quarta-feira, 12 de outubro de 2011

História e Contexto do Novo Testamento

1- Religiões do Período Imperial Romano. Helmut Koester. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulus. 2005. p. 365-391.

Por: Idauro Campos


Uma das características mais interessantes da relação do antigo Império Romano com as suas províncias era a sua tolerância com as religiões praticadas em seus contextos. É interessante porquê podíamos esperar uma postura mais arisca do Império para com os povos dominados.

O Império Romano possuía sua expressão religiosa própria que posteriormente fora influenciada pelas concepções helênicas1, mas que conseguiu manter sua peculiaridade com sua preocupação com a coletividade, a observância ritualística rigorosa, a prática das orações e a consulta aos augures e aos haruspices. Apesar da construção religiosa própria, o Império Romano era aberto às demais religiões, porquanto entendia que o respeito aos cultos oferecidos pelos seus subjugados atrairiam a simpatia das divindades para com o Império.

A tolerância do Império Romano com as religiões estrangeiras somente sofreu abalos e mudanças a partir de 186 a. C. Por ocasião dos escândalos com os bacanais, onde, então, o Senado aumentou suas suspeitas devido aos excessos cometidos nos cerimoniais e até mesmo com a desconfiança de conspiração. Esta foi a origem de uma postura mais moderada que Império adotaria com as religiões estrangeiras.

A relação com o cristianismo foi tornando-se tensa devido ao crescimento do conceito romano de divindade de seu imperador. Embora dentro do Império houvesse quem discutisse quanto à validade do argumento de que o Imperador deveria ser adorado, o fato é que a noção se tornou uma doutrina do Império e este passou a exigir que seus provincianos oferecessem cultos a César, o que seria impossível para o cristianismo fazer, pois como herdeiro do judaísmo, sua teologia era monoteísta, compreendendo que somente Deus é digno de adoração e também porquê fazê-lo seria desonrar a Cristo, a quem acreditavam ser Deus e cuja vinda aguardavam com fiel e vigilante expectativa. Mesmo com o pacifismo dos cristãos e com a boa vontade que demonstravam ter com a ordem pública romana, a relação foi se tornando crítica.

Além do cristianismo, outra religião marcante dentro dos contornos do Império romano, foi o mitraísmo. Cultuado na Índia e difundido na Pérsia, tornou-se a religião de mistério mais praticada no mundo romano, tendo soldados, marinheiros e comerciantes, todos homens, como seus principais adeptos2.

O neopitagorismo também vigorou nos tempos do Império Romano, defendendo o dualismo e a crença na imortalidade da alma.

Neste universo religioso sincrético, também havia espaço para a astrologia e a magia, sua parenta. A primeira estudava os astros, enquanto que a segunda se encarregava de aparelhar os homens com conhecimentos a fim habilitá-los a interagir com as forças da natureza.

Finalmente, o gnosticismo também representou uma força religiosa poderosa nos tempos do Império Romano. Seus axiomas declaravam o mundo como uma tragédia que aprisionou homem, a centelha divina, vitimando-o e que para ser salvo deste caos precisa ser liberto por meio de um conhecimento de sua real condição, sua origem e suas possibilidades soteriológicas. Destarte, através deste conhecimento (gnose), seria, por fim, salvo.


2 – O Desenvolvimento da Religião Grega. Helmut Koester. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulus. 2005. p. 174-201.



A religiosidade helênica é difusa. Esta característica deriva da pluralidade das religiões de mistérios (ritos sagrados) que marcam o período do helenismo no mundo, assim como da crença em diversas divindades. Sem entender as religiões de mistérios é nos impossível compreender o universo religioso helênico.

As religiões de mistérios possuíam uma distinção clara com os cultos que eram ministrados na Grécia antiga, pois enquanto estes eram públicos, os mistérios eram secretos e introduziam os iniciados em um grupo especial e limitado e que por vezes não se identificavam com as estruturas organizadas da pólis, como mulheres, escravos e estrangeiros3. Somente os integrantes é que conheciam os ritos e que nunca eram revelados publicamente.

As religiões de mistérios se tornaram muito conhecidas, tais como a de Asclépio, Deméter, Core, Cabiros, a Grande Deusa da Samotrácia, Andaina, Isis, Osíris, Ápis, Hórus, Anúbis, Set, Sabázio, Men, Mitra, Cibele e etc. Entretanto, nenhum destes se comparou aos ritos praticados em honra a Dioníso, considerado o deus da fertilidade e dos produtos agrícolas. Suas celebrações eram regadas a vinho, sacrifícios de animais e mulheres praticando omofagia. De acordo com as crenças dos iniciados, Dionísio concedia suas bênçãos, especialmente a imortalidade individual, por meio dos mistérios praticados nas celebrações. Esta imortalidade era pilar da crença em Dioníso que de acordo com o mito o próprio a experimentou através da ressurreição.

A popularidade do culto a Dioniso cresceu intensamente, muito em decorrência de um curioso e vibrante vigor missionário, além dos apelos revolucionários, porquanto seus adeptos se consideravam um outro povo, o movimento era liderado por mulheres e não se distinguiam as classes sociais. Estes conceitos assustaram as autoridades, a ponto de em Roma, por exemplo, que temia a insurgência de um novo Estado, colocar o culto a Dioníso sob suspeição em 186 a.C, perseguindo e até executando seus praticantes.

A violenta perseguição imposta aos adeptos do culto a Dioniso traria consequências aos cristãos, mais de um século depois, pois, como os mesmos se reuniam secretamente por questões de segurança, o cristianismo terminou sendo interpretado pelos romanos como mais uma expressão de uma religião de mistério que deveria, à semelhança de todas as demais, sofrer desconfianças e restrições legais.



3. O Judaísmo Pré-rabínico e os diversos messianismos. Marcelo da Silva Carneiro.

O Judaísmo como seguimento religioso começa após o exílio babilônico, ocorrido no século VI a.C. Foi uma expressão religiosa ética (baseada na Lei), monoteísta e centralizada em seu templo. Aliás, estes, juntos com as sinagogas e a piedade familiar, constituíam nos fundamentos do judaísmo, sendo que os núcleos principais eram o Templo e a Lei. Dentro do movimento religioso existiam grupos que buscavam interpretar a Torah, aplicando-a as suas vidas. As distintas maneiras de viver o judaísmo eram vistas nas posturas e nas concepções teológicas de alguns destes grupos, como os fariseus, os essênios e os saduceus. Todos judeus, com suas raízes dentro da religião oficial, mas que discordavam quanto à forma de se viver a espiritualidade judaica.

Conforme supracitado, a Lei era um dos núcleos da religiosidade judaica e, para conhecê-la contavam tanto com sua forma escrita, mas também valorizam a Tradição Oral (Hagadah e Hallakah). A Lei era vista como a vontade de Deus para os homens e o ideal de vida que todos deveriam perseguir. Estudada no Templo e nas sinagogas (que surgem por causa do período em que o povo sofreu o Cativeiro Babilônico), sua importância era não só para as questões devocionais, mas todos aspectos da vida cotidiana, porquanto havia regulamentações acerca da participação em Festas, sobre casamentos, alimentação e etc.

Para finalizar, outra importante contribuição do judaísmo foi sua relação com o profetismo e o apocalipsismo, pois em virtude dos sofrimentos experimentados em terra estrangeira e das marcas que a experiência deixou, especialmente quanto aos abalos na fé, a profecia ganhou uma nova importância, pois ganhou cores messiânicas (e depois foi canonizada) o que também contribuiu em longo prazo para a construção de toda uma esperança escatológica.

O profetismo judaico no período romano foi tanto oracular como também de ação. O primeiro trazia mensagens de juízo e redenção divinas (João Batista), enquanto que o segundo organizava as massas descontentes com a dominação imperial romana (Teudas e Félix).



Conclusão

O Mundo em que o Novo Testamento é construído é rico, difuso e complexo. As expressões religiosas e culturais da época ajudam a entender as razões pelas quais algumas cartas neotestamentárias foram escritas e o porquê o cristianismo fora perseguido.

Ao analisar os textos foi-nos possível perceber como o Judaísmo contribui com o cristianismo com seu monoteísmo, sua ética legal, seu conceito de canonicidade e suas expectativas messiânicas e escatológicas.

A tolerância religiosa romana explica o porquê do silêncio neotestamentário quanto às dificuldades enfrentadas pelos cristãos frente ao Império Romano. Perseguição imperial houve, mas, mais sob Nero4 (também Domiciano). De acordo com a leitura, as restrições ao cristianismo podem em muito ser creditadas às suspeitas imperiais às religiões de mistérios, que o cristianismo, em algum grau, terminou sendo confundido pelas autoridades romanas.

O helenismo, muito mais do que o Império Romano, representou a principal ameaça ao cristianismo, especialmente no que diz respeito a prática das religiões de mistério. Com muitos adeptos entre os populares, mas também com alguns elementos das classes mais abastadas, tais ritos se difundiram. O próprio gnosticismo foi, de todas, a maior ameaça ao cristianismo. Conceitos gnósticos, ainda que embrionários, são respondidos em textos joaninos e paulinos, revelando-nos quão grande preocupação os apóstolos tiveram em não deixar que a fé cristã fosse confundida e diluída com qualquer prática oculta ou rito misterioso. Posteriormente, já sem os apóstolos, a igreja, através dos pais apostólicos, precisou mais claramente lidar com tais desafios teológicos. A fé cristã, portanto, se estabeleceu diante de um contexto de tensão. Há quem diga que limar a igreja cristã desta realidade é prestar-lhe o desserviço, pois foi mediante os conflitos que o cristianismo, desde os primórdios, floresceu. A teologia Cristã foi construída tendo como contexto histórico controvérsias, perseguições e desconfianças (judaicas, romanas e helênicas) e, a despeito, se impôs, cresceu e venceu. Destarte, nesta perspectiva, cremos e esperamos, a história se repetirá.


REFERÊNCIAS

CARNEIRO, Marcelo da Silva. O Judaísmo Pré-rabínico e os diversos messianismos. Apostila de História e Cultura do Novo Testamento. 2010.

KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulus. 2005

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