Por: Idauro Campos.
Com o advento do iluminismo e da ênfase na razão e na ciência, veio o conceito de que o homem (operador desta ciência e contemplado com o poder da razão) é autônomo. Esta autonomia se manifesta em diversos campos do saber e de atuação, tais como a física, a economia, a política e moral e etc.
Antes do iluminismo e, portanto, na era do cristianismo pré-moderno, tais locis de conhecimento eram fortemente refletidos pela perspectiva religiosa. Destarte, as análises dos fenômenos da natureza não tinham suas explicações baseadas nas leis da física, mas sim na atuação de anjos e demônios. Semelhantemente, a má distribuição de renda era fruto da vontade de Deus que dividira o mundo entre pobres e ricos. Também as monarquias eram interpretadas como representações divinas, pois, afinal, o rei era “ordenado por Deus” e a dimensão psicológica humana fora horizontalizada, pois o comportamento humano não podia mais ser resumido a dicotomia das virtudes piedosas x tentação e, sendo assim, a própria moral deixou de ser um absoluto religioso que dita a conduta e passou a ser a performance que cada homem constrói à luz de seus conhecimentos no contexto cultural em que vive, conhece e interage. Ou seja, o cristianismo, que dominava o discurso sobre o universo, o mundo, o homem e toda a realidade que o envolvia, perdeu o lugar de tutor e com isso a houve a inevitável morte da era pré-moderna. Contudo, a autonomia não é a única explicação para a mudança de era, porquanto outro fator também fora importante. O conceito de um processo histórico-evolutivo tem seu lugar aqui. Ou seja, a compreensão de que a realidade não é estática e nem definitiva, mas em constante processo de desenvolvimento, contribui também para o avanço da pesquisa científica, cada vez mais ávida por saber de onde viemos, quem somos e de que maneira nos transformaremos.
Esta ruptura da maneira como compreendemos a realidade atingiu também a reflexão teológica. Visto que esta também é uma área do conhecimento humano e como o iluminismo influenciou todos os campos do saber, a teologia não poderia ficar à margem, pois o pensar teológico é fruto de mentes que estão inseridas em determinado contexto da história da humanidade. Assim quais seriam, então, os novos insights da teologia? Quais as contribuições mais importantes de que a modernidade trouxe?
Primeiramente, como Queiruga aponta em sua obra, o colapso do cristianismo pré-moderno fez ruir o conceito do Deus totalmente transcendente, dando lugar à idéia de transcendência-imanência. Isto é, ao invés de afastado do mundo profano ao qual criou, Deus passou a ser visto como aquele que está entre nós, conosco. Ele não é apenas um ser todo-poderoso e que ocupa um lugar no céu, mas também “anda” entre os homens. Um Deus que seja apenas pura transcendência leva os homens ao lugar dos deísmos (o “puro” e o intervencionista “) e, para Queiruga, ambos estão aquém da verdade. Deus está no mundo, pois a tudo sustenta. E está sempre indo ao encontro do homem, chamando-o para ser colaborador na construção da história. A conseqüência radical disso é de que não precisamos tentar movê-lo com cultos e orações, pois já se pôs ao lado do homem, vindo d’Ele o dínamo da vida. Nele toda existência abarca e está contida. Não há qualquer dimensão da existência que esteja fora d’Ele e por isso não precisa ser lembrado e nem chamado a intervir.
Além do conceito de transcendência-imanência, outro aspecto importante que evidencia a nova compreensão teológica, de acordo com Queiruga, é quanto ao não dualismo e não intervencionismo na criação. Não há mais sagrado e profano na criação, porquanto tudo vem de Deus. Ele é fonte de toda a realidade. Semelhantemente as intervenções perdem espaço, pois Deus anima e responsabiliza o homem para que assuma sua própria história e destino. O homem é um agente livre. Não solitário. Não está sozinho no universo. Deus está próximo, mas o convocando sempre a assumir seu lugar no palco da história.
A hamartiologia também recebeu aportes da modernidade. O mal é, na verdade, reflexo do homem que não consegue dá mais de si. É sinal de finitude das criaturas. Não tem tanto haver com Adão e o pecado original, mas sim com todos e cada criatura, responsável que são por si.
A soteriologia, principalmente, também sofre uma nova leitura. Cristo reconcilia não na cruz, mas na encarnação os homens com Deus. E esta reconciliação é a culminação do processo salvífico universal conduzido em diversas religiões e acessível a todos os homens, pois Ele está em todo lugar e perto de todos.
Se Deus está presente no mundo. Se há, de fato, esta transcendência mergulhada na imanência, então, a nova tendência teológica será um movimento que proceda “de baixo”, ou seja, não se faz mais teologia fora desta realidade. Com o fim do dualismo mundo x igreja ou criação x salvação, percebe-se que o mundo é o lugar da teologia, pois é construído nele e para ele, visando levar os homens e aos homens o significado divino da existência. O novo paradigma teológico rejeita a antiga concepção de um Deus intervencionista, distante e separado do mundo e dos homens. Ao mesmo tempo rejeita o otimismo desenfreado do iluminismo, pois este também tende a ser fundamentalista na idéia de que o homem é a medida de todas as coisas. Na verdade, como nos adverte Queiruga com outras palavras, a teologia caminhará no paralelismo Deus/homem. A teologia fará seu movimento nesta perspectiva de correspondência. Na se fará mais uma reflexão teológica desencarnada, isto é, fora do cosmos. A realidade humana será o prisma da compreensão teológica. Deus é amor. Ama os homens e é natural que o lugar onde estes se encontraram seja o ambiente de onde parte toda a teologia.
REFERÊNCIA
QUEIRUGA, Andrés Torres. Fim do Cristianismo Pré-Moderno: Desafios para um novo horizonte. São Paulo: Editora Paulus, 2003
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