José Miguez Bonino. Rostos do Protestantismo Latino-Americano (São Leopoldo: Sinodal, 2003) 155 p.
POR: Idauro Campos
Rostos do Protestantismo Latino – Americano foi publicado originalmente em 1995 em Buenos Aires (Argentina), como resultado de uma série de conferências que o autor, José Miguez Bonino, ministrou na Cátedra de Carnahan em 1993.
O livro tem como objetivo, em seus seis capítulos, apresentar as matizes do protestantismo atuante nos países da América Latina e os caminhos para uma maior relevância na comunicação da mensagem cristã. Para tanto, Bonino identifica quatro expressões (rostos) do protestantismo: liberal, evangélico, pentecostal e étnico e os apresenta didaticamente nos primeiros capítulos de sua obra. Nos dois últimos capítulos, Bonino sugere uma coerência teológica trinitária e a unidade como condições para uma melhor comunicação dos conteúdos da fé e militância cristãs no contexto latino-americano.
No primeiro capítulo de seu livro, José Miguez Bonino trata do rosto do protestantismo liberal e pontua que sua ênfase desenvolvimentista voltada para a educação e a criação de escolas, como forma de libertar o indivíduo, foi uma das expressões mais significativas desta forma de cristianismo, permitindo, inclusive, que não precisasse entrar no mérito das desigualdades sociais produzidas ou mantidas pelos regimes totalitários que figuraram no continente. Além disso, o autor apresenta as razões do fracasso do empreendimento liberal, a saber, a crise de 1929, a ambigüidade teológica dos missionários quanto às propostas liberais, à fraca aderência dos próprios protestantes e a inviabilidade da proposta em terra latino-americana.
No segundo capítulo, mais claro e didático, Bonino apresenta a expressão evangélica do protestantismo, destacando a conversão, a separação do mundo, o biblicismo e a ênfase missiológica como marcos nítidos da presença evangelical. Para o autor este segmento se adaptou melhor aos regimes de exceção em face de que as ditaduras apelaram à moral, à ordem e à estabilidade, cujos pilares atraíram os conservadores evangélicos que além de tudo se enfileiravam para o fundamentalismo teológico, gerando, com isso, todo um ambiente propício à alienação e desativação.
No terceiro capítulo é abordado o rosto pentecostal com seus postulados teológicos gravitando em torno da experiência de salvação, batismo com Espírito Santo, saúde divina e escatologia apocalíptica pré-milenarista, embora já se perceba, quanto ao último, um esgotamento de sua ênfase no discurso pentecostal. O autor também salienta algo como uma esquizofrenia do movimento, porquanto valoriza a participação do leigo, mas é fortemente submisso ao líder, assim como os adeptos rejeitam o mundo, mas desejam a prosperidade no presente; evitam a política, mas se aproximam do poder.
No quarto capítulo há uma apresentação do protestantismo étnico, uma designação das igrejas que trouxeram seus fiéis de fora ou que vieram apenas para zelar pelos estrangeiros que no continente moravam e trabalhavam. Bonino destaca a diferença entre as comunidades protestantes de missão e as de imigração (étnica) na teologia, visto que a primeira é pneumatológica, enquanto que a segunda é cristológica. A Distinção também é prática, porquanto o protestantismo de missão é evangelístico e o étnico é mais pastoral.
No quinto capítulo José Miguez Bonino propõe uma reflexão trinitariana que permita uma abordagem das Escrituras Sagradas que identifique a mensagem e ação do Pai, do Filho e do Espírito Santo aos problemas econômicos, sociais, políticos e espirituais dos cidadãos da América Latina. Bonino critica a leitura tricotômica da Trindade, onde parece dividir as tarefas das Pessoas, levando a “obstacular” a compreensão de que a Trindade toda está envolvida no chamado do homem ao serviço do Reino de Deus e de que esta mesma Trindade está atuante na história presente do homem no contexto social onde vive. Destarte, a Trindade convoca o regenerado à encarnação dos valores do Reino na história. O homem é um agente do Reino de Deus que não apenas é apenas transcendente, mas também histórico.
Finalmente, no sexto capítulo, o autor pontifica a unidade, representada, no sentido de missão, que supera as matizes denominacionais e faciais do protestantismo latino-americano, como a ferramenta necessária à construção de uma atuação mais significativa no contexto social, econômico e político do continente. Mas, para que esta unidade funcione, é necessária uma nova reflexão teológica (trinitária) da missão da igreja no mundo.
A intenção de José Miguez Bonino é produzir uma reflexão com convocação ao engajamento social da igreja sem que esta perca a dimensão transcendental e metafísica de sua mensagem, esperança e missão. Para Bonino não é preciso apenar nos ater na soteriologia de nossa mensagem, mas conciliá-la com uma cristologia missiológica, onde se sabe, que O Verbo se fez carne e veio montar sua tenda neste mundo. Concomitantemente, para uma relevante militância histórica, o protestantismo não deve esquecer que sua estação final não é o já e o agora, mas há novos céus e nova terra prontos para irromperem. Diminuir tal expectativa é desonrar o Evangelho e, semelhantemente, esperar somente pelo céu, indiferente aos dramas deste mundo, é viver aquém dele.
Rostos do Protestantismo Latino-Americano é um livro maçante e cansativo. Bonino não apresenta nenhuma novidade ao convocar à igreja à dialética de uma reflexão social com expectativa metafísica. Outros autores, antes dele, já fizeram isso, como John R.W. Stott em seu “Ouça o Espírito, Ouça o Mundo”, publicado no Brasil pela ABU em 1992. Além disso, em 2009, comemorou-se os 35 anos do Pacto de Lausanne que advoga a práxis do Evangelho Integral ou Missio Dei, uma tentativa de conciliação, décadas antes, das propostas de Bonino.
Quanto a Sinodal o livro foi bem editado, embora se os subtítulos estivessem mais bem destacados facilitaria a leitura. A despeito de ser maçante, recomendo Rostos do Protestantismo Latino-Americano, pois sua abordagem, embora não seja novidade, contudo, não deixa esquecer nossa tarefa como cristãos de olhar para nossa esperança futura sem negligenciar nossos deveres para com o Reino de Deus na história aqui e agora.
POR: IDAURO CAMPOS
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