terça-feira, 14 de setembro de 2010

O Congresso de Lausanne e a Missão Integral da Igreja.

Por: Dom Robinson Cavalcanti

INTRODUÇÃO


Considero um privilégio ter participado do Lausanne I e do Lausanne II, e estar me preparando para participar do Lausanne III. A revista semanal norte-americana TIME considerou o Congresso Internacional para a Evangelização Mundial, de 1974 – o Lausanne I – como “o Vaticano II dos Evangélicos”. Sem dúvida foi o mais amplo em representatividade de países e de denominações e o mais importante encontro mundial protestante do século XX. E o seu documento final, o Pacto de Lausanne, tem sido considerado, ao lado do Credo Niceno e da Confissão de Westminster como um dos três mais importantes documentos confessionais da História do Cristianismo.

ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Chamamos a atenção para os antecedentes históricos.
A herança evangélica, missionária e de compromisso social legada pelo Avivamento Wesleyano, com as controvérsias ocorridas nos Estados Unidos no início do século passado: Liberalismo vs. Fundamentalismo, Evangelho Individual vs. Evangelho Social, Criacionismo vs. Evolucionismo, tinha conduzido aquele espaço religioso a uma polarização e a uma dicotomia, e ao que um sociólogo da religião denominou de A Grande Reversão, que foi o retraimento do Evangelicalismo dos aspectos sociais, culturais e políticos da missão. Somando-se a isso o dispensacionalismo e a escatologia pré-milenista pré-tribulacionista.

O Movimento Ecumênico, cujo Congresso de Edimburgo estamos a comemorar o centenário esse ano, tinha desaguado na formação do Conselho Mundial de Igrejas, rapidamente hegemonizado pelas correntes teológicas mais liberais do protestantismo euro-ocidental. Tanto o velho Evangelicalismo inglês de 1850 (traçando suas raízes em Wycliffe) quanto o chamado Neo-Evangelicalismo estadunidense do pós-Segunda Guerra se mostravam insatisfeitos e desconfortáveis, seja com a estridência, esterilidade e sectarismo do fundamentalismo posterior representado pelo Concílio Internacional de Igrejas Cristãs (ICCC), como pela falta de ênfase evangelística, o universalismo, e uma pauta excessivamente social, representado pelo Conselho Mundial de Igrejas (WCC), sendo que a Fraternidade Evangélica Mundial (WEF), era débil e de escassa representatividade.


BERLIM E CLADE I


É o co-patrocínio da revista Christianity Today e da Associação Evangelística Billy Graham que convoca para Berlim, 1966, o Congresso Internacional de Evangelismo, com cerca de 1.100 participantes, reafirmando a prioridade para a tarefa evangelizadora da Igreja, e para a unidade dos cristãos na realização dessa tarefa, mantida as bases dos postulados reformados. De Berlim sai a proposta da realização de Congressos Continentais, como um desdobramento. No nosso caso, vem se dar em Bogotá, na Colômbia, e, 1969, o I Congresso Latinoamericano de Evangelização – CLADE I, de cujos corredores, com uma geração de jovens pensadores, surge a ideia da criação de um movimento promotor de uma reflexão teológica que tomasse em consideração a realidade continental e a sua cultura, a abertura a contribuição das Ciências Humanas, enquanto mantidas a ortodoxia credal, a confessionalidade reformada, e a ênfase na conversão, na santidade e no mandato missionário próprios do evangelicalismo


Em julho de 1970 são realizadas, nas diversas áreas geoculturais da América Latina pré-consultas preparatórias para a fundação da FTL. No Brasil, coordenada pelo missionário Richard Sturz (pai), a pré-consulta teve lugar nas instalações da Faculdade Teológica Batista de São Paulo, ocasião em que, como assessor da Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB) e colunista religioso do Jornal do Commércio, do Recife, fui convidado a participar e apresentar uma palestra que, depois seria publicada como um opúsculo intitulado Cristo na Universidade Brasileira? (ABUB/CLC, Recife, 1972).

Em dezembro de 1970 foi realizada a Consulta Teológica “A Bíblia na América Latina”, e a Assembleia de Fundação da entidade que foi denominada de Fraternidade de Teólogos Latinoamericanos (FTL), no Seminário Jorge Alan, em Cochabamba Bolívia. A delegação brasileira era formada pelos batistas Richard Sturz e César Tomé, pelo congregacional Mauro Ramalho, e, pelo então luterano (IELB), Robinson Cavalcanti, com 26 anos. Em 1972 realizamos, no Seminário Evangélico Peruano, em Lima, a II Consulta Teológica “O Reino de Deus na América Latina”, aprovamos os Estatutos e a denominação Fraternidade Teológica Latinoamericana (FTL).


LAUSANNE I

O Congresso de Lausanne foi um desdobramento do Congresso de Berlim, e dos Congressos Continentais (como o CLADE I), procurando ampliar quantitativa e qualitativamente a sua representatividade, e, embora ainda no contexto da Guerra Fria, ter a presença de delegações de alguns países do então bloco soviético. Os membros da nascente FTL estavam representados nas várias instâncias do Congresso, que tinha uma alta percentagem dos seus participantes, dirigentes e oradores, pessoas ligadas a Fraternidade Internacional de Estudantes Evangélicos (IFES), da qual a ABUB é um movimento membro, inclusive o seu secretário executivo Paul Little. Nas palestras principais se destacaram as de René Padilla e Samuel Escobar, enquanto outros membros da FTL participaram de painéis e de seminários temáticos.
O Congresso de Lausanne foi um evento de evangélicos (evangelicais), descolados dos fundamentalistas, em discordância com os liberais, procurando responder aos desafios seculares da conjuntura, e, em unidade, reafirmar o imperativo missionário da Igreja. Uma retomada do evangelicalismo progressista anterior às controvérsias e polarizações geradoras da Grande Reversão.

Do Brasil, tivemos o pastor Nilson de Amaral Fanini, batista, como um dos co-presidentes, o pastor Alcebíades Vasconcelos, Assembleia de Deus, no Comitê Executivo, enquanto eu e o pastor batista Davi Gomes integrávamos a Comissão de Convocação. O pastor Fanini foi escolhido como presidente da delegação brasileira, tendo como vice-presidente o então pastor presbiteriano (IPB) Neemias Marien. Lembro-me do avião da VARIG fretado saindo do Galeão, com os brasileiros, os paraguaios, os argentinos e os guianenses. Pela manhã um culto devocional usando o microfone da aeromoça foi dirigido pelo pastor Davi Gomes, com Juan Carlos Ortiz liderando o louvor com uns “coritos”.

Lausanne foi um momento de maioridade e de maturidade para o evangelicalismo mundial, impactou muitas vidas, teve um grande desdobramento e influência, mas não no Brasil. Aqui, as reações não foram entusiásticas. O Congresso foi considerado muito avançado para os conservadores e muito tímido para os teologicamente mais à esquerda. Os ecos foram, de certo modo, abafados. Surpreendentemente, o Pacto foi editado pela CPAD, por iniciativa do missionário Lawrence Olson. E o vazio deixado pela Confederação Evangélica dez anos antes, somente vem conhecer uma tentativa de resposta, com a AEvB, muito depois.


O PÓS-LAUSANNE


Para dar desdobramento ao Congresso, foi eleita uma Comissão de Continuação de Lausanne, depois nominada de Comissão de Lausanne para a Evangelização Mundial (LCWE), sob a presidência do evangelista canadense, e cunhado de Billy Graham, Leighton Ford. Do Brasil, para o primeiro quadriênio foram eleitos Nilson Fanini e Gexiel Gomes, da Assembleia de Deus, e eu como membro-suplente deles. Como um ou ambos sempre faltava, tive a oportunidade de participar de todas as reuniões. Pouco depois, também fui eleito para a Comissão Teológica (Sub-Comissão Ética & Sociedade) da Aliança Evangélica Mundial (WEF).

O período 1974-1982 foi dos mais fecundos, com a realização do Congresso de Pataya, Tailândia, e de várias consultas teológicas, que produziram vários documentos, tais como: Responsabilidade Social, Estilo de Vida Simples, Evangelho e Cultura, quando estive envolvido na maioria deles. O Congresso para Evangelistas Itinerantes, realizados na década de 1980 em Amsterdam, Holanda, foi um retrocesso, com o fim de uma liderança coletiva internacional e a volta do controle por alguns grupos mais conservadores norte-americanos, que também puxaram o freio da ênfase nos temas sociais.

LAUSANNE II

O Congresso Lausanne II, em 1989, em Manila, Filipinas, com mais gente, mais dinheiro, mais hotéis luxuosos e mais recursos plurisensoriais, representou essa nova correlação de forças ideológico/teológicas, o impacto foi bem menor que o anterior, e o seu documento final, por fim, apenas um texto para estudo, é uma colagem de afirmações contraditórias, para tristeza de John Stott. A partir daí, embora o chamado “espírito de Lausanne” continuasse vivo, o movimento, como tal, conheceu um inegável declínio.

FTL: ESCOLA DE PENSAMENTO

Enquanto isso, a FTL se constituía em núcleos nacionais ou regionais, realizava consultas temáticas, como a sobre Evangélicos e o Poder (que gerou a famosa “Declaração de Jarabacoa”, sobre os evangélicos e a política), e promoveu o CLADE II, 1979, Huampani, Peru e CLADE III, 1992, Quito, Equador, com grande vigor, e fazendo brotar, em todo continente, um grande número de pensadores e escritores, de
um evangelicalismo progressista, presente no processo de redemocratização do continente. Por sete anos, tive a honra de servir em sua Comissão Executiva, ao lado de René Padilla, Samuel Escobar, Pedro Arana, Orlando Costas, Rolando Gutierrez, Pedro Savage, Emílio Nuñez, e tantos outros.

A FTL também sofreu naqueles tempos de Guerra Fria e polarizações ideológicas e teológicas: fomos chamados de “teólogos da libertação disfarçados”, pelos fundamentalistas, e de “fundamentalistas sofisticados” pelos da Teologia da Libertação, embora com o passar do tempo fôssemos crescendo em influência e respeito.
Nós, pioneiros, idealizadores, fundadores e construtores da FTL, no meio de tanta incompreensão e oposição, nunca fomos um bloco monolítico, uniformizante, mas tínhamos nossas ênfases, métodos e divergências quanto ao secundário. Mas, sem dúvida, nos constituímos em uma escola de pensamento teológico continental, cristã, ortodoxa, protestante e evangélica.

A FTL nunca foi uma mera associação de pensadores amorfa ou eclética, onde tudo era possível, desde que dita com nível. Nunca fomos uma mera sociedade científica, unida apenas pelas normas técnicas de redação, buscando reconhecimento das autoridades educacionais. Fomos militantes em favor de bandeiras e contra bandeiras. A favor da cultura latinoamericana, da democracia e da justiça social no nosso continente, a favor de um uso criterioso de ferramentas científicas e filosóficas, mas em choque com as ideologias materialistas e secularistas, com as utopias seculares ou religiosas, em choque com o fundamentalismo e o liberalismo.

A FTL foi a principal fonte que gestou a Teologia da Missão Integral da Igreja na América Latina, em diálogo com pensadores progressistas de outros continentes, e de grande repercussão em todo o mundo. Podemos afirmar que nem todos que fizeram o movimento de Lausanne eram adeptos da Missão Integral, mas que ela foi hegemônica foi, e que uma de suas fontes mais fecundas foi a FTL, que, com suas nuances, foi a principal expoente desse pensar evangélico progressista em nosso continente.

NOVO MUNDO; NOVO CONGRESSO


O mundo mudou muito desde Lausanne I, 1974, e Lausanne II, 1989: O Muro Caiu, as utopias sumiram, o poder político-militar é monopolar, o econômico oligopolizado, o
cinismo está em alta, o hedonismo consumista é a filosofia prática das multidões. O cenário religioso também mudou, o ressurgimento das grandes religiões, especialmente o Islã, e um secularismo agressivo pós-cristão e anticristão cresce no espaço euro-ocidental, sob a falsa retórica do laicismo. A agenda GLSTB transforma um pecado privado em um direito público. A velha cristandade do liberalismo moderno e, mais, do liberalismo pós-moderno pratica um original hara-kiri religioso, enquanto a Teologia da Prosperidade, a Teologia da Batalha Espiritual, a Afirmação Positiva e o pseudo(neo)pentecostalismo se torna uma nova força de uma Cristandade que se desloca do hemisfério norte para o hemisfério sul.

Áreas fechadas, áreas hostis a serem enfrentadas por uma igreja miseravelmente dilacerada, implodindo de heresias racionalistas ou irracionais. Haverá disposição, espaço e escuta a voz de Deus no Lausanne III, na cidade do Cabo, na África do Sul? Haverá, ainda, suficiente convicção evangélica para, mantendo as verdades do Pacto de Lausanne, a temática a ser tratada, sem negar o que já foi afirmado?
Continuamos a crer na Providência do Senhor da História e do Senhor da Igreja. Continuamos a crer na Palavra e no Espírito. Continuamos a nos mover pela fé e pela esperança. Mas, humanamente, não podemos ser otimistas!
E, na delegação brasileira, quanto desse legado é ainda crido, confessado, apropriado, reafirmado e atualizado? Que mundo se quer? Que Igreja se quer? Que país se quer? Com que conceito de missão pretendemos nos comprometer?
Sem dúvida, esse parece ser um momento de muitas perguntas e aparentes escassas respostas. Que esse chronos seja, mais uma vez, invadido pelo kairós, e que o martírio seja, mais uma vez, um componente provável da vivência da fé, diante dos poderosos desse mundo, das potestades do outro mundo, e dos seus aliados entre os joios domésticos, com o eterno se renovando para um novo tempo, até que Ele venha.

3 comentários:

  1. SE FALA REVISTA TIME E SUAS PUBLICACOES. NAO DEVEMOS EXQUESER QUE TAL REVISTA PERTENCE A MACONARIA!, IGUALMENTE A IGREJAS BATISTAS QUE FISERAM PARTE DA CUPULA INTERNACIONAL EM LIDERANCAS.COMO SABER QUE A IMFLUENCIA TEVE A MACONARIA NESTE CONSILO???

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  2. SABENDO A INFLUENCIA DA MACONARIA NO CRISTIANISMO COMO SABER SUA IMFLUENCIA NESTES ASUNTOS ???

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