague de cordas, expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e os bois, derramou pelo chão o dinheiro dos cambistas, virou a mesa e disse aos que vendiam as pombas: Tirai daqui estas coisas; não façais da casa de meu Pai casa de negócio. Lembraram-se os seus discípulos de que está escrito: O zelo da tua casa me consumirá. Perguntaram-lhe, pois, os judeus: Que sinal nos mostras, para fazeres estas coisas? Jesus lhes respondeu: Destruí este santuário, e em três dias o reconstruirei. Replicaram os judeus: Em quarenta e seis anos foi edificado este santuário, e tu, em três dias, o levantarás? Ele, porém, se referia ao santuário do seu corpo. Quando, pois, Jesus ressuscitou dentre os mortos, lembraram-se os seus discípulos de que ele dissera isto; e creram na Escritura e na palavra de Jesus.” Amém!



Oração:



Pai, ilumina a nossa mente; a de todos nós. A minha, para que eu não seja um elaborador de pensamentos relacionados a tua Palavra, mas apenas um instrumento que não precisa nem se servir de pensamentos; ao contrário, que eu corra atrás da própria Palavra, que ela brote de mim, numa intensidade maior do que a minha capacidade de produzi-la. E, por favor, sê com a mente de cada um de nós, de modo que ninguém fique para trás, ninguém se atrase, ninguém se distraia, ninguém se feche, ninguém se entrave, ninguém sele o coração, ninguém se deixe vencer por qualquer coisa; mas, ao contrário, que a tua Palavra nos visite, não apenas entrando pelos nossos ouvidos, mas sobretudo, ecoando como voz de muitas águas, nos nossos corações, dentro de nós; de tal maneira que não haja nada fora de nós que nos impeça a escutá-la no coração. Em nome de Jesus. Amém.



Vocês lembram do que eu acabei de falar antes de ler o texto. João está interessado em apresentar para nós, nessa construção que ele faz, uma mensagem.



E que mensagem é essa?



Existem vários desdobramentos dessa mensagem, mas o centro dela, simplificadamente, é basicamente o seguinte: O ministério de Jesus começa num casamento. Numa festa. Em bodas. Na experiência do encontro humano, da alegria humana, no ápice da celebração do encontro humano, que é a conjugalidade que se assume como satisfeita na intenção de que a vida inteira aconteça a dois.



Ali, se estava cumprindo uma determinação existencial de Deus. Num casamento, se está cumprindo um projeto existencial de Deus e rodando um softer que Ele instalou no coração humano quando o criou. Porque o criou, perfeito. Sem pecado, sem defeito, sem coisa semelhante; mas ainda que o tenha criado assim, deixou na perfeição o buraco de uma necessidade a ser preenchida. Havia um vazio no perfeito? Não! A perfeição, no homem, não prescindia do encontro.



De modo que não havia queda, não havia pecado, não havia coisa alguma que relativizasse a experiência do homem com Deus quando o próprio Deus deixa Adão sentir a nostalgia do desejo de um encontro com um semelhante.



E o Senhor, então, vê a saudade de-não-sei-do-quê que estava habitando o coração de Adão.



Isso interessa, em muito, a nós, porque Deus é um Deus tão extraordinariamente Deus, que Ele não faz aquilo que um deus inseguro faria. Um deus inseguro de si, criaria criaturas cuja necessidade absoluta, única, exclusiva, total e plena, fosse de Deus, e só de Deus. Mas o Deus que é, é tão Deus, que Ele cria criaturas—e aqui no caso, da criatura humana—, que antes mesmo de ter experimentado sua própria relatividade, como pecado, culpa, queda, vergonha, des- sincronia de Deus, separação—Sim! antes disso tudo, ainda enquanto o homem está vivendo a tranqüilidade pura do Jardim, nas condições daquela criação que não havia sido tocada nem poluída por coisa alguma, já havia o sentir da necessidade de um outro, de um igual.



Até porque, como diz o apóstolo João, aquele que ama a Deus, a quem não vê, manifesta o amor de Deus naquele a quem ele vê; de modo que, a complementaridade da consciência da fé e da relação com Deus, acontece nesse nível, horizontal: toda experiência com Deus que não desemboca no encontro com o próximo e na percepção do próximo e no amor ao próximo, não foi experiência de Deus, profunda e genuína. Não é assim hoje; e, interessantemente, não era antes de haver culpa de pecado no mundo, porque Deus estabeleceu que assim fosse; e disse: Não é bom que o homem esteja só, far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea.



Aqui acaba aquela angústia culposa dos seres humanos têm em relação a Deus. Sim, eles amam a Deus têm fé, são cheios de esperança, foram marcados e selados pelo Espírito Santo, são habitação de Deus, são santuário de Deus, e, ainda assim, sentem falta de um abraço, de um beijo, de um carinho, de uma mão amiga, de um convívio, de um cônjuge, de um outro com quem compartilhar a vida, de uma companhia, de relacionamento; não apenas conjugal, mas também fraternal, ou de qualquer outro nível; porque está estabelecido pelo próprio Deus, antes de haver pecado, e não como decorrência do pecado, mas como decorrência da criação e da instituição do tipo de ser que nós somos, que a nossa relação com Deus não faz supressão da nossa necessidade de vinculação com o próximo. E foi Deus quem assim o instituiu, de modo que você não tem que fazer projeção e nem sublimações para Deus de necessidades que são completamente humanas, porque nem só de pão vive o homem, mas também de pão vive o homem. O homem não pode é jamais viver sem a Palavra que sai da boca de Deus.



Portanto, o meu conhecimento de Deus e o aprofundamento da minha vida com Deus, não faz supressão de necessidades básicas da vida, assim como eu me alimentar da Palavra de Deus não me exime da necessidade de comer pão todos os dias e de dizer: O pão nosso de cada dia nos dá hoje!



Se a gente entende isso, algumas coisas começam a ficar claras. Jesus está, portanto, presente, fazendo um milagre, no ponto vértice do encontro humano. E o gênesis do encontro humano, foi a criação da mulher; que é trazida ao homem por causa de um reclamo do homem, por causa de uma nostalgia de um ser satisfeito com Deus e carente de um encontro com um semelhante.



Porque assim como o Gênesis apresenta a chegada de um igual para complementar esse ser que carrega a imagem e semelhança de Deus, mas que no mundo só se sente também satisfeito se encontrar um semelhante, e fazer com ele, Um na caminhada—Assim também o Verbo encarnado, e que estava entre nós, inicia o seu primeiro contato explicito como o Adão da Graça, no encontro entre o homem e a mulher. Sim, Ele faz isso num casamento.



Só que naquele casamento, de maneira extraordinária, o vinho acaba. E acaba de modo extremamente próprio para as intenções de Jesus, no que diz respeito à Sua fala metafórica; em relação a mensagem que ele queria propor.



Acaba o vinho, e a mãe de Jesus, como todas as demais mulheres atentas às coisas que estão acontecendo, não apenas no salão de festa, mas na cozinha—porque essa é uma tarefa para a qual a mulher, quase sempre, tem todas as antenas ligadas—, e diz ao seu filho: Olha, acabou o vinho. O pessoal está na maior agonia. Não têm mais o que tomar, e a festa ainda está longe de terminar. Eles estão com um problemão.



Aí Jesus disse: Mulher, o que tenho eu a ver com isto? Com este problema, com esta hora?



Mas ela vai adiante, chama os serventes, aponta o filhão, e diz assim: Ó! Façam tudo quanto Ele disser.



Aí os caras, no ar, ficam assim, sem pai e sem mãe, diante de Jesus, sem saber o que é que viria pela frente. E Jesus olhou e viu que havia ali 6 talhas, que os judeus usavam para as purificações. Eram talhas para lavagens de mãos, aquelas ali. Geralmente os judeus tinham em casa dois tipos de talhas. Uma nas quais se poderia colocar até cerca de 7 galões e meio de água; que é o caso dessas aqui, para que se lavasse as mãos, para que se fizessem as abluções de limpezas rituais do corpo, e também para que se usasse na lavagem de colchões, utensílios e demais objetos que precisavam ser purificados conforme o rito; especialmente o rito conforme o farisaísmo que queria tudo completamente “purificado”, como se a água tivesse esse poder de purificação espiritual, em-si.



E havia também um outro tipo de talha na qual se poderia colocar cerca de 40 galões de água. E essas, eram usadas para o indivíduo tomar o banho inteiro, o banho purificatório. Aí ele entrava e ficava se lavando todo, enquanto fazia suas próprias orações de limpeza; era um “descarrego” do que ele estava trazendo da rua.



Nesse caso em questão, como eu disse, as talhas são as menores. Mas assim mesmo não são tão pequenas: 7 galões e meio de água; não é pouca coisa para se colocar dentro de uma talha.



Seis talhas com aquela capacidade de guardar conteúdo líquido! E Ele não hesita; quando Ele olha e vê aquelas talhas das purificações, Ele disse: Peguem!



Ora, as talhas eram consideradas sagradas dentro da casa. Eram utensílios sacrossantos, eqüivaliam à pia batismal, que ali está, sendo que essa aqui é pequena em relação a quantidade de líquido que aquelas talhas podiam conter.



Foi um choque! Era como alguém remover a pia batismal desta Catedral dali e encher ela com vinho!



Imagine: se o casamento estivesse acontecendo aqui dentro, e se a recepção acontecesse também aqui dentro também, e eu enchesse essa pia batismal com vinho. Agora, de certa forma, dá para começar a imaginar o impacto do que aconteceu! Sim, porque a gente lê isso tudo, assim, com uma ingenuidade, tudo muito bonitinho para nós; e a gente não tem idéia do impacto na consciência dos presentes; que não eram gentios como nós, que temos uma herança pagã, que fizemos uma outra viagem. Para eles, o significado era absolutamente cho-can-te!



De fato, significava algo profano, o que Jesus realizou.



—Tragam aquelas talhas da purificação, encham-nas d’água e depois levem ao mestre-sala!



Aí eles foram e fizeram exatamente o que Jesus havia falado; encheram as talhas de água, e levaram ao mestre-sala. E o mestre-sala chegou, olhou, e quando ele olhou, abriu: Vinho!



E este aqui é um aspecto interessante, porque este milagre acontece sem toque, sem declaração de palavras. É um milagre que acontece determinado pelo Desejo de Deus. Assim como o casamento. Casamento é instituição do desejo, da vontade, da escolha. Aquele milagre também. Acontece em conformidade e com absoluta propriedade em relação ao momento.



O momento era celebração do desejo. O momento era a celebração da vontade. O momento era a celebração da escolha.



O milagre acontece como escolha de Jesus, vontade, desejo. Ele só deseja que assim seja; e assim é.



E aí, o mestre-sala prova, e diz: Não tinha havido ainda nessa festa, vinho melhor do que este!



Chama o noivo, e diz: Olha, há uma lógica invertida acontecendo aqui. Em qualquer cerimônia das que eu organizo—e o texto grego para mestre-sala, de fato, é governador; aquele indivíduo que é o chefe do cerimonial, que fica ali dizendo o quê é o quê, quem é quem; onde é que fica quem; como é que as coisas acontecem, como é que a festa tem que se desenvolver—tudo acontece diferente do que está acontecendo aqui.



Sim, aquele homem diz: De todas as festas que eu já organizei esta é a mais inusitada. Porque ela viola a lógica da camuflagem. Normalmente, põe-se primeiro o bom vinho, e quando todos já beberam fartamente, quando existe já um mínimo de intoxicação dos sentidos, quando a alegria já tomou conta do coração; e ai o indivíduo já começa achar que guardanapo é bolo—; é ai, então, que se serve o vinho inferior. E ai, às 4 horas da manhã, tanto faz o que eles estão tomando. Vinagre já virou vinho de safra boa. Mas tu, inverteste completamente esta lógica, porque tu guardaste o bom vinho até agora.



E é extraordinário nisso tudo também a discrição de Jesus. Não há salamaleques, não há glória pessoal a ser demonstrada; a não ser para aqueles que discerniram o mistério; a não ser para aqueles que discerniram a “discrição” de Deus; a não ser para aqueles que estavam próximos o suficiente para ter percebido a mutação não declarada; com ausência total de exibicionismo.



É por isso que eu me enojo tanto de todos os milagres que fazem propaganda de si mesmos. Porque com Jesus de Nazaré não foi assim.



E aí, João diz: Assim deu início Jesus, aos seus sinais, em Caná da Galiléia, manifestou a sua glória e os seus discípulos creram Nele.



Só os que estavam perto e abertos discerniram e perceberam. Os outros, receberam o benefício de alguma coisa que para eles não chegou nem a ser um problema, porque a necessidade não havia sido confessada como tal para aqueles que ali estavam reunidos. A festa apenas continuou e ninguém ficou nem sabendo porque que continuou.



O que será que Jesus está nos ensinando com isso? E o que será que João, ao usar este milagre inicial está nos dizendo?



Especialmente na seqüência, quando isso se emenda com a purificação do templo, um pouquinho depois; que significado terá?



A primeira coisa,
gente, é que os nossos recursos humanos são todos finitos, são todos acabáveis, são todos exauríveis. Em qualquer dimensão da nossa vida, e não apenas relacionada ao casamento, mas em qualquer outra área da vida , o que o homem produz tem começo e tem fim.



A segunda coisa é que a melhor preparação humana não é, de modo algum, garantia de que não haverá uma surpresa, um susto, uma frustração, uma impossibilidade de dar continuidade por conta própria ao que estava em processo. Também mostra-se a impotência humana quanto a carregar em-si-mesma todas as soluções para os sustos da vida.



A gente faz planos, a gente projeta, a gente estabelece, a gente vai fazendo o que pode, mas mesmo o mais preparado de nós não tem como prever seguramente o que pode acontecer; porque, às vezes, é o vinho que acaba; outras vezes, é o telhado que cai sobre o vinho que não ia acabar.



Mas aqui se estabelece o limite humano. A impotência humana, a incapacidade humana de fazer solução para sua própria situação quando ela se estabelece como surpresa total.



A terceira coisa que aqui aparece
tem a ver com essa vontade de Deus de que a celebração humana não termine; e não acabe. Em Jesus de Nazaré, a gente tem um Deus que gargalha, a gente tem um Deus que ri, a gente tem um Deus amigo de pecadores, a gente tem um Deus que come, a gente tem um Deus que bebe, a gente tem um Deus que aceita convites para festas, a gente tem um Deus que participa de banquetes, a gente tem um Deus que é a própria desconstrução do “deus” da Religião; ou de todos os outros deuses, que são completamente antagônicos a alegria humana.



Todo “Deus” é meio Zeus. Grego, caprichoso, profundamente de veneta, e que de vez em quando faz intervenções abruptas; porque a alegria dos mortais gera ciúme nele.



Assim também é o deus da religião. Por exemplo, o deus cristão, que não necessariamente é Jesus-Deus, mas é uma criação nossa—Sim, veja como é o deus cristão. Trata-se de uma produção, muitas vezes da nossa própria criação, um deus feito à nossa imagem e semelhança, muitas vezes, muito parecido com os deuses dos gregos. Não suporta alegria na terra; é um estraga prazeres. Se tiver começando a ficar bom, o cara já começa a ficar culpado e com medo de deus. O indivíduo já nem confessa muito a alegria com aquele medo de que “Deus-Zeus”, a qualquer hora, venha e estrague.



Então me diga se essa não é uma neurose instalada dentro de nós?



Me diga se você não tem medo de “Deus” quando se trata de prazer e alegria!?



A pessoa pensa: Eu nem vou dizer que eu estou feliz demais que é para não acabar!



Uma das frases mais próprias para nós é: Isso aqui é bom demais para ser verdade!



Ou seja: se está bom, a gente até atribui uma mentira a isso que está acontecendo porque não é possível que o bom seja bom.



E porque não é possível que o bom seja bom, se não porque, aqui no fundo, a gente tem medo de que celebrar o bom como bem, possa significar algum tipo de ciúme na divindade ou em qualquer outro poder? Sem falar na inveja dos homens, que virá destruir o que está acontecendo com a gente!?



O fato é que a experiência do gostoso, do bom, da felicidade, do alegre, do jubiloso, daquilo que é dionísico, nesse sentido de que deixa a alma feliz, já carrega em si, para nós, uma dose de culpa. Aí você tem que fazer regulação das suas próprias alegrias. Ou então você fica alegre, alegre, alegre; mas toda hora dizendo: Senhor, Tu és a minha alegria maior! Senhor, Tu és a minha alegria maior! Oh! não esquece não Senhor, que o Senhor é a minha alegria maior; viu?! Não! Não te equivoques a meu respeito. Mas que está bom, está! Mas o Senhor é a minha alegria maior!



Ou então faz-se como os judeus, lá no Salmo 137. Estando eles lá no cativeiro em Babilônia, quando os babilônios lhes pediam para cantar canções de Deus em terra estrangeira, e eles diziam: Aqui não dá para cantar, porque nós estamos em cativeiro; e como é que a gente vai celebrar as alegrias de Sião aqui numa terra estranha?



Mas há uma frase no salmo 137 que não tem nada a ver com o que eu estou falando de um modo geral no contesto mais amplo desta mensagem, mas que tem a ver com o que eu vou falar ainda, e que se relaciona com o que eu acabei de dizer; e que diz o seguinte: Ó Jerusalém, se eu me esquecer de ti, que me seque o meu braço direito e que a minha língua se me apegue ao céu da boca, se eu não te puser a ti, ó Jerusalém, como a minha maior alegria.



E é o que os judeus fazem hoje num casamento; sabem o que é? É pegar, depois do casamento, um cálice, colocar no chão, cobrir com um pano, e o cara vai alí e faz assim ó, páaa!—e esmaga o cálice! Porque? Ele está dizendo que a maior alegria dele, está “debaixo” de Jerusalém. É uma confissão para Deus, que tem que se repetir; olha: Eu estou feliz da vida; mas saiba: “O dia da minha maior alegria eu esbagacei todinho, por amor a Ti!” Como se Deus não ficasse alegre com as nossas alegrias. Como se a alegria de Deus não fosse a nossa alegria. Como se o júbilo de Deus não fosse nos ver reconciliados, felizes, bem amados, amando, nos encontrando, vivendo.



Em Jesus, esse milagre de transformar água em vinho coincide completamente com a declaração que Ele fez a cerca de si mesmo: Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância. A alegria de vocês é a minha alegria. O que fizer bem e construir o coração de vocês, é a minha felicidade!



Deus não sente ciúmes de Eva, nem de Adão, e nem da necessidade de Adão de encontrar Eva. E não se sente menos Deus quando Adão, antes mesmo de haver queda, diz: Eureka! Esta, afinal, é carne da minha carne, osso dos meus ossos; chamar-se-á varoa, porquanto do varão foi tirada, foi projetada. É projeção do meu desejo!



Deus não se enciúma da alegria!



A outra coisa que Jesus está ensinando com isto é que um dos piores inimigos da felicidade humana é a religião que quer se instituir como absoluto existencial, no coração da gente. E ele aí desce um cacete metafórico na limitação da religião. Assim como o homem não consegue fazer provisão para si mesmo que traga felicidade perene para o seu próprio coração, nem tampouco a religião o pode. E o que salva a religião, é vinho. O que salva a religião é que seu conteúdo seja transformado em celebração de vida que não se antagonize com a felicidade humana. Porque a religião sim, diferentemente do Deus vivo e verdadeiro, é ciumenta, é caprichosa. Onde houver alegria, ela quer diminuir o facho. Onde houver uma esperança e uma festa na praça, ela quer parar para, de repente, estabelecer uma ordem fora de ordem. Ela quer fazer uma intervenção com a impropriedade da manifestação que diz: eu estou presente aqui!



Porque a religião, sim, não consegue ver liturgia no encontro dos amantes; não consegue ver alegria no encontro fraterno que ela não controle; não consegue discernir devoção no beijo; não consegue ver espiritualidade na gargalhada feliz de quem está satisfeito de ser quem é, de ter encontrado outros, e de celebrar a vida; ela não consegue ver liturgia na vida.



Aí vem Jesus e bagunça o coreto! Opera o milagre de transformar água em vinho na pia batismal, nas talhas da religião.



—Olha, este container de líquido já não servirá nesta noite para qualquer ablução religiosa, que lava apenas as mãos, mas não lava o coração. Vocês terão que aprender a beber nas talhas da religião o vinho da felicidade! Porque foi isto que eu vim fazer! Encher de alegria e vida o que antes era pedra e religião.



E mais do que isso, Jesus prossegue e entra no templo. Ele tinha acabado de transformar água em vinho, nas talhas da religião, nas pias de purificação, nos containers sacrossantos que ofereciam a água benta para lavagem de impurezas; e que nada mais podiam lavar do que apenas a colagem e o grude de micróbios e de sujeiras que se agregam à mão. Portanto, não têm o poder de produzir nada mais do que higiene para o corpo; jamais higiene para a alma.



Aí, Jesus entra no templo. E notem como a seqüência continua. Passa do extraordinário, como o milagre de transformar a água em vinho; e transcende o episódio em si.



Vem do casamento. Era remédio da misericórdia de Deus para aquela hora; e o remédio da misericórdia de Deus para aquela hora era socorrer os noivos de um vexame; e ajudá-los a não verem o dia da sua alegria ser interrompido por causa de uma escassez. Mas é muito mais do que isso.



Ele agora entra no templo. Aí, quando Ele entra lá, Ele vê negócios sendo feitos, barganhas; e a cena é chocante; até boi tinha lá!



Baummm! Já imaginaram? Aquele curral e todas as suas “decorrências”; porque até hoje eu não encontrei um boi com “etiqueta”. O bicho vai, dá vontade, e blum...bluá...blum!



Boi e ovelha: bluá e blum! Pombo? Piolho! Todas aquelas coisas; um zoológico no templo. E a moçada dizendo: Olha, pombos para purificação mais baratos na minha tenda! Venham aqui! Ou então: Uma vaca sagrada!—depois dizem que isso é coisa de indiano! Uma vaca sagrada, aqui! A minha é melhor!



E os caras gritando, e os outros se oferecendo para o cambio—Não tem como trocar a minha? —Venha, aqui tem troco. Vamos lá! Forneço! Vamos que vamos povo de Deus!



Era um Mercado Espiritual. Ou como boa parte das igrejas prevalentes de hoje em dia.



O evangelho de Marcos diz que Jesus fez o azorrague bem devagar. Foi tecendo. Aqui e ali ele enfiava um objeto assim, duro, uma ponta de alguma coisa. Amarra ao azorrague.



Você já viu um azorrague palestino? Não é brincadeira não. O bicho entra e rasga. Jesus fez um azorrague. Marcos chega a dizer que primeiro Ele observou tudo e ele se retirou. Não foi ato contínuo. Ele volta no dia seguinte com o bichinho bem feito. Sabe? Fez igual a um rosário; foi fazendo, fazendo, aprontou.



E no dia seguinte Ele entra lá; e aí meu querido, literalmente, João diz: Ele virou a mesa! Essa é uma expressão coloquial nossa, mas antes de o ser, é do Evangelho. Virou as mesas! Expulsou os cambistas. Enxotou os animais. E falou em especial aos que vendiam pombas. Devem ter sido os que ficaram por último. Os que acharam que a poma torna tudo inocente!



Ele falou para os que vendiam pombas. São os recalcitrantes que se auto justificaram e se esconderam atrás das pombas.



—A casa do meu Pai não é casa de negócios. A casa do meu Pai é casa de oração.



Agora, o que uma coisa tem a ver com a outra?



Num primeiro episódio, Ele pega as talhas da religião e enche de vinho. Num segundo, Ele entra no templo e expulsa a nojeira. E, assim, Jesus mostra como a mente humana é equivocável, como a gente é capaz de não suportar o dia da alegria, onde o vinho é pertinente; enquanto a gente é capaz de engolir os camelos da impertinência, da arrogância e da irreverência para com o lugar o sagrado. Isso a gente tolera fácil. Se for feito em “nome de Deus”, a gente engole todos os camelos! Se não for feito em nome de Deus, a gente côa todos os mosquitos! Aí o cara entra em crise, porque Ele transforma água em vinho. Não entra em crise porque se fez da fé um negócio. Mas escandaliza-se com o vinho na pia batismal num casamento. Dá mais valor à pedras santas que a santidade da alegria.



Nossa doença é tão grande que a gente fica o tempo todo “preso” nas coisas que a gente deveria celebrar. E damos passagem e acesso franco às coisas que a gente deveria repudiar.



Aí, Ele não pára aí! Ele internaliza o conceito inteiro, quando as autoridades vêm, Lhe perguntam: Com que autoridade tu fazes estas coisas? Entrar aqui, mexer nisto tudo, alterar tudo, expulsar os cambistas, os bois, os animais?! Quem te deu essa autoridade para descer o chicote, e virar a mesa?



Ele não responde com claro, senão com uma coisa ambígua palavra. Propositalmente ambígua. Com um duplicidade. Não faz nenhuma questão de ser pedagógico, de explicar coisa alguma; e ao mesmo tempo Ele é radical e visceralmente verdadeiro: Destruí este santuário; e em três dias o reconstruirei! E como os que estavam diante Dele e o interpelavam não se viam como santuário; e não entendiam a própria vida como lugar do sagrado; e não discerniam a própria existência como ambiente no qual eles mesmos deveriam prestar o culto e a reverência; então conforme a pedra e as talhas, assim será a mente e suas percepções!



Eles só pensaram em santuário como aquilo que se associava a paredes, a pedras, a tijolos e a construções. De modo que eu ouço as palavras de Jesus e imagino esta cena: Os seus interpeladores diante Dele, perguntando-lhe “com que autoridade fazes estas coisas?” E Ele lhes diz: “Destruí!—está pedindo que eles destruam—; destruam; des- tru- í este santuário!” Provavelmente com a mão no peito. Suave e discreta. E eles pensaram que foi apenas uma coceira no peito que deu nele. Não conseguiram nem ler a sua linguagem corporal. Estavam tão presos à letra, tão fixados naquilo que era a tradição, a mente estava tão fechada e selada, que até a comunicação já não os alterava. A letra mata; mas o espírito vivifica!



Assim, um cara que não puder ouvir também com o que vê; e não puder ver também com aquilo que ouve; não vai nunca discernir coisa alguma.



Destruí este santuário. E em três dias eu o reconstruirei!



—Mas como? Herodes, O Grande, levou 46 anos para erigir essa obra colossal; e tu dizes que em três dias a reconstruirás?



Depois de algum tempo, os discípulos se lembraram, quando Jesus ressuscitou ao terceiro dia, que Ele estava falando do santuário do seu próprio corpo.



O que isto tem a ver com a gente?



Há uma mudança dimensional radical aqui, em todos os aspectos. As talhas de pedra são apenas talhas de pedra; e elas podem ser usadas para aquilo que for bom, porque não existe nada que seja santo em si mesmo, se a sua utilização não promover a vida; assim como não há nada impuro de si mesmo nesta vida, exceto aquilo que é contra a vida. Não existe nada que de si mesmo seja santo, pois só Deus é santo. E não existe nada em que sendo santo, seja santo apenas para si mesmo, porque o objeto não é santo, a menos que o serviço que ele empresta a si mesmo seja alguma coisa que produza o bem da vida humana. Do contrário, ele é apenas pau, pedra, é o fim do caminho... As águas de março vão passar sobre ele!



Jesus está aqui dizendo para nós, que não é o homem que está à serviço da religião, mas a religião à serviço do homem; assim como não é o homem que está à serviço do sábado, é o sábado que está à serviço do homem. Ele está fazendo uma perversão profunda na ordem religiosa, e dizendo: Olha, isto tudo tem que estar a serviço da vida!



A perversão é que agora vida está à serviço disto; da religião e do Deus-Zeuzangado. Mas aqui todas as coisas estão a serviço da vida.



Se a coisa não ajudar a festa a continuar, ainda que seja por empréstimo, que valor tem jogado lá no canto, ocioso? Nem se espera que “isto” faça o milagre; mas só se espera que pelo menos “isto” se deixe encher pelo milagre. Nem se espera que “isto” faça brotar em si a vida; só se espera que “isto” se deixe usar pela vida, para o bem da vida.



Porque o que guarda e carrega significado, não são essas coisas que estão disponíveis aos sentidos e aos olhos. O santuário, sou eu, é o meu coração! E mais do que isso, Jesus nos ensina, que o que vale diante Dele é aquilo que se manifesta como benção, que traz garantia à continuidade da própria vida.



Quando Ele disse que aquele lugar ali era para ser expulso de todo o entulho de negociação que ali se fazia, e de todas as barganhas que ali aconteciam, e mandou que se olhasse para Ele mesmo—ao dizer isso, Ele não estava lutando contra os templos. Nós somos tão gratos a Deus por um lugar maravilhoso como este; esta Catedral que nos abriga. Não há nada demais em geografias e em localizações que sejam dedicadas ao culto a Deus, só passa a ser alguma coisa ruim quando essa coisa trabalha contra a vida. Mas o lugar em si, é um teto. Um teto bom e agradável, como as nossas casas. As nossas casas são lugares maravilhosos, até que a gente passe a viver para elas.



Eu conheci uma mulher que passou a vida inteira vivendo para sua casa, e quando eu digo casa, não estou falando de marido e dos filhos não, estou falando da casa como construção. Ela morreu há uns 5 anos, com setenta e poucos anos de idade. Ela não conheceu outra coisa na vida a não ser viver para cuidar da casa. Você entrava ali, era o lugar mais bem decorado e arrumado que você pudesse imaginar; e ela lavava as louças dela, no tanque de lavar roupa da empregada; porque nem a pia da cozinha ela queria sujar.



Quando a conheci, eu tinha 12 anos de idade. Ela morreu eu tinha 44, 45. E eu me lembro quando eu estava aí no auge das atividades, pra lá e pra cá, aquela correria sufocante, que seria necessário uns vinte ou trinta de mim para dar conta de todas as coisas que eu fazia; ela que me amava desde a minha infância, às vezes me telefonava e dizia assim: Meu filho, dá uma chegada aqui na minha casa (era uma casa maravilhosa, com aquela vista para a praia, linda!). Vem descansar aqui!



Eu dizia: Meu Deus, como é que eu vou conseguir descansar se cada virada que eu der na cama eu vou pensar que eu vou ter que ajeitar a cama, pra lá, pra cá? Se eu virar no travesseiro eu vou me desassossegar.



Um dia eu fui; depois de muita insistência dela, eu fui. “Vem almoçar comigo!”—pedia ela. “Tá bom, eu vou!” Aí eu fui lá. E ela ficou em pé, me vendo comer. Sim! Você comendo observado. Aí, eu acabei; ela tirou o prato. Hummm! Aí, sobremesa. Eu comi. Ela tirou o prato da sobremesa. Aí, eu levantei. Fui até a cozinha. Ela estava no tanque de lavar roupa, lavando os pratos, a cozinha, tac, tac...



Esse é o espírito da religião que não serve aos homens, mas que serve a si mesma. Essa coisa de estrutura, de mobília, de aparência, do lado de fora. Jesus vem, e diz: Olha, a salvação disso é botar vida, alegria, vinho! Tem que prestar serviços à alegria que quer continuar... Não pode ser estraga prazeres. Tem que estar a serviço da continuidade, do júbilo. Tem que colaborar com a continuidade da festa. Tem que se oferecer para que aquilo que é bom seja bom. Tem que ser container de bondades e não de bondades selecionadas; porque se eu seleciono algumas bondades que podem caber, e as outras que, mesmo sendo boas, não cabem aqui—porque não parecem com aquilo que aqui eu determinei; que tem que ser o conteúdo—, eu já estou trabalhando contra o bem da vida.



Aí você pergunta: O que isto tem a ver comigo?



Bom, o que isso tem a ver com a gente, é simples. Com essa milagre-ação-metafórica, Jesus não só está transformando água em vinho.



Se você percebeu o espírito todo de tudo o que foi falado e discernido até aqui, então, a sua compreensão tem que implicar em que Deus não está trabalhando contra a sua felicidade. Quem está é o diabo; e é todo aquele que veio para matar, roubar, e destruir; mesmo que diga que não veio para isto. Mas se faz isto, isto é.



Jesus disse: Eu vim para que vocês tenham vida, e a tenham em abundância!



É interessante como as nossas concepções de Deus vão ficando diabólicas. Você já percebeu? O diabo é que chega, e se tem alguma coisa nascendo, o “bicho” mata. Se tem alguma coisa acontecendo, ele rouba; se tem alguma coisa estabelecida, ele destrói.



Enquanto a consciência que a gente tiver de “Deus”, estiver atrelada a um conteúdo que só fica bem no Diabo, você pode pular, gritar, invocar o nome de Jesus, mas não é Jesus mesmo que você está discernindo. Sim, se você invocar o nome de Jesus pensando que “Jesus é assim”—esse estraga prazeres da vida—, você vai dizer: Meu Deus, quanto mais eu rezo, mais assombração me aparece.



E aí, o cara não sabe porque ele está usando o nome de Jesus o dia inteiro e a vida só fica horrorosa, e a cabeça dele só piora, e os grilos dele só aumentam. Ele até pede licença ao anjo do Senhor para não participar de determinados momentos íntimos da vida nele; não é? Porque o anjo do Senhor se acampa ao redor dos que o temem, e os livra. Parece até uma senhora que uma vez me procurou, dizendo: Pastor, antes de eu conhecer Jesus a minha vida conjugal era uma maravilha. Eu e meu marido tínhamos uma liberdade profunda. Era uma maravilha, pastor! Mas agora, depois que eu me converti, não consigo mais provar aquela maravilha. Eu falei: Por que? O seu marido está com algum problema? Ela falou: Não, sou eu! Eu falei: Mas qual o seu problema? A senhora deixou de gostar do seu marido? —Não, pastor, é o anjo do Senhor! Quando chega ali... naquela hora fatídica, que a coisa começa a esquentar, e meu marido fica todo assanhado; aí eu me lembro que o anjo do Senhor se acampa ao redor dos que o temem, os livra. Aí eu já começo a dizer assim: Não, isso não pode! Mas ele: O que é meu bem? —Eu não posso dizer que é o anjo!



Bom, esse é um caso caricato, mas seja verdadeiro com você que você vai ver que a mesma neurose está aí dentro. Vocês observaram como crente imola sempre alguém ou alguma coisa que esteja amando? A pessoa começa a amar alguém, começa logo a vir aquela angústia: Será que eu vou ter que imolar o meu Isaque? Deus vai me pedir isso a qualquer momento. Deixa, Senhor, eu gostar menos! Deixa que eu vou me dar menos.



Você começa a gostar de alguma coisa, e pensa: Ah! Deus vai me pedir!



É um deus muito ciumento, muito bobo; um deus que não dá para caber em altar nenhum da minha vida, porque é tão mesquinho que até eu sou maior que ele.



O Senhor nosso Deus, é o Deus da vida!



Foi Ele que criou Adão com a necessidade de dizer: Eu estou com a nostalgia da necessidade de uma companhia.



Foi Ele que estabeleceu que o amor Dele em nós se manifesta não apenas como amor nosso por Ele, mas também como amor nosso por nossos irmãos; das mais variadas formas, dimensões e camadas de amor.



E Ele é a favor disso!



Vocês já viram que no Velho Testamento se diz que quando a bênção de Deus visitasse seu povo com profundidade e com abundância, as crianças se alegrariam na praça, as virgens dançariam, e celebrariam; e jamais deixaria de haver a cantiga, a expressão, e a manifestação da alegria da voz do noivo e a voz da noiva?



Todas essas coisas carregam a promessa de Deus, e Deus quer estar nelas para nós, pois nelas Ele está mesmo sem nós!



O que eu vim dizer hoje aqui para você é: Não tenha medo de ser feliz! Não ache que Deus está competindo contra sua vida, nem contra o seu coração!



E se você entender e discernir isto, você vai fazer as escolhas da vida e não da morte. Mas aquelas que sejam bênçãos da vida; viva-as em plenitude, sem medo de que Deus se sinta enciumado. Porque a gente está falando de Deus, a gente não está falando de Zeus.



Neurose de felicidade! É quando a felicidade faz o cara ficar neurótico. Geralmente, é quando ele é crente. Crente é que tem muito medo de ser feliz. Você já imaginou que a gente possa ficar doente do medo de ser feliz? Qual é o teu problema? Você está pensando que isto aqui é uma coisa que não acontece? Eu estou falando aqui, e 80% dos que estão aqui conhecem essa angústia. E ainda tem mais aqueles que neurotizam o processo; não é?



É ou não é? Começa a ficar bom, o cara já começa a repreender de cá, amarrar acolá, olhar para um lado, olhar para o outro, tem um bicho que vai pegar...



Aí, não precisa nem o diabo trabalhar, com essa pré-disposição mental, você inventa um fantasma para acabar com você. E isso é instalado pela Religião. E o extraordinário é que a gente pode falar de Jesus, com todo o coração, sem pensar que uma coisa tem a ver com a outra. A outra, a Religião, tem a sua utilidade se se deixar encher de água transformável em vinho, se a ocasião pedir; a outra, as talhas, a Religião, tem que estar à serviço da alegria humana, da comunhão humana, da festa, na qual Jesus está presente. E o estranho é que Jesus, às vezes, está presente na festa, mas a religião se acha mais digna do que Ele, e se nega a se fazer presente.



Nietsche disse que jamais poderia crer num Deus que não dançasse. E ele está certo. Estava. Porque Jesus de Nazaré é Deus que dança. O pai do filho pródigo não só manda botar um anel no dedo, sandália nos pés, a dar ao filho a melhor roupa, mas também manda matar um novilho cevado; mas também manda contratar a melhor banda da cidade; e chama os convidados. E é o irmão mais velho, que tem uma cabeça neuroticamente religiosa, como a dos fariseus, é que chega, e vê a festança, e se nega a entrar.



Quando reclamaram de Jesus e dos modos Dele—absolutamente livre ao lidar com as pessoas, em todos os níveis, em todos os lugares, em todas as camadas, sem neurose purificatória—, Ele disse: A que eu compararia esta geração? senão a meninos que sentados na praça dizem uns aos outros—aquela brincadeira e birra de menino, implicante—: Nós cantamos e vocês não repetiram o coro com a gente; aí, o outro grupo de cá, diz: É, a gente também brincou de chorar e vocês não prantearam conosco. Jesus disse: Porque veio João Batista, que não comia nada, e nem bebia nada, e vocês disseram: Tem demônio! Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e vocês dizem: Eis aí um glutão, bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores. Mas a sabedoria é justificada pelas suas próprias obras.



Hoje essa pode ser uma ocasião terapêutica para sua vida, se você se deixar curar do medo de ser feliz, se você parar de pensar que Deus quer apenas que você viva uma alegria e uma felicidade bastante, bastante módicos; porque se passar de determinado nível Ele pode começar a “aprontar uma” para mostrar que a sua alegria é Ele. Não é assim! Deus nunca visita os felizes, só porque estão felizes. Com os felizes Ele se une a sua própria felicidade. Aos infelizes, Ele os liberta para que haja festa no céu, festa no coração e festa entre os irmãos.



Alegrai-vos sempre no Senhor. Outra vez vos digo: Alegrai-vos, disse Paulo. Isto é bom para vós outros. Se você hoje está aqui com a mente e o coração daqueles que ficam o tempo todo fazendo uma negociação com Deus, e dando explicações infundadas: Olha, eu estou alegre, mas não leva a mal não!—então, pare com isso!



Se a sua cabecinha sofre disso, pare. Porque continuar assim é garantia de tristeza para a sua alma. O Deus revelado em Jesus faz a festa continuar e ficar melhor. Porque todos costumam pôr primeiro o bom vinho, e quando já beberam fartamente servem o inferior. Ele deixa, todavia, você gastar todos os seus recursos, e quando você pensa que faliu, Ele vem e diz: Meu filho, agora é que a festa vai começar! Para perplexidade de todos, da sua falência de recursos, eu vou fazer vir o inesperado!



Esse é o Deus da nossa vida, e com Ele a gente anda em liberdade. Convide-o para o casamento, convide-o para a cama, convide-o para a praia, convide-o para os negócios, convide-o para o ar livre, convide-o para as férias—Sim, assim como se O convida para a introversão, para a dor, para o abismo da alma, para a depressão. Do mesmo modo também se O convida para o dia da dança, da festa e de todas as celebrações.



Ele é o Deus da nossa vida. E se você crer nisto e quer que isto se transforme num bem em sua alma, numa cura contra a neurose e a culpa da felicidade, eu queria fazer uma oração com você.



O problema é que a gente tem medo de se entregar. Eu tenho medo de ser feliz. Gente fica o tempo todo dando explicações e gasta tanto tempo explicando, que nem vive. E se esse for seu caso, saiba: Isso se instala em nós como um vício. Ora, ter medo de ser feliz vira neurose. E um “deus” como esse se transforma na mais horrorosa de todas as paranóias que um ser humano pode ter na terra; porque dessa paranóia ninguém escapa.



Quando você é paranóico com medo de ladrão, você fecha a porta, e dá a sensação de alívio. Sobe numa montanha, e diz: Aqui eu estou só.



Mas quando “Deus” é a sua paranóia, se você sobe ao céu, lá a paranóia está; se você faz a cama no mais profundo abismo, lá a paranóia está também; se você tomo as asas da alvorada e se detém nos confins dos mares, ainda lá a paranóia encontra você.



Para onde me ausentarei da paranóia? Para onde fugirei deste espírito paranóico?



Não foge. Você não foge de Deus e também não foge do “deus” que você criou como paranóia. Mas se você quiser ficar livre disso, e desejar experimentar a singeleza da água que vira vinho, e das talhas que são transformadas em cálices gigantes para alegria do povo, no meio do qual Jesus está, então ore comigo.



Eu queria fazer uma oração com você. Não é por você. É com você. Eu orando com você e você comigo. Agora tem uma coisa: a gente tem que ter coragem para ser feliz e coragem para ser infeliz.



Com isso aqui eu não estou dizendo que todos os seus momentos de felicidade vão continuar. Só estou dizendo que eles podem até acabar, mas se Jesus estiver presente, pode acabar o que você botou, mas não acabou a festa, porque Ele está presente para fazer aquilo que acabou, continuar... Já não é mais aquele vinho. Aquele acabou. O Dele é que não acaba. Hoje você está muito feliz porque está amando alguém, mas está com medo dessa felicidade. Eu não sei se é com essa pessoa que você vai se dar muito bem. Se não for contra a sua consciência, nem contra a verdade que você chama de verdade, viva na paz, sem medo. Se alguma coisa acontecer na festa, pode ter certeza, você pode até levar o sobressalto de dizer: “O meu vinho acabou!” Mas o vinho de Jesus, só está começando. Os nossos vinhos acabam. Ele participa das nossas festas assim mesmo. Enquanto o vinho que tinha lá era o vinho que o homem botou, Ele tomou. Na hora que acabou, Ele fez o melhor. Então, até para conhecer o melhor, você não que ter medo de viver o que tem hoje.



Fica o cara com essa neurose o tempo todo: será que eu vou? Será que eu não vou? Meu Deus, se não for uma violência à sua consciência; se está faz bem; então, vá. Se acabar, não pense que sua vida acabou porque o Senhor. Quem sabe Ele deixou você experimentar essa falência circunstancial para você conhecer o que não tem fim, o que não acaba, o que é melhor!



Esse é o Deus em favor da vida. Daqui para frente, quando você ouvir essa palavra de Jesus: Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância—, não fique pensando que vida é carro novo. Você liga na televisão, eles usam esse versículo para falar do carro novo, da casa nova, de não sei o quê. Se esse fosse o conceito, os seres mais abençoados do mundo estariam na máfia. Jesus disse que a vida é mais do que o alimento e o corpo mais do que as vestes. Ele não se contradiz. Vida é vida; carro é carro. Vida é vida; casa é casa. Corpo é corpo; roupa é roupa. Eu vivo sem roupa. Roupa, é que não vive sem mim; nem quando me veste. Você entendeu?



Oração:



Senhor Jesus, nós estamos aqui diante de ti, pedindo que Tu abras o nosso entendimento, o nosso coração. Porque Tu és o Deus da vida e Tu não és o diabo. O diabo é que é um enganador tão grande que, como Tu nos ensinaste, ele consegue fazer até da religião ou da fé de Abraão uma religião que produz filhos do diabo, como disseste àqueles judeus que se jactavam de serem filhos de Abraão, fazendo com que o homem fosse esmagado por aquilo que para Abraão foi salvação, e que depois haveria de se transformado em tirania e opressão; e que era usado para manipular e tiranizar a vida do próximo.



Sim, a esses disseste: Vós é que sois filhos do diabo; e quereis satisfazer-lhe os desejos. Ele foi homicida desde o princípio.



Salva-nos desta percepção errada de que Deus é contra a vida. Por favor, Senhor, coloca no coração de cada um aqui tranqüilidade, leveza, paz, bom senso, confiança, para que a vida de cada um vá ficando cada vez mais livre, mais solta, mais liberta, menos aflita, menos neurótica, menos paranóica, menos culpada, menos nervosa e mais pacificada, sabendo que o Senhor é por nós.



O Senhor que podia ser contra nós, é por nós. E nos deu gratuitamente o seu filho. Porventura, Tu não nos dará, juntamente com Ele, gratuitamente, todas as coisas?



Por favor, tira do nosso coração o medo de ser feliz; onde reside a mais diabólica neurose que é essa culpa de ser alegre, de ser feliz; e que, infelizmente, muitas vezes, é causada em razão das talhas das purificações, da religião, que fazem a gente viver nervosamente lavando o pé, lavando a mão, lavando a cabelo, lavando o corpo, lavando tudo... e sem nunca entrar na alegria e na paz.



E vem Tu, ó Senhor, com santa ironia e usa isso tudo para encher de vinho, e servir como cálices gigantes, para que o casamento com a vida, a festa, a amizade, a fraternidade, o companheirismo, a alegria da vida, continuem...



É assim que Tu te apresentas. É assim que te queremos. Foi assim, a Ti, que nos convertemos. Não deixe que ninguém tenha o poder de desfigurar a Tua face diante de nós, de modo que a gente comece a, pensando que está te seguindo, seguir apenas um Medo; andando contigo por pavor, não por amor.



Salva-nos disto e ajuda-nos agora a provarmos o bom vinho, novo, feito por Ti, que não carrega consigo o cálice da embriaguez, mas da vida; que é a embriaguez de alegria, de esperança e de certeza de que nas nossas falências pode faltar tudo, menos a tua presença, porque se Tu estiveres presente, nada me faltará.



Por favor, faz com que Tua Palavra suave não fique na camada do nosso superficial do nosso entendimento, mas que ela entre nas nossas vísceras, e nos salve dessa neurose horrível; e nos liberte para vivermos essa vida que não teme ser de Deus; e que é livre para ser feliz em Deus.



Eu peço que seja assim; eu sei que assim está sendo. Em nome de Jesus e para a glória de Jesus. Amém, amém, e amém.

terça-feira, 19 de abril de 2011

A Figueira Sem Fruto

PREGAÇÃO REV. CAIO FÁBIO

TEXTO: Marcos 11: 12 a 19



No dia seguinte, quando saíram de Betânia, Jesus teve fome. E, vendo de longe uma figueira com folhas, foi ver se nela, porventura, acharia alguma coisa. Aproximando-se dela, nada achou, senão folhas; porque não era tempo de figos. Então, disse Jesus á figueira: nunca jamais coma alguém fruto de ti! E seus discípulos ouviram isto.

E foram para Jerusalém. E entrando ele no templo, passou a expulsar os que ali vendiam e compravam; derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas. Não permitia que alguém conduzisse qualquer utensílio pelo templo; também os ensinava e dizia: Não está escrito: Minha casa será chamada casa de oração para todas as nações? Vós, porém, a tendes transformado em covil de salteadores. E os principais sacerdotes e escribas ouviam estas coisas e procuravam um modo de lhe tirar a vida; pois o temiam, porque toda a multidão se maravilhava de sua doutrina. Em vindo a tarde, saíram da cidade.

Oração:

Pai, nós te invocamos juntos, teu povo, irmãos, corações que crêem no teu nome, que te chamam Pai e Deus, que se apresentam diante de ti com a consciência de que a nossa vida é em ti, e que a finalidade da nossa existência é te dar glória. Ouve a nossa voz, habita entre nós. Tu que habitas em nós e cerca-nos com a tua graça, e abraça-nos com a tua glória. Nós pedimos em nome de Jesus. Amém e amém.


O texto lido carrega consigo uma espécie de arbitrariedade, de despotismo divino. Eu já encontrei uma quantidade muito grande de pessoas que lêem esse acontecimento e fazem logo, de saída, a pergunta seguinte: Escuta, por que Jesus fez isso com a pobrezinha da figueira, se está dito que nem tempo de figos era? Que abuso! Que capricho! Por que Ele tratou assim a pobre dessa árvore? Que implicância vegetal foi essa? Afinal, está explicitado o fato de que não era a estação dos figos.

Ora, antes de tudo, a pergunta que me vem é: quando foi que esse episódio aconteceu? Pelo contexto do Evangelho, foi no final de março; próximo de abril.

Aí, vem uma segunda pergunta: quando era tempo e estação de figos no Oriente Médio? E a resposta é a seguinte: em junho eles começavam a aparecer; e em agosto, eles ficavam doces e saborosos.

Aí, vem uma outra pergunta: qual a principal característica da figueira? E a resposta é simples. Estranhamente, ela inverte um processo que é quase comum em todas as árvores frutíferas, que primeiro colocam para fora as suas folhas, e depois trazem à luz os seus frutos. A figueira traz primeiro à luz os seus frutos, depois é que ela mostra a folhagem. De modo que no mês de março, o que havia no caminho entre Betânia, o Monte das Oliveiras onde isto aconteceu, e a cidade de Jerusalém para onde eles estavam indo, era uma quantidade enorme de oliveiras e de figueiras. Só que todas as figueiras estavam nuas, peladas, próprias, adequadas à estação. E no meio daquela multidão de figueiras adequadas à estação, portanto, nuas de frutos e de folhas, havia uma que se “projetava”, que fazia um showcase vegetal, e que mostrava uma quantidade enorme de folhagens, verde, verde, verde.

Jesus estava com fome, diz o texto. Saiu de casa e não comeu nada. Olhou aquela quantidade imensa de figueiras peladas e desprovidas de frutos, e no meio delas, uma, anômala, que no mês de março estava produzindo folhagens que só iriam aparecer, na melhor da hipóteses, em junho, ou mais propriamente, em agosto. Mas, antecipadamente, fora da estação, sem senso de propriedade, cometendo uma anomalia natural, ela está no mês de março gritando vegetalmente que ela está cheia de frutos, justamente porque ela está cheia de folhas; e assim era justamente porque a figueira primeiro dá o fruto e depois é que faz nascer as folhas. Portanto, se está cheia de folhas, é porque está abarrotada de frutos.

E Jesus estava com fome. Ele disse: eu vou comer dessa figueira que está cheia de frutos fora da estação!

E ele vai lá; procura em baixo da figueira toda, e entra; folhagem em abundância; mas nem um fruto sequer. O interessante, é que Ele amaldiçoa essa figueira, dizendo: Nunca mais ninguém coma fruto de ti!

Em seguida Ele entra no templo, expulsa de lá os cambistas, os vendedores, os que comerciavam na casa de Deus, os que faziam negócio com o sagrado, os que vendiam pacotes, fetiches e amuletos de reconciliação divina; os que lucravam com a máquina da religião, os que eram os promotores do culto artificial, os que viviam de induzir o povo a uma espiritualidade mecânica que não tinha nenhum vínculo com Deus. Sim, Ele vai e expulsa esse negócio do templo.

Agora, a questão é: o que Ele está querendo dizer? Era só um capricho divino? Amaldiçoar uma figueira? Ou, de fato, esse episódio não é uma grande parábola? Não apenas sobre o poder da fé, quando logo adiante Jesus usa uma hipérbole, e diz: Olha, não apenas a essa figueira; mas até mesmo ao Monte das Oliveiras que está cheio de figueiras, se vocês com fé vocês ordenarem que ele se transporte daqui para o mar, assim acontecerá.

Mas, para além disso, não há uma outra parábola de Jesus sendo contada nessa história?

Será que o episódio não é completamente fruto de um desígnio e de intencionalidade? Sim, o fato Dele amaldiçoar a figueira que tem aparência de frutuosidade, mas que é só folhagem, ser seguida da entrada Dele no templo, que também era suntuosidade e aparência, mas dentro era nada, não será também uma parábola? Será que essa não era uma parábola para Israel, que aparece como figueira, diversas vezes, no Velho Testamento? Será que essa não é uma parábola para a situação espiritual de Israel, que vivia de sacrifícios, de pompa, de farisaísmo, de obediências exteriorizadas que não correspondiam à verdades do coração, a tentativa de produzir frutos de aparência religiosa, que não tinham nenhum significado existencial porque não eram o produto do amor, mas apenas da auto-proclamação, da falsa virtude? Será que não era uma parábola de Jesus, denunciando o circo de todas aquelas aparências? Será que não era Jesus dizendo que Deus prefere a nudez própria, do que a tentativa da gente camuflar a própria verdade do nosso ser, com a construção de folhagens, que não dizem absolutamente nada? Será que não é Jesus dizendo que a natureza desses, em quem Ele espera encontrar fruto, acontece como a natureza da figueira, que faz nascer primeiro o fruto, a folhagem vem depois? Ou seja, nasce primeiro a verdade; depois é que ela se transforma em qualquer forma de comportamento? E a tentativa de inverter essa ordem, faz com que a vida se transforme em farisaísmo de folhagens, de aparências, e morta de frutos interiores?

Sim, será que não é uma parábola de Jesus dizendo quanto que Ele dá valor ao senso de propriedade? Porque é ele que tem fome, e de maneira própria e adequada, tenta matar a fome numa figueira sem senso de propriedade natural, visto que inverte a ordem de sua própria natureza, e, ao invés de dar fruto, dá folhas?

Há aqui, também, uma denuncia total às existências sem senso de propriedade, que tem a ver com a verdade vivida com consciência de si mesma: portanto, de modo coerente com o tempo, a hora e a estação. Isto é sentido de propriedade conforme a natureza e a verdade das coisas.

Ele tem fome; Ele quer comer. Ele tem sede; Ele quer beber. Ele tem sono; Ele dorme mesmo que seja na popa de um barco numa tempestade. Ele vai a um casamento? Ele não transforma água em pão; mas água em vinho. As pessoas estão com fome? Ele multiplica pães e peixes, ao invés de pedir um odre de água e fazer um banquete para embebedar a multidão, para sentirem menos fome.

Em Jesus tudo tem propriedade no que ele faz. Tudo tem pertinência. Existe uma verdade aplicada. Para cada pessoa e para cada coisa, um significado próprio.

O Evangelho de João ilustra isso de maneira extraordinária. No capítulo 2, ele transforma água em vinho. No capítulo 3, um cara vem a ele conversar sobre o fato de que sabe que Jesus vem da parte de Deus, porque ninguém pode fazer os sinais que Jesus faz se Deus não estiver com ele - que é Nicodemos, que diz isso. E Jesus diz: Olha, se você não nascer de novo, você jamais vai entrar no reino dos céus. E Ele diz isso porque Ele está falando com um acadêmico, que supostamente está usando uma lógica de causa e efeito, para dizer que seria natural e lógico pensar que Jesus era Deus; e Jesus desmonta e desconstroe esta lógica com uma pergunta que empurra Nicodemos para a dimensão da verdade visceral e não intelectual, e diz: Se você não nascer de novo, e se alguém não nascer de novo, ninguém pode herdar o reino dos céus. Tira a coisa toda do mundo da física, da lógica e da cartesianidade, e traz para a visceralidade do encontro com a verdade no coração. No cap. 4, Ele encontra com uma mulher na beira de um poço, é meio dia, Ele está com sede, Ele pede de beber. A sede do coração da mulher é mais profunda do que ela mesma sabia, e Ele oferece a ela a água da vida.
No cap. 5, Ele encontra um homem que está há 38 anos prostrado à beira de um tanque, esperando a chance de uma cura miraculosa, em Betesda. E Ele pergunta ao indivíduo: Tu queres ser curado? No capítulo 6, o povo tem fome e Ele multiplica alimentos. No capítulo 9, Ele cura um cego de nascença e, em seguida, diz: Eu sou a luz do mundo. No capítulo 11, Ele ressuscita um morto e diz que Ele é a ressurreição e a vida.

Todas as coisas têm senso de propriedade. Já imaginaram se Ele chegasse para aquele cego de nascença e perguntasse ao cara que tinha nascido cego: Escuta, meu filho, tu queres nascer de novo? O sujeito ia dizer: Você está de gozação, comigo! Isso é carma, ou o que é? Quer que eu volte aqui para pagar mais quantas penalidades? Ou imagine algo assim em relação ao homem lá de Betesda, da beira do poço, do tanque. Você quer que eu transforme essa água em vinho? Talvez o cara dissesse: É bom porque a gente se afoga e bebe até esquecer!

Senso de propriedade! Sim, até na cruz! Encontra sua mãe, vê um discípulo e pede que ele cuide dela. Quando Ele está com sede diz: Tenho sede! Quando o desespero bate, a dor mais aguda e insuportável chegam, Ele diz: Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste?

Em Jesus tudo é próprio. Ele acordou de manhã, teve fome e, de maneira própria, quis comer. Havia uma propaganda de frutos. Pelas folhagens Ele procura e não acha nada. E, assim, nos ensina com esta parábola algumas coisas que a gente não vai esquecer nunca mais.

A primeira é que Deus não pede de ninguém que dê qualquer fruto fora da estação. Não pede. Porque quando a estação não é de fruto, o fruto da estação que não é de fruto, é o fruto da verdade de não dar fruto fora da estação. A verdade não é só o que é; a verdade também é o que não é. E a verdade do que é não é mais importante do que a verdade do que não é.

Nunca mais esqueça disso: Deus prefere todas as figueiras nuas! Ele não suporta é a tentativa da gente fazer de conta!

Há aqui um ato despótico, simbólico sobre a figueira, para ilustrar o estado de repugnância divina para com a nossa tentativa de mascaramento do nosso ser.

Estranhamente é uma figueira. E estranhamente, foi de folhas de figueira que Adão e sua mulher fizeram as primeiras vestimentas, que tentavam cobrir o seu sentimento de auto percepção de nudez psicológica, lá no Éden. Porque nus eles estavam antes. Eles só se “sentiram” pela primeira vez. E para cobrirem a nudez, eles fizeram tanguinhas de folhinha de figueira. E é agora a figueira que está de volta no cenário, fazendo tanguinha para encobrir a nudez do fato de que não há fruto. Aí Deus diz: Tira a figueira! Eu te prefiro nu. Pelado tu tens salvação; camuflado, tu estás perdido. Pelado, eu te cubro com meu sangue; camuflado, tu vives da tua justiça própria e vais morrer na presunção da tua religiosidade, que eu nem sequer conheço.

Evangélico, em geral, sofre da neurose de produzir fruto. E essa neurose tem fases diferentes na vida. Tem aquela fase que o cara se converte, dependendo da igreja e de quem ele ouve, ele “entra numa” que se ele não converter alguém, dentro de um ou dois anos, ele não deu nem um fruto para Jesus ainda, e a vida dele é infrutífera. Eu já vi uma pessoa quase ficar completamente neurótica com essa situação, porque leram aquele texto lá de Lucas, aonde Jesus também conta uma parábola, dizendo que o dono da vinha veio, e não encontrou fruto na videira, um ano, dois anos, e a quis cortar, para que a árvore não ocupasse o chão. Mas alguém pediu, e disse: Olha, deixa por enquanto. Deixa mais um ano, para eu cuidar da terra para ver se dá fruto. Ora, a pessoa que eu disse que ficou neurótica com essa parábola de Jesus, ouviu isso, e ficou griladíssima, e meteu na cabeça de que se até o Réveillon ela não levasse ninguém a Cristo—já que ela estava convertida a um ano, agora ela só tinha apenas mais um pela frente—, ela iria ser cortada. E o grilo foi grande! Foi difícil salvá-la da idéia!

Agora, vão me dizer que vocês já não viveram essa agonia, ou não vivem?

Oh céu, minha vida! Eu estou aqui nesta terra, nesse mundo, meu Deus, será que eu já tive o privilégio de levar alguém a Cristo?

Alguém já disse assim: Ele aceitou a Jesus como seu Senhor e Salvador, porque eu falei de Jesus para ele, ainda o levei pelo braço até a igreja, ele foi batizado lá na pia batismal? Sim, você já disse isso como quem tinha dada fruto pela primeira vez?

Não é assim que funciona?


Ou, então, o indivíduo tenta descobrir alguma razão para estar vivo, de qualquer modo. Ele tem que dar fruto, e ele inventa alguma coisa assim. Se ele não sabe o que é “dar fruto”, ele vai ficando neurótico com a necessidade de dar fruto.

Meu Deus, eu preciso de dar fruto!—diz ele angustiado.


E os frutos que a gente inventa, são sempre os frutos que nos iludem em relação aos frutos verdadeiros. Porque a gente começa a imaginar esse fruto, para o lado de fora, como comportamento, performance, realização, produtividade visível. Uma série de coisas que possam ser mensuráveis, para a gente poder justificar a vida da gente, com o fruto que a gente dá. E a gente não descobriu que o oposto é o que está sendo ensinado.

O que Jesus está ensinando não precisa fabricar nada. Não precisa inventar nada. Não precisa tomar “anabolizante espiritual” para dar fruto antes da hora. Nem precisa receber injeção de fertilidade. O fruto vai acontecer na estação própria. O grande fruto da vida é ela própria ser vivida e experimentada, em verdade, na presença de Deus e na sua própria consciência diante Dele. Esse é o fruto de ser!

O que eu acho extraordinário é que o convite do Evangelho é justamente uma libertação para a gente ficar completamente salvo das cangas, dos jugos, das tiranias, dos scripts de outros, da tentativa da gente viver uma vida que não é nossa, de ser a pessoa que a gente não é, de se deixar clonar por padrões e paradigmas dentro dos quais a gente, nem sempre, consegue caber. Ou então numa constante e permanente tentativa de moldar a nossa existência, o tempo todo, de modo que ela encontre uma conformidade que nos dê conforto; porque é isso que se pede de nós, e essa é a ambição da gente. É ser alguém para esse mundo. Significa dizer: eleger um parâmetro e um ideal, chegar lá a qualquer preço. Se matando no caminho. Inventando fruto fora da estação. Um espetáculo de exterioridades. Um show de folhagens que não chegaram porque os frutos a antecederam, conforme a natureza verdadeira da figueira, mas apenas como camuflagem.

No caso da igreja, dependendo da igreja, as pessoas começam a virar clones de quem as dirige, ou as guia. Eu sei de que igreja o cara é, onde ele freqüenta, dependendo da personalidade do líder, pelo modo do sujeito me cumprimentar na rua. Eu já sei de onde é que ele está vindo. É um cloninho, é todo mundo “chaveirinho” do cara que os dirige. E, para certos crentes, se não for assim, não serve. E ele não sabe que é justamente isso que vai amarrando, travando-o, a existência inteira. E ele passa o tempo todo debaixo da tirania de ser quem ele não é, de produzir o fruto que não lhe é natural, de apresentar resultados fora das estações da vida; numa tentativa de auto-justificação permanente, querendo ele mesmo dar significado a sua própria existência. E sempre com atos de falsificação pessoal.

Olhe para sua vida e veja a quantidade de coisas e de papéis que você já assumiu, simplesmente por causa desse padrão. Quer ser figueira dando fruto que não existe; é só folhagem, é só show-off, só performaticidade.

Ora, o que Jesus está ensinando é justamente o oposto disso. O convite é para você ser quem você é. Você não tem nenhuma obrigação de ser figueira que tenta dar fruto em março, se a estação do fruto é julho ou agosto. E especialmente se figueira produz primeiro o fruto e depois a folha; assim se mostra a folha que não foi precedida do fruto. É um show de exterioridades que são abomináveis a Deus.

E o interessante é que dá um trabalho desgraçado fazer isso. Mas é esse o trabalho ao qual a gente se impõe. Em quanto o convite do Evangelho é o oposto. Você não é ainda quem você já é em Cristo. Mas você não será ninguém mais em Cristo, que não seja você mesmo em Cristo. Portanto, pode olhar em volta. Ninguém aqui é referência para você, para nada. É você que vai ser transformado de dia em dia, na imagem do Senhor, para se tornar conforme a imagem do filho de Deus. Mas vai ser você. Você!

Você hoje é uma semente corruptível; eu também. Todos nós. Processo de degradação e decreptância nos marcam a existência. Isso é ser “um corpo mortal”. Foi semeado na corrupção. Mas será ressuscitado em glória. Mas serei ainda eu! Quando vocês me encontrarem, tenho certeza, ninguém vai precisar perguntar meu nome. Você vai olhar, e vai dizer: Olha o Caio! O que esse cara virou em Cristo, em plenitude!? Mas serei eu! Assim como eu já sou Nele pleno, embora em mim eu não seja, mas Nele eu já sou; eu serei, então, como Nele hoje eu já sou. Mas serei eu mesmo, Nele!

Significa dizer que à luz dessa parábola da figueira sem fruto, o convite é para você ser você. É para não artificializar o processo. Porque Deus sabe a estação de todos os frutos da vida da gente. E Ele prefere que você viva cada momento em verdade diante Dele, do que você vista a camuflagem das folhagens da mentira e do engano.

Você não tem que sair por aí, falando do seu coração, porque não vale à pena lançar pérolas aos porcos. Mas, diante de Deus e da sua própria consciência, fale a verdade. E não faça showoff nem showcase de você mesmo, tentando trazer fora da estação, demonstração de frutos que não existem; porque Deus prefere a sua nudez—porque a sua nudez Ele cobre—do que a sua auto-justificação com essas folhagens de figueira, porque elas só impedem você de ser genuinamente justificado na graça, e experimentar a pacificação de poder viver cada estação da vida com propriedade. Aí, está a saúde!

Olha só, queria fazer um convite, e vocês já notaram que todos os convites que eu faço aqui são uns anti-convites; não é?

Hoje eu tenho mais um anti-convite a lhe fazer. Quem que admite, hoje, que tem vivido uma vida que é um script dado por outros, mas que você não teve coragem de ser você mesmo até hoje? Sim, você não teve coragem de confiar na graça e ser apenas você mesmo, conforme a estação própria.

Se lhe dissessem: “Olha, o inferno não existe!” Mudaria alguma coisa para você? Um monte de gente que iria dizer: “Obaaa!” E, podem ter certeza, os bordéis do Rio se encheriam de homens evangélicos. E a fixação é tão grande que correriam primeiro para os bordéis. Noventa por cento dos crentes que eu conheço não desandam e não soltam a franga, por causa do inferno. É ou não é? Vamos ser honestos, pelo amor de Deus! É ou não é? É ou não é, gente? É sim! Se Deus dissesse assim: “Olha, cara, o inferno não existe”. Iria mudar alguma coisa em sua vida? Você teria que dizer um “OBA”, não por sua causa, mas por causa de um monte de gente que anda num caminho que parece que leva para uma existência que já é inferno, e será. Mas não por causa da sua vida. Se você está em Cristo, a sua vida não muda em nada: nem por causa do inferno, nem por causa do céu. Nem por causa do medo de punição, nem por causa de loteamentos celestiais. Você está em Cristo. O seu prazer é esse. É isso que a gente não entende. Parece que crente não entende isto nunca. Não há mais nenhuma condenação, Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo; está pago; está consumado; está feito; se Deus é por nós, quem será contra nós? Quem podia nos condenar, resolveu nos justificar, e nada poderá nos separar do amor de Cristo. Nada. E isto já está feito! Acabou! Não tem céu, não tem inferno que me motivem a ser de Deus. Eu sou de Cristo por Jesus. Esse é meu prazer, e meu fruto nasce dessa alegria!

Para mim isso é tudo. Agora, a questão é a seguinte: se não tivesse nem uma coisa nem outra, céu ou inferno, como ficaria só a consciência? Ou se não tivesse o medo, pelo menos, dessa condenação, mudaria alguma coisa no script da sua existência? Ou, não fora o fato de que existe tanta observação, julgamento e juízo, se todos esses juízos exteriores fossem suspensos e, subitamente, você ficasse com sua consciência livre para ser você, o que mudaria? Sim, o que mudaria? Mudaria muita coisa? Porque, meu querido, se mudaria muita coisa, você precisa ser salvo. Sim, precisa ser salvo. A grande graça é você poder dizer “não mudaria nada”. Sabe por que? Porque seria sinal de que a sua consciência já está tranqüilizada e pacificada; seria sinal de que você está fazendo as escolhas daquilo que você acha que é bom. Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas me convém. Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas me edificam. Se a nossa consciência em Cristo não nos levar a esse ponto, não nos levou a lugar nenhum.

Então, meu convite a você hoje, é o seguinte: Se você admite que no seu coração existem coisas que você se força a viver e a praticar, a desempenhar papéis que não são seus, viver scripts que outros lhe deram e que estão destruindo a sua identidade, diluindo você, falsificando você; seja no nível mais existencial e psicológico; ou seja também no que diz respeito a tentar fabricar o tempo todo expressões de uma espiritualidade que quando é verdadeira; pois a verdadeira espiritualidade se expressa como humanidade, não como estereótipo.

A maior maldição desta vida é viver a vida que não é nossa!

E por que é assim? E a resposta é simples. É só porque você não tem sido você; vivido você; com a paz de ser você; na presença de Deus sem precisar fazer nem compressão, nem repressão, nem supressão, nem coisa nenhuma; deixando que na graça de Deus, o bem que já é seu em Cristo, cresça edificando a sua vida, e a sua consciência, em saúde, em paz.

Resultado: Todos os dias dando o fruto da estação. E em todas as estações, o fruto é verdade.

Há um volume significativo de “folhagens” que precisam ser abandonadas, para que a graça de Deus construa você em você, para que você descubra quem você é, para que o fruto da sua existência aconteça de modo próprio, belo, doce e saboroso para Deus; e só vai ser bom, no dia que for seu. Se é assim, eu quero orar com você agora.

Ó Pai, obrigado porque tu nos chamaste para sermos quem Tu nos fizeste para ser. Obrigado porque na casa do Pai não há apenas muitas moradas, mas na casa do Pai cada um tem um novo nome, que corresponde a quem cada um é, em plenitude. Obrigado porque o chamado é para ser em Ti, conforme a imagem de Teu filho. Nós mesmos, conforme Cristo. Por favor, salva-nos das escravidões que adoecem o coração. Nos salva de tiranias que, às vezes, estão sobre alguns por toda a vida. Há tanto carma que a cruz veio para quebrar. Tanto script que teu sangue veio para dissolver. Tanta escravidão da qual Tu vieste nos libertar. Por favor, ajuda-nos na Tua graça a sermos como a árvore que dá o seu fruto na estação própria. Permite que haja esse senso de propriedade, de verdade na nossa existência. Que cada etapa dela seja vivida com coração sincero, sabendo que nós somos indivorciáveis de Ti, inseparáveis de Ti. Que a gente não tenha mais que vestir folha de figueira, nem ser figueira que se enche de folha, sem fruto, numa estação que não é dela. Por favor, ajuda-nos a crermos que quem nos chama a ser, banca quem nós somos todos os dias da nossa vida. E ajuda-nos a crer que é somente ligados a Ti nesta confiança na tua graça, é que o coração tem paz para receber as transformações, para crescer em consciência, para se estabilizar, para se equilibrar, para encontrar dia a dia a si mesmo em Ti, e a se alegrar consigo mesmo em Ti, pelo reflexo da Tua semelhança em nós. Por favor, faz isso no coração de cada um. Dá-nos essa compreensão, e dá-nos o destemor e a certeza de que não muda nada, exceto para o bem. Porque, de fato, o único poder que muda, genuinamente, o coração, é o constrangimento que vem do amor de Cristo. Quando nós julgamos isto, que um morreu por todos, logo, todos morreram, para aqueles que vivem, agora não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu, ressuscitou e lhes apontou quem eles próprios já são Nele, em plenitude, para toda a eternidade, então a nossa vida frutifica em amor. Assim, a motivação para a gente viver, não será o medo. Será a alegria de andar na direção daquilo que nós já somos em Ti; vivendo vida boa, mansa, tranqüila, contente, exuberante, forte, lúcida, e conforme a propriedade de cada estação. Por favor, faze isso para que nossa vida seja abundante e não apenas fragmento de possibilidades. Por favor, realiza o Teu bem em nós, no nosso coração. Nós pedimos em nome de Jesus, para a glória de Jesus. Amém, amém.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

O Resgate do Pastoreio

Por: Nelson Bomilcar

Os referenciais neotestamentários da qualificação e trabalho pastoral foram sendo substituídos pelos modelos de gestão empresarial e mercado corporativo.

Nas duas últimas décadas, o foco do pastorado tem mudado muito na realidade da Igreja, dentro ou fora do Brasil. Esta não é uma percepção nova ou inédita. As igrejas locais foram perdendo seu aspecto pessoal e comunitário, ao mesmo tempo em que se fortaleciam mais como estruturas eclesiásticas em expansão. A opção preferencial foi pelo crescimento, ampliando a membresia e a captação de recursos; as congregações tornaram-se grandes organizações, capazes de bancar seus projetos. Essa abordagem não deseja ser pueril ou ingênua, mas constatar o quadro com que temos nos defrontado, tentando enxergar caminhos.

Os referenciais neotestamentários da qualificação e trabalho pastoral à luz de uma nova realidade foram sendo substituídos pelos modelos de gestão empresarial e mercado corporativo. Gestão pressupõe o cuidado e organização, no seu aspecto mais positivo. É verdade que, na história da prática da vocação pastoral, outras ênfases também foram alimentadas em função do contexto da época que a Igreja estava vivendo. As denominações históricas, pentecostais e até as neopentecostais foram refletindo esse aspecto em sua maneira de ser e se estabelecer, buscando padrões e caminhos ora semelhantes nas bases e ênfases, ora bem diferentes e distantes no conteúdo e no que desejam ser.

Tornou-se evidente que, em nossa realidade contemporânea, as relações pastor-ovelha e pastor-igreja passaram a ser redefinidas em outras bases e expectativas. Somos esmagados dentro de uma sociedade de consumo ávida por encantar e escravizar nossa mente e coração. O desejo de ver a igreja numa perspectiva de megacrescimento, com o consequente aumento de patrimônio, visibilidade, poder e influência na sociedade, seduziu e tomou conta dos que dão os rumos na comunidade local. Esse processo alimenta o ego de alguns e gera uma espiritualidade distorcida e abafa insatisfações com suas próprias limitações e frustrações pessoais e profissionais, projetado no sonho da igreja corporativa – o que sufoca o grito ou pedido de socorro constante que vamos encontrando no Brasil por pastoreio.

Pastores não são mais encorajados na oração, meditação da Palavra, serviço abnegado e doação para a missão da Igreja. Líderes de comunidades locais são cobrados muito mais pelo seu desempenho, capacidade administrativa e liderança ao estilo empresarial do que por sua presença, cuidado, ensino e discipulado junto às ovelhas. Nos dias de hoje, ter visão ministerial, comunitária e missionária coerente com o Evangelho parece ser dispensável – tanto, que os chamados “perfis” dos pastores procurados pelas igrejas incluem muito mais capacidade gerencial do que piedade cristã. Pouco consideradas são as qualificações relatadas nas cartas de Paulo a Tito e Timóteo, isto é, que o pastor tenha qualificações como integridade, caráter, ética, equilíbrio familiar, vida de oração e voluntariado para o serviço, que maneje bem a Palavra da verdade e que ame suas ovelhas, dedicando tempo a elas. Impressiona ver os próprios mestres e pastores submetendo-se sem resistência a este quadro de requisitos impostos pela igreja-empresa – talvez, porque este seja um caminho de sobrevivência e sustento, e ninguém, afinal, quer lutar contra este novo “status quo” e arriscar o emprego.

Os resultados desse panorama preocupante estão aí e não podemos ignorá-los. As comunidades locais têm visto uma evasão contínua de membros. São crentes que não receberam cuidados e não estão equipados para toda a boa obra, que engordam as fileiras do segmento dos “sem igreja”. Os pastores-gestores e as lideranças denominacionais acabaram terceirizando o cuidado do rebanho, deixando uma lacuna enorme de contato com as pessoas de carne e osso. Uma consequência disso é que as ovelhas saem aos montes pelas portas dos fundos do aprisco onde congregam, já que o pastoreio não é realizado – lembrando que cuidar de gente deve ser tarefa de todo cristão, a não apenas por pastores e líderes.

O incentivo ao cultivo da fé em todas as dimensões relacionais que temos – com Deus, com a família, a sociedade e conosco mesmos – vai sendo esquecida ou negligenciada. Uma realidade que nos traz questões difíceis de serem resolvidas no dia a dia; e não temos respostas prontas para atender a contento todas as demandas. O que precisamos é, corajosamente, revisitar as bases da vocação pastoral e resgatar os cuidados do rebanho enfatizados nos evangelhos e na vida de Jesus. Assim, teremos o necessário para a implantação do Reino de Deus na nossa vida comunitária.