Por: Nelson Bomilcar
Os referenciais neotestamentários da qualificação e trabalho pastoral foram sendo substituídos pelos modelos de gestão empresarial e mercado corporativo.
Nas duas últimas décadas, o foco do pastorado tem mudado muito na realidade da Igreja, dentro ou fora do Brasil. Esta não é uma percepção nova ou inédita. As igrejas locais foram perdendo seu aspecto pessoal e comunitário, ao mesmo tempo em que se fortaleciam mais como estruturas eclesiásticas em expansão. A opção preferencial foi pelo crescimento, ampliando a membresia e a captação de recursos; as congregações tornaram-se grandes organizações, capazes de bancar seus projetos. Essa abordagem não deseja ser pueril ou ingênua, mas constatar o quadro com que temos nos defrontado, tentando enxergar caminhos.
Os referenciais neotestamentários da qualificação e trabalho pastoral à luz de uma nova realidade foram sendo substituídos pelos modelos de gestão empresarial e mercado corporativo. Gestão pressupõe o cuidado e organização, no seu aspecto mais positivo. É verdade que, na história da prática da vocação pastoral, outras ênfases também foram alimentadas em função do contexto da época que a Igreja estava vivendo. As denominações históricas, pentecostais e até as neopentecostais foram refletindo esse aspecto em sua maneira de ser e se estabelecer, buscando padrões e caminhos ora semelhantes nas bases e ênfases, ora bem diferentes e distantes no conteúdo e no que desejam ser.
Tornou-se evidente que, em nossa realidade contemporânea, as relações pastor-ovelha e pastor-igreja passaram a ser redefinidas em outras bases e expectativas. Somos esmagados dentro de uma sociedade de consumo ávida por encantar e escravizar nossa mente e coração. O desejo de ver a igreja numa perspectiva de megacrescimento, com o consequente aumento de patrimônio, visibilidade, poder e influência na sociedade, seduziu e tomou conta dos que dão os rumos na comunidade local. Esse processo alimenta o ego de alguns e gera uma espiritualidade distorcida e abafa insatisfações com suas próprias limitações e frustrações pessoais e profissionais, projetado no sonho da igreja corporativa – o que sufoca o grito ou pedido de socorro constante que vamos encontrando no Brasil por pastoreio.
Pastores não são mais encorajados na oração, meditação da Palavra, serviço abnegado e doação para a missão da Igreja. Líderes de comunidades locais são cobrados muito mais pelo seu desempenho, capacidade administrativa e liderança ao estilo empresarial do que por sua presença, cuidado, ensino e discipulado junto às ovelhas. Nos dias de hoje, ter visão ministerial, comunitária e missionária coerente com o Evangelho parece ser dispensável – tanto, que os chamados “perfis” dos pastores procurados pelas igrejas incluem muito mais capacidade gerencial do que piedade cristã. Pouco consideradas são as qualificações relatadas nas cartas de Paulo a Tito e Timóteo, isto é, que o pastor tenha qualificações como integridade, caráter, ética, equilíbrio familiar, vida de oração e voluntariado para o serviço, que maneje bem a Palavra da verdade e que ame suas ovelhas, dedicando tempo a elas. Impressiona ver os próprios mestres e pastores submetendo-se sem resistência a este quadro de requisitos impostos pela igreja-empresa – talvez, porque este seja um caminho de sobrevivência e sustento, e ninguém, afinal, quer lutar contra este novo “status quo” e arriscar o emprego.
Os resultados desse panorama preocupante estão aí e não podemos ignorá-los. As comunidades locais têm visto uma evasão contínua de membros. São crentes que não receberam cuidados e não estão equipados para toda a boa obra, que engordam as fileiras do segmento dos “sem igreja”. Os pastores-gestores e as lideranças denominacionais acabaram terceirizando o cuidado do rebanho, deixando uma lacuna enorme de contato com as pessoas de carne e osso. Uma consequência disso é que as ovelhas saem aos montes pelas portas dos fundos do aprisco onde congregam, já que o pastoreio não é realizado – lembrando que cuidar de gente deve ser tarefa de todo cristão, a não apenas por pastores e líderes.
O incentivo ao cultivo da fé em todas as dimensões relacionais que temos – com Deus, com a família, a sociedade e conosco mesmos – vai sendo esquecida ou negligenciada. Uma realidade que nos traz questões difíceis de serem resolvidas no dia a dia; e não temos respostas prontas para atender a contento todas as demandas. O que precisamos é, corajosamente, revisitar as bases da vocação pastoral e resgatar os cuidados do rebanho enfatizados nos evangelhos e na vida de Jesus. Assim, teremos o necessário para a implantação do Reino de Deus na nossa vida comunitária.
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