POR: Adriano da Silva Rangel
INTRODUÇÃO
A revolta do Contestado ocorreu numa região tradicionalmente conflitante, localizada entre os Estados do Paraná e Santa Catarina: ambos queriam o controle sobre as terras. Nessa região imperavam a miséria e o latifúndio, e, tal como no Nordeste, era controlada por coronéis que detinham boa parte das terras, deixando uma massa de camponeses sem trabalho.Também foi construída na região uma ferrovia que ligava São Paulo ao Rio Grande do Sul. Ao término da construção, milhares de trabalhadores foram abandonados e ficaram desempregados na região.
Para agravar ainda mais a situação, um grupo ligado à empresa que construiu a ferrovia comprou 180 mil hectares de terra para fazer uma madeireira, expulsando os camponeses. O movimento deflagrado por esses sertanejos que se sentiam expulsos de suas terras, foi encabeçado pelo líder religioso José Maria, que travou combates durante três anos, e ganhou dimensões assustadoras aos olhos do governo central, que novamente, deu ordens para arrasar o movimento.Tropas oficiais destruíram várias "Vilas Santas", matando mulheres casadas, velhos e crianças, pondo fim ao movimento.
CAUSAS DA GUERRA
A estrada de ferro entre São Paulo e Rio Grande do Sul estava sendo construída por uma empresa norte-americana, com apoio dos coronéis (grandes proprietários rurais com força política) da região e do governo. Para a construção da estrada de ferro, milhares de família de camponeses perderam suas terras. Este fato, gerou muito desemprego entre os camponeses da região, que ficaram sem terras para trabalhar. Outro motivo da revolta foi a compra de uma grande área da região por de um grupo de pessoas ligadas à empresa construtora da estrada de ferro. Esta propriedade foi adquirida para o estabelecimento de uma grande empresa madeireira, voltada para a exportação. Com isso, muitas famílias foram expulsas de suas terras.
O clima ficou mais tenso quando a estrada de ferro ficou pronta. Muitos trabalhadores que atuaram em sua construção tinham sido trazidos de diversas partes do Brasil e ficaram desempregados com o fim da obra. Eles permaneceram na região sem qualquer apoio por parte da empresa norte-americana ou do governo.
JOSÉ MARIA, O MESSIAS CABOCLO
Em 1912 um curandeiro de ervas, conhecido por José Maria de Santo Agostinho, apareceu no município de Campos Novos, justamente onde, meses atrás, se julgava que havia ressurgido João Maria. Esse José Maria era um tipo cariboca, de cabelos corredios e compridos, barba espessa; vestia-se de brim ordinário e, como um caboclo qualquer, andava às vezes descalço; quando muito, usava tamancos enfiados em meias grossas que lhe prendiam a boca das calças. Tinha dentes escuros de tanto fumar cachimbo. Ostentava um boné de jaguatirica semelhante ao do velho João Maria, porém adornado de penacho e fitas.
Em pouco tempo, o novo personagem adquiriu nomeada. Uma fonte nos fala de milagre-sinal: teria ele conseguido, na presença de testemunhas, fazer voltar à vida uma jovem que todos davam por morta, na verdade em estado cataléptico. Não há confirmação para o episódio. De qualquer forma, todas as referencias consideram de importância crucial, para o renome que adquiriu José Maria, ter curado a mulher do velho fazendeiro Francisco de Almeida, desenganada por outros médicos. Cabe notar que grande número de messias, ou indivíduos que se tornaram o centro de movimentos milenaristas, foram curadores ou médicos particularmente eficazes em sua missão. A um curador feliz não é difícil – amplificando-se as circunstâncias concretas – atribuir um poder absoluto sobre a vida e a morte. E assim como ele salva objetivamente a vida de numerosos indivíduos, porque não pode ser o salvador de todos os homens?
Consta que Francisco de Almeida ficou tão agradecido a José Maria que lhe ofereceu terras de muitas onças de ouro. Entretanto, José Maria recusou, e eis que este seu traço de desprendimento veio agregar-se à sua reconhecida eficácia no socorro dos enfermos, realçando-lhe a fama. Das redondezas e dos municípios vizinhos começaram a chegar caravanas transportando doentes. Improvisou-se um arraial em torno da sede da fazenda, - e eram tantas as pessoas à espera de consulta que o fazendeiro carneava e distribuía entre elas uma rês por dia. Mas tanto aumentou a multidão, que – parece até que provocando um sentimento de alívio em Francisco de Almeida – José Maria resolveu mudar-se. Não foi, porém, para longe. Estabeleceu-se ainda nas terras do mesmo latifúndio, no rancho que fora de um capataz.
O PASSADO DE JOSÉ MARIA
Ao contrário do que ocorria com o antigo monge, José Maria veio a tornar-se um personagem socialmente controvertido e, assim, não é tão simples elucidar o que há de mito e o que há de realidade em sua figura e em suas ações. Não foi objeto de um processo uniforme de mitificação. Enquanto alguns, principalmente depois de sua morte, haveriam de exaltá-lo como um santo ou mesmo como um Deus, outros seriam levados a vilipendiá-lo e difamá-lo, conscientemente ou não. Neste caso, precisamos redobrar de cautela e, ao considerar qualquer fonte que seja, necessitamos saber não apenas se se trata de uma testemunha presencial ou de oitiva, mas sobretudo qual a posição da mesma no que diz respeito ao novo monge e aos fatos de que ele foi o centro. Por esse motivo, em muitas circunstancias, não poderão ser sanadas as dúvidas. Noutras passagens, entretanto, é possível estabelecer o caráter tendencioso de determinadas versões, e distinguir o que foi realidade daquilo que não passa de produto da inventiva ( encomiástica ou infamatória ).
Sobre o passado de José Maria antes de aparecer em Campos Novos e iniciar assim o que poderíamos denominar, guardadas as proporções, a sua grande vida pública, há uma série de pontos obscuros e dúbios. Ninguém sabe onde ele nasceu, nem mesmo de que Estado era natural, e – fato curioso- ninguém nunca se preocupou com este problema, nem sequer se tentou inventar uma lenda qualquer a respeito. Em 1912 já era homem maduro, de seus quarenta e poucos anos de idade. Vários autores referem que pertencera às fileiras do Regimento de Segurança do Paraná, onde havia chegado ao posto de cabo, antes de desertar. No entanto, mesmo neste particular, não se pode ter absoluta certeza; pelo menos não consta dos arquivos da milícia estadual que nela tenha figurado em algum momento Miguel Lucena Boaventura, uma vez este era o verdadeiro nome de batismo de José Maria. Parece que foi, isto sim, soldado do Exército, e andou alistado num batalhão rodoviário, encarregado de construir a estrada Guarapuava – Foz do Iguaçu. Daí é que teria desertado.
Anos antes adquirir notoriedade em Campos Novos, trabalhou modestamente como curandeiro no município vizinho de Lajes, mas seus proventos deviam ser tão baixos que era obrigado, para não morrer à míngua, a empregar-se como trabalhador braçal na lavoura dos arredores da vila e na construção das estradas municipais. Devido a seu aspecto e – quem sabe – à sua prosápia, ficou ali conhecido como o “doutor de tamancos”.
Viveu também algum tempo entre a população de posseiros do Irani. Um relato nos diz que, quando da permanência de José Maria neste lugar, juntou-se tanta gente em volta que a polícia – temendo uma perturbação da ordem – interveio; porém o curandeiro, avisado a tempo, conseguiu escapar. Entretanto, o informante não esteve presente, nem estes fatos se confirmam em qualquer outra fonte. Seja como for, não há dúvidas que datavam de muito as ìntimas relações de José Maria com aquela comunidade de posseiros. Quando, mais tarde, os fatos vieram a complicar-se em Curitibanos, ele decidira partir para o Irani, afirmando aos amigos: “Vou para junto de minha gente”. Ainda sobre o passado de José Maria, existe algo que ilustra perfeitamente a controvérsia em torno de sua pessoa. Na verdade, ele nunca foi um asceta nem um puritano em matéria de relações sexuais. Muito diverso, porém, é atribuir-lhe – como se fez na época e alguns autores repetem até hoje – um comportamento depravado ou aberrante neste particular. Quando dos acontecidos que se verificam em Curitibanos, os seus inimigos insinuaram que mantinha intercurso com duas meninas de 10 anos, que dormiriam em seus braços. A fim de tornar mais plausível esta versão, asseguravam que , anos passados, teria sido condenado em palmas por algum obscuro e terrível crime de libidinagem. Documentadamente, conforme noticiou na época o jornalzinho local, o que se verificou em palmas foi algo que se inclui serenamente nos costumes sertanejos. José Maria andou “fazendo orações pelas casas e curando enfermos” nos arrabaldes da vila. “Por essa ocasião raptou da casa de seus pais uma mocinha, levando-a pelos sertões, como companheira de sua santa missão”. Era a filha de um certo João Alemão. Tempos depois, em novembro de 1911, reapareceu o casal na residência dos progenitores da jovem. Informado disto, o tenente-comissário resolveu prender o monge. Na delegacia, este disse chamar-se “Boaventura José Maria”. A mocinha , quando interrogada, afirmou que o acompanhara de livre e espontânea vontade. Adiantava o jornalzinho: “Ambos declararam ter desejos de se casarem, visto estimarem-se muito, pelo qual as autoridades estão agindo no sentido de ser efetuado esse casamento”. Talvez a moça fosse maior de idade, razão pela qual a juiz de direito , dr. Júlio Abelardo Teixeira, não viu por que levar adiante o processo por defloramento, e mandou soltar imediatamente José Maria. Não se sabe, porém, quais os motivos que vieram a impedir depois o casamento. O fato é que ele não se deus.
Quando, em 1912, José Maria adquiriu fama e chegou a desempenhar papel histórico, diz uma testemunha que o acompanhou de perto – e que procura sempre, por outro lado, acentuar as virtudes e as qualidades do novo monge – que ele “não tinha mulher e não consentia patifarias”. Isto parece meia verdade. Julgamos inverossímil que ele tenha mantido relações estreitas com meninas ainda impúberes. Mas, sem dúvidas, era um tipo que gostava de viver e acessível ao encanto feminino. A propósito, conhecemos um episódio que dificilmente pode ser posto em dúvida. Certa vez, já em Campos Novos, no galpão da fazenda de Francisco de Almeida, apareceu – junto com muitas outras pessoas que procuravam o grande curandeiro – um tal David da Rosa, que era viúvo, acompanhado de uma sua criada. Ao passar perto da moça, José Maria sorriu: “Que moça bonita!” David teria respondido: “É bonita mas não é para o teu bico” e ficou tão furioso que tomou de suas coisas, selou os animais, e foi embora para nunca mais voltar. Importa observar que esta atitude do ciumento viúvo não despertou solidariedade entre os circunstantes nem fez com que estes condenassem José Maria. Inclusive, após a partida de David da Rosa, permaneceram com o monge parentes próximos do Otelo sertanejo.
JOSÉ MARIA NO IRANI
O Irani constituía a parte sul do município de Palmas, sob administração paranaense, e fazia fronteira com o Rio Grande. Além dos campos, ali existentes, o terreno era acidentado, coberto de matas virgens e de faxinais. Deparavam-se montanhas e vales profundos, despenhadeiros e cavernas. Havia que dissesse que a terra era fertilíssima.
As matas e os faxinais do Irani foram ocupados, desde fins do século passado, por uma população que migrou do Rio Grande. Segundo a tradição oral, quando João Maria andava pelo interior gaúcho, passou pelas serras do carreiro, onde havia muita gente pobre que vivia “muito Apertada”. O monge aconselhou aquele povo a mudar-se para o Irani, onde poder-se-ia então desfrutar de largueza e as terras pertenciam ao Estado: “eram de fato terras prometidas”. Lemos, que registra esta história, era criança mas se lembra, antes ainda da revolta de 1893., da grande multidão que passou em Barra Verde, atualmente joaçaba, no rumo do Irani. A maior parte viajava a pé, carregando às costas ou na cabeça os seus pertences. A esses primeiros habitantes vieram juntar-se outras modestas famílias que “chegavam não se sabe donde, arranchavam nas terras devolutas, plantavam o seu milho, o seu feijão, criavam os seus porcos, tudo para subsistência e para pequenas trocas”.
Já os campos do Irani tinham sido tomados, desde aquela mesma época pelo coronel Juca Pimpão, tido como um dos homens mais ricos do município, e que os utilizava para criar gado à solta. Graças a seus amigos e à sua foca política, pode o coronel registrar como de sua propriedade, nos cartórios do Paraná, não apenas os campos, mas todas aquelas terras entre os rios Xapecozinho, Jacutinga e Uruguai, constituindo assim a fazenda do Irani. Este verdadeiro feudo, dentro de cujos limites ideais continuavam pois vivendo os posseiros, foi vendido pelo coronel, ainda no século passado, à Compainha Frigorífica Pastoril Brasileira, empresa que no momento se lançava com audaciosos planos de criação nacional do gado e industrialização em larga escala de produtos pecuários. Tais planos nunca foram completamente executados, porém a firma, só no município de Palmas, adquiriu também a fazenda Santa Bábara , e não apenas arrendava pastos , como empregava numeroso pessoal para cuidar da pecuária e fazer charqueada. Otávio Marcondes de Albuquerque era o gerente da Companhia Frigorífica. Tinha sido agregado de Jango Pimpão, irmão do coronel Juca, mas casara-se com uma filha-criada dele, e ele o protegia muito: “diz-que só de uma vez lhe deu 1.500 contos”. Como gerente da Companhia, Otávio já havia entrado em conflito com os posseiros. Assim se refere às ocorrências uma testemunha hostil a estes últimos: “É sabido que, desde alguns anos, aventureiros e foragidos vindos do Rio Grande do sul e de Santa Catarina e idos daqui do Paraná, se iam localizando ao sul da fazenda do Irani e ali construindo cabanas e plantações, formando um núcleo perigoso pela arrogância com que se apoderavam de terras que não lhes pertenciam, apesar dos protestos da proprietária daquela fazenda, que era então a Companhia Frigorífica”. Por volta de 1910, a fazenda passou novamente de mãos. Foi comprada por um tal comendador Santos, que é descrito como “capitalista no Rio de Janeiro”. Contudo, Otavio Marcondes permaneceu como gerente e a questão com os posseiros continuava na mesma.
Ao sul desta vasta propriedade é que se localizava o faxinal do Irani, onde se erguia o arraial que servia de núcleo à população dos posseiros-agricultores, entre os quais ocupava posição de destaque a família-extensa dos Fabrícios da Neves. Perto dali, junto ao rio Jacutinga e sobre a fronteira do Rio Grande, encontrava-se largo trato ocupado por Miguel Fragoso e seu pessoal desde os tempos que se seguiram ao fracasso do movimento federalista.
José Maria há muito conhecia o povo do Irani. Considerava-o a sua gente. Não é de estranhar que, perseguido em território sob jurisdição catarinense, tenha surgido, em princípios de novembro de 1912, no chamado Faxial dos Fabrícios. Desde Santa Catarina, acompanhavam-no quarenta homens armados. Hospedou-se, primeiro, em casa de Thomaz Fabrício da Neves. Atraídas pela sua fama de curandeiro, numerosas pessoas foram fazer-lhe consultas e muitas se deixavam ficar pelos arredores assistindo e acompanhado os seus terços, aos quais havia quem chamasse missas. A todos que quisessem ouvir, o monge não escondia ter vindo perseguido sobretudo por parte do coronel Francisco de Albuquerque, a quem acusava de haver levantado calúnias contra ele, atribuindo-lhe “intuitos de restauração monárquica”. Poucos dias depois mudou-se para a casa de Miguel Fabrício, onde afirmava e reafirmava à pequena multidão “que nada tinha com o Paraná, mas que se fosse atacado brigaria”. A 15 de novembro, José Maria foi procurado por dois curiosos: José Júlio Farrapo, um dos arrendatários da fazenda do Irani, e João Varela, pequeno fazendeiro das redondezas. Ambos tinham ido verificar o que haveria de verdade sobre o monge, a respeito do qual circulavam boatos sem conta. Encontraram-no “alterado” por não ignorar que focas do Paraná já estavam em marcha para atacá-lo. Conhecem-se os termos dessa entrevista. Assim se expressou José Maria: “Se aqui vem força me bater, eu brigo e dou prejuízos; é o dia que estou mais incomodado desde que cheguei aqui, é hoje; e apesar de não ter questão com o Paraná, nem com o governo, nem com o estado nenhum; não vim aqui com o intuito de brigar; fui perseguido em curitibanos pelo senhor Albuquerque, e por isso passei pra cá porque sou conhecido deste povo, e esta gente me acompanhou de medo do Sr. Albuquerque, que a persegue para matar; e cheguei aqui e o Paraná está me aperseguindo, e se for atacado, brigo, mas não ataco ninguém; se varar em qualquer parte e ver uma foca do governo eu passo quietinho com a minha gente”.
Os dois homens procuraram dissuadi-lo, mas José Maria se manteve firme e convenceu-os a irem ao encontro da tropa a fim de conferenciar com o comandante e conseguir um acordo. Além dos fiéis seguidores que trouxera de Santa Catarina, José Maria tinha o apoio e a simpatia dos posseiros do Irani. Talvez ainda o socorresse Miguel Fragosso, o antigo chefe maragato, que era capaz de levantar a qualquer momento 100 homens em armas. Assim, o monge poderia dispor, para a defesa de sua pessoa e de sua causa, de duzentos e trezentos caboclos mal armados.
O MESSIANISMO NO CONTESTADO
Caracteriza-se Messianismo a espera, a ansiedade em se encontrar alguém que mude a situação de vida particular e coletiva do local e do contexto em que você vive. Temos exemplos de messianismo em todo o decorrer da história da humanidade. O Messias, profeta enviado por Deus para dirigir e trazer mensagens de paz ao povo, sempre foi uma expectativa inerente ao ser humano. Temos Moisés, João Batista, Jesus no povo hebraico. Temos Buda e Maomé entre os povos budistas e mulçumanos, temos Smith entre os mórmons, Alan Kardec no espiritismo, entre outros. Essa procura, que faz parte do ser humano, nos leva a perceber que sempre estamos buscando algo que satisfaça nossas expectativas, que responda, verdadeiramente ou não, nossas questões mais profundas e essenciais. Essa busca não requer sabedoria, nem tempo, nem espaço, nem contexto, ela surge em nosso meio, desde a antiguidade até os dias de hoje, de maneira que por mais simples ou erudita que a pessoa seja ou se torne, ela sempre estará buscando o conhecimento daquilo que ela não entende e faz parte da sua essência.
No messianismo, a história não é diferente. A Igreja Católica, oficial no país desde 26 de Abril de 1500, trouxe consigo suas doutrinas, dogmas e tradições. Sempre envolvida com o Estado e com o Governo, monárquico ou não, a igreja influenciou de maneira visível e palpável todo o país. O povo foi educado dentro de uma religião oficial rígida e tradicionalista, e cresceu passando isso de geração em geração.
Nosso país, por sua grande extensão territorial e a mistura de várias etnias, foi aos poucos moldando a religião oficial de acordo com o seu contexto e interesse. Para entendermos o surgimento desse movimento messiânico na Região Sul, precisamos primeiro abordar o contexto social e humano em que vivam nossos caboclos e sertanejos.
CONTEXTO SOCIAL:CATOLICISMO INASCESSIVEL E NECESSIADE DE CRER
Os caboclos estavam sem perspectivas. A Igreja não ia até eles e tornava-se inacessível no meio de tantos conflitos e posições que a própria igreja deveria tomar em relação ao Estado e aos acontecimentos. Eles eram simples, até ignorantes e analfabetos. Não tinham acesso à bíblia católica (a oficial do país), mas conheciam as escrituras superficialmente e somente pelo que era falado de um para outro. Estavam aflitos, pois teriam que sair de onde nasceram e se criaram, da terra deles, e sem motivo aparente, apenas porque disseram que aquelas terras agora tinham dono.
Criam que a estrada de ferro trazia um ‘Dragão’ que lançava fogo por sua boca, que queria destruí-los. Necessitavam de algo para crer, para se apegar. Algo que trouxesse força e vontade de viver. A Religião Oficial, com todos os seus dogmas, não satisfez, não apareceu. Assim, dentro desse contexto, aparece um monge, que se diz enviado por Deus, tendo chamado para peregrinação: José Maria de Agostinis. Ele não era de outra religião, ele não confrontou as ideologias da época, apenas trazia consigo as respostas, verdadeiras ou não, que os caboclos esperavam. A base do messianismo dentro do Contestado é o Catolicismo: o culto às imagens, aos santos e à Maria. Os mesmos sacramentos de batismo, comunhão, casamento, etc. Os fundamentos do catolicismo foram mantidos, porém, muitas de suas doutrinas foram alteradas. No messianismo, cria-se em curas, ervas curandeiras, profecias, santidade das meninas virgens, na cura que vinha pelo toque à bandeira do Espírito Santo, etc. Mas os monges não eram sacerdotes católicos, ordenados pela igreja. Não traziam consigo conhecimento teológico comprovado, não foram oficialmente enviados para evangelizar e atender as áreas por onde passaram. Eles apenas criam ser chamados por Deus para peregrinar e traziam conselhos, curas através das plantas e ervas e profecias que saciavam os caboclos.
A crença nestes monges, mais especificamente em José Maria, foi tanta, que em dado momento da história dos conflitos, eles os faziam em nome do monge, e dizendo estarem direcionados por ele para tal. Carregavam consigo as bandeiras que representavam sua devoção, e proclamavam a todos suas crenças, aumentando consideravelmente a fama, os mitos e os ‘milagres’ que envolveram o assunto.
VISÃO DO CATOLICISMO OFICIAL
A Igreja Católica, religião oficial do Estado Português, chegou ao Brasil em 1500 com Pedro Álvares Cabral. Quando as caravelas de Cabral ancoraram em Porto Seguro, parte da tripulação desembarcou para assistir à uma missa realizada para celebrar o ‘achamento’de novas terras, no dia 26 de abril.
O messianismo e a crença dos caboclos e simples nos Monges (forma de vida religiosa), à princípio teve o apoio das autoridades eclesiásticas, pois difundiam o catolicismo e as representações do imaginário piedoso que a Igreja desejava estabelecer no Brasil. ‘Os santuários são fontes de inspiração da fé e da esperança do povo do interior’, diziam os sacerdotes.
Eremitas, milagreiros e santuários constituíam o eixo em torno do qual se organizava a religiosidade popular no Brasil Colonial. Frei Rogério Neuhaus, da ordem dos franciscanos, um dos poucos sacerdotes da Igreja Católica que percorria os sertões, se encontrou com o Monge João Maria de Jesus. “A ausência de padres deixa o caminho aberto para a presença de outros líderes religiosos, carismáticos e milagreiros” disse ele. Esse catolicismo, que vive à margem da hierarquia e da rígida doutrina de Roma, é professado principalmente pelas camadas populares. Ele se manifesta por um culto exclusivo às imagens, pelas rezas e promessas, pelas curas milagrosas, pelo anúncio dos castigos de Deus e que o fim do mundo já está próximo.
Os dois monges mais conhecidos consideram-se profetas e não demonstravam nenhuma subordinação à doutrina Oficial da Igreja Católica, e esta não se opôs, ficando oficialmente neutra e ignorando a influência desses líderes em nossa região. Essas são as fontes oficiais pesquisadas. Sabemos que a Igreja Católica, por estar fundamentada no Estado, obrigatoriamente ignorou os ocorridos, uma vez que os padres não chegavam aos camponeses, e eles necessariamente buscavam crer em suas próprias ideologias.
AS RIQUEZAS DA REGIÃO
A região planaltina vai exercer grande cobiça entre os Estados de Santa Catarina e Paraná, assim como para o Grupo Farquhar (Brazil Railway Company), como veremos adiante, apropriando-se do maior número de terras possíveis.
A vida econômica da região, durante muito tempo, vai girar em torno da criação extensiva de gado bovino, na coleta da erva mate e na extração de madeira, material empregado na construção de praticamente todas as residências. Os ervais encontravam seu mercado na região do Prata.
Nas terras dos coronéis os agregados e peões podiam servir-se das ervas sem qualquer proibição, porém quando o mate adquiriu valor comercial, os coronéis começaram a explorar a coleta abusiva do mate em suas terras.
Como região fornecedora de gado para a feira de Sorocaba e erva mate para os países do Prata, o planalto catarinense inseria-se economicamente em nível nacional, no modelo agrário-comercial-exportador dependente.
BRAZIL RAILWAY COMPANY
Com a expansão da área cafeicultora brasileira, surgiu a necessidade de se interligarem os núcleos urbanos com a região sulina, para que esta os abastecesse com produtos agro-pastoris. É criada então uma comissão para a construção de uma Estrada de Ferro para ligar esses dois pólos.
A concessão da Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, iniciou com o engenheiro João Teixeira Soares em 1890, abandonando o projeto em 1908, transferindo a concessão para uma empresa norte-americana Brazil Railway Company, pertencente ao multimilionário Percival Farquhar, que além do direito de terminar a estrada, ganha também o direito de explorar 15 km de cada lado da estrada.
Farquhar cria também a Souther Brazil Lumber and Colonization Co., que tinha por objetivo extrair a madeira da região e depois comercializá-la no Brasil e no exterior. Além disso, a empresa ganha também o direito de revender os terrenos desapropriados às margens da estrada de ferro. Esses terrenos seriam vendidos preferencialmente aos imigrantes estrangeiros que formavam suas colônias no sul do Brasil.
Para a construção do trecho que faltava da ferrovia, a empresa contratou cerca de 8000 homens da população urbana do Rio de Janeiro, Santos, Salvador e Recife, prometendo salários compensadores.
Ao encerrar a construção da ferrovia, esses funcionários foram demitidos, sem ter para onde ir pois a empresa não honrou o acordo de levá-los de volta ao término do trabalho. Passam então a engrossar a população carente que perambulava pela região do Contestado.
A Brazil Lumber providencia a construção de duas grandes serrarias, uma em Três Barras, considerada a maior da América do Sul, e outra em Calmon, onde se dá início às devastação dos imensos e seculares pinheirais.
A GUERRA
A guerra inicia-se oficialmente em 1912, com o combate do Irani, que resultou nas mortes do monge José Maria e também do coronel João Gualberto, e vai até a prisão de Adeodato, último e mais destacado chefe dos fanáticos, em 1916. É também neste ano que é assinado o acordo de limites entre Santa Catarina e Paraná.
Durante esse período, podemos observar uma mudança nos quadros dos fanáticos com a adesão dos ex-funcionários da Brazil Railway Company. Junta-se também ao movimento um expressivo número de fazendeiros que começavam a perder terras para o grupo Farquhar e para os coronéis. Com essas mudanças o grupo vai tornar-se mais organizado, distribuindo funções a todos, utilizando também táticas de guerrilha.
No episódio em que José Maria monta sua "farmácia do povo" nas terras do coronel Almeida, cresce absurdamente sua popularidade, sendo convidado a participar da festa do Senhor do Bom Jesus, em Taquaruçu – município de Curitibanos. Atendendo ao convite, José Maria participa acompanhado de 300 fiéis, e ao terminar a festa José Maria continuou em Curitibanos atendendo pessoas que não tinham mais aonde ir. Curitibanos era uma cidade sob o domínio do coronel Francisco de Albuquerque que, preocupado com o acúmulo dos "fiéis" manda um telegrama para a capital, pedindo auxílio contra "rebeldes que proclamaram a monarquia em Taguaruçú", sendo atendido com o envio de tropas.
Diante dessa situação, José Maria parte para o Irani com toda essa população carente. Porém na época Irani pertencia a Palmas, sob controle do Estado do Paraná, que via nesse movimento de pessoas uma "estratégia" de ocupação por parte do Estado de Santa Catarina. Logo são enviadas tropas do Regimento de Segurança do Paraná, sob o comando do coronel João Gualberto, que junto com José Maria, morre no combate.
Terminada a luta com dezenas de mortos e com a vitória dos fanáticos, José Maria é enterrado com tábuas para facilitar a sua ressurreição, que aconteceria acompanhado de um Exército Encantado, ou Exército de São Sebastião. Os caboclos defendiam a Monarquia Celeste, pois viam na República um instrumento do diabo, dominado pelas figuras dos coronéis.
Em dezembro de 1913, organiza-se em Taquaruçú um novo reduto que logo reuniu 3000 crentes, que atenderam ao chamado de Teodora, uma antiga seguidora de José Maria que dizia ter visões do monge. Ao final deste ano, o governo federal e uma Força Pública catarinense, atacam o reduto. O ataque fracassa e os fanáticos se apoderam das armas. A partir de então começam a surgir novos redutos, cada vez mais em locais afastados para dificultar o ataque das tropas legais.
Em janeiro de 1914 um novo ataque é feito em conjunto com os dois Estados e o governo federal que arrasa completamente o acampamento de Taquaruçú. Mas a maior parte dos habitantes já estava em Caraguatá, de difícil acesso. No dia 9 de março de 1914 os soldados travam uma nova batalha, sendo derrotados. Essa derrota repercute em todo o interior, trazendo para o reduto mais e mais pessoas. Neste momento, formam-se piquetes para o arrebanhamento de animais da região para suprir as necessidades do reduto.
Mesmo com a vitória é criado outro reduto, o de Bom Sossego, e perto dele o de São Sebastião. Este último chegou a ter aproximadamente 2000 moradores. Os fanáticos não ficam só a esperar os ataques do governo, atacam as fazendas dos coronéis retirando tudo o que precisavam para as necessidades do reduto. Partiram também para atacar várias cidades, como foi o caso de Curitibanos. O principal alvo nesses casos eram cartórios onde se encontravam registros das terras, sendo incendiados. Outro ataque foi em Calmon, contra a segunda serraria da Lumber, destruindo-a completamente.
No auge do movimento, o território ocupado equivalia ao Estado de Alagoas, totalizando 20.000 km2. Até o fim do movimento haviam morrido cerca de 6000 caboclos. (Algumas fontes afirmam terem sido mais de 20.000 o número de mortos N. A.)
O CONTRA-ATAQUE DO GOVERNO
Com a nomeação do General Setembrino de Carvalho para o comando das operações contra os fanáticos, a guerra muda de posição. Até então os rebeldes haviam ganho grande parte dos combates e as vitórias do governo eram inexpressivas. Setembrino vai reunir 7000 soldados, dispondo também de dois aviões de observação e combate.
Em seguida manda um manifesto aos habitantes das áreas ocupadas garantindo a devolução de terras para quem se entregasse, e tratamento inóspito para quem continuasse. Setembrino vai adotar uma nova postura de guerra, ao invés de ir ao combate direto, cerca os fanáticos com tropas vindas de todas as direções: norte – sul – leste – oeste.
Com esse cerco, começa a faltar comida nos acampamentos, fazendo com que alguns fanáticos começassem a se entregar, mas na sua maioria eram velhos, mulheres e crianças, talvez para que sobrasse mais comida aos combatentes. Começa a se destacar do reduto a figura do Adeodato, o último líder dos fanáticos, que muda o reduto-mor para o vale de Santa Maria, que contou com cerca de 5000 homens.
Na medida em que ia faltando comida, Adeodato começa a se revelar autoritário, não aceitando ser desafiado. Aos que queriam desertar, ou se entregar, era aplicada a pena máxima: a morte. Em dezembro de 1915 o último reduto é devastado pelas tropas de Setembrino. Adeodato foge, vagando com tropas ao seu encalço, conseguindo escapar de seus perseguidores, mas a fome e o cansaço fazem com que Adeodato se entregue em início de agosto de 1916.
Em 1923, sete anos após ter sido preso, Adeodato é morto numa tentativa de fuga pelo próprio diretor da cadeia. Chegava ao fim a trajetória do último comandante dos fanáticos da região do Contestado.
CONCLUSÃO
A Guerra do contestado com quase 46 meses de conflito superou a guerra de canudos em duração e número de mortes. O massacre dizimou sem piedade velhos, homens, mulheres, jovens e crianças. foi um conflito que alcançou enormes proporções na história do Brasil e, particularmente, dos Estados do Paraná e de Santa Catarina. Semelhante a outros graves momentos de crise, interesses político-econômicos e messianismo se misturaram ao contexto explosivo. Ocorrido entre 1912 e 1916, o conflito envolveu, de um lado, a população cabocla daqueles Estados, e, de outro, os dois governos estaduais, apoiados pelo presidente da República HERMES DA FONSECA. A região do conflito, localizada entre os dois Estados, era disputada pelos governos paranaense e catarinense. Afinal, era uma área rica em erva-mate e, sobretudo, madeira. Originalmente, os moradores da região eram posseiros caboclos e pequenos fazendeiros que viviam da comercialização daqueles produtos. Assim como a guerra de canudos, a guerra do contestado marcou a história do Brasil.
BIBLIOGRAFIA
Ø Queiroz, Mauricio Vinhas de. Messianismo e Conflito Social – A Guerra Sertaneja do Contestado: 1912/1916 – RJ Civilização Brasileiro, 1966
Ø Priore, Mary Del. Religião e Religiosidade no Brasil Colonial. Porto Alegre
Ø Neto, Godofredo de Oliveira. O Bruxo do Contestado. Editora Nova Fronteira
Ø http:// www.ivoptz.pro.br/?arquivo
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