Por: IDAURO CAMPOS
Introdução:
Neste
trabalho apresentaremos um pouco sobre a vida de João Calvino. Sem
dúvida um dos principais nomes do cristianismo ortodoxo. Milhões de
cristãos ao redor do mundo compartilham suas idéias; as principais
denominações protestantes históricas receberam seu legado; dezenas de
países assimilaram o calvinismo na construção dos valores da sociedade; a
religião, a economia, a educação, a política, as artes, a filantropia, a
liturgia eclesiástica, a noção de estado, os deveres cívicos, os
deveres individuais, a ética do trabalho, a ética da família, a ética
social; a proteção do magistrado, todas estas expressões receberam
colaborações substancias de Calvino ou do sistema que associou suas
idéia e que ficou conhecido como calvinismo. Portanto,
o calvinismo é uma força dentro do cristianismo histórico e digno de
ser estudado com a devida atenção pelos amantes da história da igreja e
da reflexão teológica.
Nascimento, Infância e Formação:
João
Calvino nasceu em Noyon, na Picardia, França, em 10 de Julho de 1509.
Era o segundo filho de uma família de cinco irmãos, sendo seu pai,
Gérard Cauvin, um homem de origem simples e sua mãe, Jeanne Lefranc,
mulher piedosa, bonita e de família próspera que morreu quando Calvino
estava em sua primeira década de vida. Ainda jovem Calvino foi enviado a
Paris para estudar Teologia, pois seu pai lhe conseguiu uma bolsa de
estudos na Catedral, um benefício pelos seus serviços como secretário do
Bispo e Procurador da mesma.
A
infância de João Calvino fora marcada pela forte piedade de sua mãe,
que o levava para peregrinações religiosas, e, também, pela própria
atividade profissional de seu pai que em decorrência de seu trabalho na
Catedral terminaram por aproximar o pequeno Calvino do ambiente da
religião cristã. Tal ambiente provocou os primeiros despertamentos
religiosos em Calvino. Teodoro Beza, contemporâneo e sucessor de Calvino
declarou que o reformador francês fora notavelmente religioso em sua
juventude[1].
Em
Paris, Calvino estudou no Collège de La Marche e Collège de Montaigu,
onde esteve em contato com o humanismo, a filosofia e as obras de Thomas
à Kempis, Santo Agostinho e Bernardo de Claraval que muito contribuíram
para a formação de seu pensamento. Posteriormente, também sob
influência de seu pai, Calvino interrompeu os estudos da Filosofia e
dedicou-se ao Direito e, em seguida, já sem seu pai vivo, dedicou-se
também aos estudos do grego e do hebraico. Em 1532, com apenas 23 anos
de idade, Calvino publica um Comentário sobre a obra De Clementia,
do advogado, orador e filósofo espanhol, Sêneca (4 a.C-65d.C) que
apesar de seu estilo notável e erudito foi um fracasso de venda[2].
Podemos
dizer que a formação de Calvino, tanto seus estudos no latim, como de
Filosofia e Direito pavimentaram seu raciocínio lógico que muito o
ajudaram em seu amplo trabalho de reformador religioso e magistrado
civil que futuramente exerceria em Genebra.
A Conversão:
As evidências apontam para os anos de 1532 a 1534[3] em
Orleans ou em Paris, mas é difícil precisar, pois, diferentemente de
seu colega de Reforma, Martinho Lutero, que muito falara de si[4],
João Calvino é lacônico quanto a sua vida. É famosa a sua “súbita
conversão” à fé cristã protestante, mas não se sabe os detalhes. Vejamos
como ele próprio a define:
“Inicialmente,
visto eu me achar tão obstinadamente devotado às superstições do
papado, para que pudesse desvencilhar-me com facilidade de tão profundo
abismo de lama, Deus, por um ato súbito de conversão, subjugou e trouxe
minha mente a uma disposição suscetível, a qual era mais empedernida em
tais matérias do que se poderia esperar de mim naquele primeiro período
de minha vida”[5].
A primeira exposição da conversão de João Calvino se dá quando prefacia O Novo Testamento em francês em 1535[6], mas sua declaração de “súbita conversão”, conforme lemos acima, se dá apenas em 1557[7] por ocasião da publicação de seu comentário de Salmos.
Em
1534, Calvino, em Noyon, renuncia aos seus benefícios eclesiásticos
que, conquistados por seu pai, lhes garantia sustento para seus estudos.
É justamente este evento que historiadores entendem como a ocasião de
sua conversão[8].
Inserção No Movimento de Reforma:
Dois
eventos marcam a inserção de Calvino na militância da Reforma
Protestante. Primeiramente, ao perceber que algumas das questões
teológicas que circulavam em seus dias eram publicadas geralmente em
caráter emergencial para responder as polêmicas, deixando de fora
tópicos fundamentais da doutrina cristã como a encarnação, a trindade e
etc. Calvino, então, decide escrever um manual que abordasse as
doutrinas mais importantes do cristianismo. Este manual foi chamado de
Institutas da Religião Cristã, sendo publicado pela primeira vez, em
tamanho reduzido, em 1535. A obra deu reputação a João Calvino junto aos
outros Reformadores e marcou sua entrada no mundo da reflexão teológica
protestante.
Outro
evento fundamental para o ingresso de Calvino na Reforma Protestante
foi uma circunstância curiosa. Por de volta de 1536 ele decidiu ir se
estabelecer em Estrasburgo (França) ou Basiléia (Suíça) para aprofundar
seus estudos no campo da teologia e escrever suas conclusões, mas, uma
guerra o forçou a mudar de rota sendo necessário desviar-se por Genebra.
Uma vez ali, sua intenção era de passar apenas uma noite e após seu
descanso retomar sua viagem. Mas, um amigo francês, Guilherme Farel, um
dos principais responsáveis pelo movimento de Reforma em Genebra, ciente
da presença do autor das Institutas em terras genebrinas, decide
visitá-lo para convencê-lo a ajudar na Reforma Religiosa. A narrativa do
encontro é famosa, conforme nos informa Gonzalez, vejamos:
“Farel,
que ‘ardia com maravilhoso zelo pelo avanço do evangelho’, apresentou a
Calvino várias razões pelas quais precisava de sua ajuda em Genebra.
Calvino escutou atentamente seu interlocutor, uns quinze anos mais
velhos que ele, porém se negou a aceitar o rogo. dizendo-lhe que tinha
projetado certos estudos e que não seria possível terminá-los na
situação em que Farel descrevia. Quando por fim Farel tinha esgotado
todos os seus argumentos, sem conseguir convencer o jovem teólogo apelou
para o Senhor de ambos e insurgiu contar o teólogo com voz estridente: ‘
Deus amaldiçoe teu descanso e a tranquilidade que buscas para estudar, se diante de uma necessidade tão grande te retiras e te negas a prestar socorro e ajuda’”[9].
As
palavras de João Calvino sobre o encontro e a maldição proferida por
Farel deixam claro que tais foram a causa de sua desistência em
prosseguir com a viagem:
“Essas
palavras me chocaram e causaram em mim tal impacto que desisti da
viagem que intencionava fazer. Porém, consciente de minha vergonha e
timidez, eu não queria ser forçado a desempenhar quaisquer funções
específicas[10]”.
A
combinação da publicação das Institutas e sua permanência em Genebra,
cidade que através de consulta popular optara pela Reforma Protestante
como expressão de sua religiosidade[11] ,
pavimentaram o caminho de Calvino para o eixo do movimento. No inicio
seu objetivo foi simplesmente permanecer na cidade e ajudar a Guilherme
Farel no que fosse necessário, mas seu brilhantismo teológico, seus
sólidos conhecimentos de Direito e sua piedade logo o transformaram na
figura mais importante e central do movimento reformador não só em
Genebra, mas também em toda a Europa.
A Teologia de João Calvino:
Para
compreender o pensamento teológico de Calvino não podemos apenas ter
acesso às Institutas, mas também aos seus Comentários, aos Sermões, às
Cartas, e aos Escritos litúrgicos e catequéticos que juntos revelam o
todo teológico do Reformador de Genebra[12].
Entretanto, há quem discorde da originalidade teológica de João
Calvino, alegando que suas proposições foram anteriormente apresentadas
nos escritos de Martinho Lutero e Ulrich Zuínglio e até mesmo de Martin
Bucer, Reformador de Estrasburgo[13],
personagens da primeira geração de Reformadores, sendo o êxito de
Calvino não o da exposição original das doutrinas, mas sim a de sua
sistematização, tornando-as didáticas, claras e acessíveis à
compreensão. Neste item, alegam alguns pesquisadores, Calvino foi
insuperável. Falando, por exemplo, das afirmações de Calvino quanto a
polêmica doutrina da eleição, vejamos as palavras de Tymothy George:
“Num
exame mais aprofundado, fica-se impressionado com a falta de
originalidade da doutrina da eleição apresentada por Calvino. Seu ensino
acerca desse tópico é basicamente idêntico ao que já observamos em
Lutero e Zuínglio...”[14]
Roger Olson, concordando com George, afirma que “o que Calvino realmente fez foi transmitir a teologia reformada de Zuínglio ao resto do mundo.” [15]
A teologia de João Calvino pode ser analisada nos seguintes conceitos:
A) O Conhecimento de Deus – o conhecimento duplo de Deus; Escrituras Sagradas; Trindade; Criação; Providência.
B) O
Conhecimento de Deus, O Redentor – a queda, a pecaminosidade humana; a
Lei; o Antigo Testamento e o Novo Testamento; Cristo, o Mediador: sua
Pessoa
(Profeta, Sacerdote e Rei) e a obra (expiação).
C) O
Modo pelo qual Recebemos a Graça de Cristo, Seus Benefícios e Efeitos –
fé e regeneração; arrependimento; vida cristã; justificação;
predestinação; a ressurreição final.
D) Os Meios Externos pelos quais Deus Convida-nos à Sociedade de Cristo – igreja; sacramentos; governo civil.
Não
é possível comentar neste trabalho todos os conceitos acima pelos quais
podemos entender o pensamento teológico de Calvino. Destarte, pelo
menos, entendamos como o Reformador discernira e registrara sua
epistemologia.
A) Epistemologia
Para Calvino a “nossa sabedoria [...] compõe-se de duas partes: o conhecimento de Deus e o conhecimento de nós mesmo”[16],
sendo estas realidades inseparáveis. O conhecimento de Deus é
justamente o fundamento da compreensão do próprio homem, pois este só
pode discernir a si mesmo, livre de toda hipocrisia e “convencidos de toda injustiça, imundície, estupidez e impureza”[17] quando
contempla a face de Deus. Uma vez visitado pelo conhecimento de Deus o
homem também saberá o significado deste conhecimento, sua utilidade,
necessidade e finalidade. Calvino admite em sua epistemologia que o
conhecimento de Deus é inerente ao ser humano, porquanto em todos existe
uma “semente de religião”[18],
entretanto, a potência deste conhecer é prejudicada pela ignorância e
maldade também inerentes no ser humano. Calvino também ensina que há um
testemunho de Deus na criação e na regência do mundo, mas que a
Escritura Sagrada é a mais eficaz na comunicação da realidade de Deus,
pois “é na Escritura que o Deus criador tornar-se patente para nós”[19] e,
além do que, é na Escritura Sagrada que a redenção de Deus em Jesus
Cristo é revelada, mas, mesmo a Escritura, para obtermos dela o seu
testemunho, sozinha não é capaz de nos fazer crer e nos apropriarmos da
verdade de Deus pela fé. Para isso precisamos do testemunho do Espírito
Santo, pois é Ele quem autenticará em nós a verdade sobre o conhecimento
de Deus. Portanto, a doutrina do conhecimento de Calvino é fundamental
para que entendamos todo o corpo de sua teologia, como nos lembra W.
Gary Cramptom:
“Calvino
começou suas Institutas com epistemologia (a teoria do conhecimento);
ele não começa com como sabemos que existe um deus, e então procede para
tentar provar que esse deus é o Deus da Escritura. Seu ponto de partida
era a revelação. A doutrina de Deus segue a epistemologia...[20].”
B) Predestinação
Outro
aspecto importante da teologia de Calvino é quanto sua compreensão da
eleição. É importante ressaltarmos que a doutrina da predestinação tão
associada ao Reformador de Genebra ocupou pouco espaço em sua”magnum opus”.
Na verdade, Calvino somente tratou do assunto na sua segunda edição das
Institutas da Religião Cristã, em 1539. Mas, sua sistematização foi tão
poderosa que desde então seu nome ficou associado à doutrina.
Precisamos entender que Calvino situa a predestinação no contexto da
salvação e que, portanto, a doutrina era o clímax da obra do Deus
redentor[21],
tanto que na edição definitiva das Institutas em 1559, Calvino
contextualiza a predestinação sob o ministério do Espírito Santo,
enquanto que nas edições anteriores de sua citada obra e nos escritos de
outros Reformadores, como Teodoro Beza e Willian Perkins, a
predestinação ocupa o lugar da aplicação especial da doutrina da
providência, tradicionalmente um aspecto da reflexão sobre Deus Pai.
Destarte, é óbvio que apesar da importância de seu ensino sobre a
predestinação absoluta, particular e dupla, Calvino via na predestinação
apenas uma mensagem que julgava claramente ensinada nas Escrituras.
A Influência de João Calvino:
Paul
Tillich chama a atenção para a realidade das cidades alemãs no século
20 que eram prósperas e das que não possuíam uma riqueza consistente. O
que Tillich constatou foi que justamente as cidades influenciadas pelo
calvinismo adquiriram uma prosperidade econômica, enquanto que as de
tradição católica ou luterana não.[22]
Antes mesmo de Tillich, Max Weber, sociólogo alemão, percebeu que a “ética calvinista” com sua ênfase no trabalho, na austeridade, no controle das despesas e na não ostentação possibilitava o acúmulo de capital.
Diferentemente
do que o catolicismo apregoava, Calvino entendeu que a livre empresa em
uma sadia atuação poderia contribuir para uma regular vida comunitária e
que o dinheiro seria importante para o bem-estar dos indivíduos de uma
sociedade, pois o bem-estar social e a saúde econômica estão fortemente
ligados e que o governo público não pode prescindir das transações
comerciais. No contexto da atividade comercial e do ganho, a atenção que
Calvino requer é em relação ao pobre, pois o rico, detentor dos ganhos,
não pode desconsiderá-lo, porquanto deve compartilhar suas renda a fim
de que o abismo entre pobres e ricos não aumente. A diferença entre os
níveis sociais não era um problema para Calvino. Pelo contrário, o
Reformador via como necessária as distintas posições para a que
realidade comercial fosse possível. O que era imoral para Calvino era a
indiferença dos abastados para com os necessitados de uma mesma
comunidade. Calvino, de tão preocupado com a situação social dos
cidadãos genebrinos, orientou que houvesse diáconos que visitassem as
famílias pobres para auxiliar em suas necessidades e que pelo menos um
entre esses diáconos dedicasse tempo integral ao ministério, sendo
capacitado e adequadamente pago para isso[23].
João
Calvino também dirigiu sua atenção para outros aspectos da
administração da cidade, como o hospital comunitário, o abrigo dos
viajantes, a necessidade de contratação de médicos e cirurgiões que
pudessem atender às demandas da comunidade, sendo devidamente
remunerados para o exercício de suas atividades. Atentou para o cuidado
público em relação aos órfãos, as viúvas e aos que estavam na cidade sem
meios de sobrevivência. Esforçou-se em promover a educação de jovens e a
catequização de crianças. Até que em 1559, após muitos labores no
levantamento de recursos, Calvino consegue fundar a Universidade de
Genebra, com um total de 600 alunos em seu ano de abertura, tendo
Teodoro Beza à frente e uma constelação de estrelas da docência européia[24].
Outra
influência marcante de Calvino é quanto ao valor e o lugar do trabalho.
Calvino considerava o trabalho como um apelo, uma vocação divina sendo,
como nas palavras de André Boiler, estudioso do pensamento econômico e
social de Calvino, “a obra pela qual o homem corresponde à vocação que Deus lhe dirige”[25]. Sendo,
portanto, o trabalho uma vocação divina e a forma como o homem
glorificará a Deus, pois, através de seu trabalho, o “mandato cultural”
se cumprirá e a sociedade será servida, desenvolvida e protegida,
significa, então, que a recusa ao trabalho implica em pecado grave,
porquanto representa a negativa do homem em relação à expectativa de
Deus e uma forma de ruptura com Ele[26].
Destarte, os preguiçosos e os que obtinham seus ganhos através do
trabalho de outros sem que houvesse nenhum esforço na produção dos
próprios rendimentos eram denunciados com veemência na Genebra de
Calvino. Além disso, cabe ao magistrado garantir as plenas condições
para que o trabalho se estabeleça e lutar contra toda a forma de
desemprego, visto que gera calamidade social. Não significando que o
Estado deva assumir a produção econômica, mas sim garantir o sitz in leben para que a livre iniciativa aconteça.
Em
face de seus discursos e escritos dirigidos à sociedade civil, com seu
olhar sobre a economia, a saúde, a educação, ao Estado, a filantropia, a
política e a conjuntura social é nítida a modernidade do pensamento de
Calvino e como suas idéias penetraram nas estruturas das sociedades que
adotaram a Reforma Protestante como expressão de sua religiosidade.
Pensando
nos aspectos religiosos a influência de Calvino é incontestável, pois
algumas das principais e históricas denominações protestantes da Europa[27], através de suas Confissões de Fé, assumiram formas de calvinismo em seus conteúdos[28].
A
moral em Genebra também foi influenciada por Calvino visto que ele
instituiu o Consistório, uma Câmara que regulava a disciplina tanto na
igreja como na cidade, onde, então, o adultério, a preguiça, a
mendicância, as brigas, a bebida e outros hábitos considerados vis eram
proibidos e punidos. O rigor do Consistório colocou-o repetidas vezes em
colisão com o governo civil de Genebra, gerando animosidades e
críticas. É digno de nota que apesar de sua forte participação na vida
da sociedade genebrina em função de alguns conflitos com burgueses da
cidade que não queriam a moral protestante, mas, sim, apenas a liberdade
do jugo católico, Calvino foi convidado a se retirar da cidade o que
fez, em regime de exílio, indo morar por três anos em Estrasburgo,
regressando posteriormente (em 1541) onde deu continuidade ao seu
trabalho como Reformador até o dia de sua morte.
Em
função de seu trabalho nos campos da moral, da religião, da economia,
da educação, da saúde, da filantropia a sociedade genebrina ganhou fama
internacional, atraindo pessoas de todos os cantos da Europa que deram a
Genebra ares de cidade cosmopolitana. Como muitas destas pessoas foram
estudar na Universidade de Genebra e que inevitavelmente tiveram contato
com Calvino e seu pensamento, terminaram por levar aos seus países de
origem, quando do término de seus estudos, as idéias da Reforma fazendo
com que o pensamento de Calvino tornasse conhecido e praticado entre
seus conterrâneos o que muito ajudou ao processo de transformação dos
países europeus em potências da fé protestante, consolidando assim a
influência internacional de Calvino como um dos mais importantes
personagens da teologia cristã em todos os tempos.
A Morte de João Calvino
Neste
capítulo é mister uma transcrição das palavras de Daniel Rops, de
tradição católica, professor da Academia Francesa e autor de “História
da Igreja”, sobre os últimos dias do Reformador de Genebra:
“Na
véspera do Natal de 1559, quando pregava na Igreja de São Pedro,
abarrotada de gente, Calvino teve de forçar a voz. No dia seguinte,
atacou-o uma tosse violenta e começou a escarrar sangue. O médico
diagnosticou-lhe uma doença contra a qual ainda não existia nenhuma
arma: a tuberculose. O enfermo tinha apenas cinqüenta anos, e o seu caso
não teria sido desesperado se o seu organismo, atacado desde há muito
tempo por muitos inimigos, desgastados pelo trabalho e pelas
preocupações, não fosse na realidade, o de um velho precoce - o velho
cuja máscara trazia. Despertados pelo novo abalo, todos os males que já
lhe eram familiares lançaram-se ao ataque: pulmões, rins, intestinos,
encéfalo e até os braços e as pernas. Dentro em breve, não houve uma
única parte desse organismo que não fosse motivo e foco de dores
terríveis. Calvino suportaria essa provação durante cinco anos, com uma
coragem física e uma firmeza admiráveis. Torturado pelas cólicas, pela
febre e pela gota, nem por isso deixou de dar prosseguimento aos seus
trabalhos, à sua correspondência, aos
seus
livros e mesmo à sua pregação, que no entanto lhe exigia um esforço
sobre-humano. Nos dias em que não podia manter-se em pé, pregava
sentado, e, se não conseguia andar, dois homens o levavam à igreja numa
cadeira. Por vezes, as dores eram tão fortes que o ouviam murmurar, como
numa prece a pedir a libertação: "Até quando, Senhor, até quando?"
Perante
a morte que via aproximar-se, mostrou-se o que sempre fora: lúcido,
firme e reservado. Nem uma só vez deixou transparecer temor ou fraqueza.
Segundo um plano traçado com a sua lógica costumeira, fez o seu
testamento e recebeu, uns após outros, os corpos constituídos da cidade,
desde o Pequeno Conselho até os pastores. A estes, fez um longo e
minucioso discurso, em que resumiu com fórmulas incisivas toda a sua
obra, nesse tom de sincera humildade e tranqüilo orgulho que fazia parte
do seu modo de ser. Convidou os seus colegas a mostrar~se firmes e
vigilantes para com essa "nação perversa e má" que lhes estava confiada,
e concluiu afirmando-lhes que não tivera outro desígnio sobre a terra
senão ser-vir a glória de Deus. Parecia ter ditado ali o seu testamento
espiritual.
No
entanto, a morte concedeu-lhe um novo adiamento. Farel teve tempo de
vir vê-lo pela última vez. E ele próprio, o moribundo - o seu aspecto
era já o de um cadáver -, sabendo que, de acordo com a legislação
eclesiástica por ele estabelecida, a reunião das "censuras" trimestrais
recaía no dia 19 de maio, ordenou que o levassem até lá para participar
pela última vez dessa fraternal acusação de culpas. Humildemente, foi o
primeiro a submeter-se à censura e a deixar que lhe referissem os seus
defeitos: Ira, teimosia, crueldade e orgulho". Depois, com a voz
ofegante, cortada sem cessar por acessos de tosse, falou durante duas
horas, prevenindo os seus ouvintes contra as más inclinações. A seguir,
elevando-se aos grandes princípios, comentou apaixonadamente o
Evangelho.
Foi
esse o seu último ato público, e o esforço exigido deixou-o esgotado.
No dia seguinte, sobreveio nova expectoração sangüínea. Não abandonou
mais o leito e falava com dificuldade, exceto para murmurar as suas
orações. Ouviam-no dizer várias vezes: "Senhor, tu me esmagas, mas para
mim é suficiente que seja pela tua mão". Ninguém o viu entregar a alma
ao Criador, calmamente, em 27 de maio de 1564, por volta das oito da
noite. De acordo com a vontade que manifestara no testamento,
envolveram-lhe o corpo num grosseiro pano cru e depositaram-no num
caixão de pinho semelhante àqueles com que se enterravam os pobres. Sem
discurso e sem cantos, foi conduzido por uma imensa multidão ao
cemitério de Plainpalais. Não se erigiu nenhum monumento sobre o túmulo,
nem mesmo uma cruz ou a menor pedra. Assim desejara ele regressar ao
pó, no anonimato e no silêncio. E ninguém pode hoje indicar com certeza o
lugar onde jaz João Calvino”[29].
A
descrição dos últimos dias de Calvino revelam todo o depósito que
acumulou em vida, pois continuou, a despeito do seu sofrimento,
concentrado em seu trabalho, resignado e expectativo quanto a providência divina. Morreu como viveu!
Calvinismo
Alister McGrath situa o início da expressão “calvinismo” por volta dos anos 1560 sob os créditos do luterano Joaquim Westphal[30],
um controversista alemão, como uma tentativa de identificar as
perspectivas teológicas dos Reformadores suíços, especialmente, João
Calvino. Destarte, podemos definir calvinismo como “o sistema de idéias historicamente associado a João Calvino”[31]. Esta
associação é um produto do desenvolvimento do pensamento e das
aplicações das idéias do Reformador. Não significando que esteja
completamente dependente dele, pois em um processo dinâmico de reflexão é
inevitável que aqueles que aderem ao um sistema de idéias tenham suas
próprias proposições e contribuições a dar ao sistema. Isto tem gerado
muita tensão nos círculos teológicos reformados, porquanto há aqueles
que advogam que qualquer nova luz sobre as formas de expressão do
pensamento reformado representa um distanciamento de Calvino. Na verdade
esta crítica não é só dirigida aos modernos grupos e círculos
reformados, pois até mesmo os históricos puritanos que eram os
calvinistas na Inglaterra nos séculos XVI e XVII invariavelmente são
questionados e criticados quanto aquilo que setores da teologia,
especialmente, a liberal e a neo-ortodoxa, entendem como uma corrupção
da teologia calvinista[32].
O
calvinismo se propõe a apresentar uma cosmovisão numa perspectiva
cristã. Por isso procura discutir todos os campos do conhecimento,
afinal “o Reino de Deus é tão largo quanto o mundo”[33], porquanto
todas as esferas da criação pertencem a Deus e, logo, precisam ser
trazidas sob os domínios de Cristo. Sendo, todavia, impossível em um
trabalho breve com este expor toda a cosmovisão reformada, fiquemos com
as proposições no campo da religião, especialmente em relação a
soteriologia que é um dos principais núcleos do calvinismo e por onde é
mais facilmente identificado.
A
soteriologia calvinista deve mais a Teodoro Beza do que a João Calvino,
pois como sucessor na Reforma de Genebra e, portanto, herdeiro
espiritual de Calvino, Beza aplicou de forma lógica as implicações da
doutrina de predestinação. Beza, assim como outros teólogos reformados
encontravam-se diante de forte pressões ante às idéias de seus oponentes
católicos e luteranos e viam nas proposições de Calvino a equação de
seus problemas quanto às questões teológicas. Os debates em torno da
ordem da salvação; de quem são os eleitos; da dupla predestinação; da
eficácia da pregação do Evangelho para chamar os eleitos; sobre por quem
Cristo morreu, ganharam tão impressionante força que mesmo em outros
países como a Holanda as tensões exigiram uma intervenção de seus
magistrados civis. Na própria Holanda, por exemplo, um teólogo
reformado, Jacob Arminius, que em sua época de estudante teve contato
com Teodoro Beza, rejeitou completamente as idéias calvinistas de
salvação. Suas críticas foram tão enfáticas que conseguiram reunir
simpatizantes em torno delas, polemizando o protestantismo não só na
Holanda, mas também em outros países de tradição reformada. Mesmo após a
morte de Beza (1605) e Armínio (1609) a tensão entre os adeptos do
calvinismo de Beza e os defensores das idéias de Armínio continuaram e
foram chamados pelo governo holandês para a realização de um sínodo,
onde uma fórmula teológica oficial pudesse ser adotada. Este sínodo
entrou para a história como o famoso Sínodo de Dort (1618-1619) em que
os calvinistas ganharam o debate e os Cinco Pontos do Calvinismo
(Depravação Total; Eleição Incondicional; Expiação Limitada; Graça
Irresistível e Perseverança dos Santos) foram estabelecidos como
expressão das igrejas reformadas holandesas e também dos demais círculos
protestantes reformados em todo o mundo até os dias de hoje.
Conclusão:
João
Calvino é personagem fundamental na história do pensamento cristão. Sua
contribuição tanto na esfera religiosa como na “secular” foram
expressivas e atravessaram o tempo. Isto é prova de seu vigor e da força
de suas idéias, pois tanto historiadores e docentes nas escolas Ensino
Fundamental, como nas Universidades e nas Faculdades de Teologia e
Seminários em algum momento precisam atentar para algumas dos axiomas do
Reformador de Genebra e debatê-los. Seja para criticá-lo ou assumi-lo, é
nos impossível ignorá-lo. Como disse Karl Barth:
“Calvino
é uma catarata, uma floresta primitiva, um poder demoníaco, algo
diretamente do Himalaia, absolutamente chinês, estranho mitológico;
perco completamente o meio, as ventosas, mesmo para assimilar esse
fenômeno, sem falar para apresentá-lo satisfatoriamente. O que recebo é
apenas um pequeno e tênue jorro o que posso dar em retorno, então, é
apenas uma porção ainda menor desse pequeno jorro. Eu poderia feliz e
proveitosamente assentar-se e passar o resto de minha vida com Calvino”[34]
Acho que eu também!!!
Soli Deo Glória!!!
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WALLACE, Ronald. Calvino, Genebra e a Reforma. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.
WALKER, W. História da igreja Cristã. São Paulo: Aste. 3ª ed, 2006.
[4] GONZALEZ, Justo L. A Era dos Reformadores: Uma História Ilustrada do Cristianismo. Vol 6. São Paulo: Vida Nova. 1983.p.109.
[6] COSTA, Hermisten. Op.Cit. p.17.
[7] Ibid. p. 16.
[8] WALLACE, Ronald. Op. Cit. p. 15.
[9] GONZALEZ, Justo L. Op Cit. p.113.
[11] Ibid. p.115.
[13] Ibid. p. 231.
[14] Idem.
[17] Ibid. p.38.
[18] Ibid. p.43.
[19] Ibid. p.67.
[20] CRAMPTOM, W. Gary. Calvino Sobre Conhecimento. Disponível em www:monergismo.com.br. Acesso em : 19 jun. 2009.
[21] GEORGE, Tymothy. Op.cit. 231.
[23] WALLACE, Ronald. Op. Cit. p. 82.
[24] Ibid. p.87-89.
[26] Idem.
[27] São os casos das igrejas reformadas, presbiterianas, congregacionais, batistas e até mesmo as anglicanas.
[28] São
os casos da Confissão de Fé da Bélgica (1561); Catecismo de Heidelberg
(1563); Trinta e Nova Artigos de Fé (Anglicano, 1571); Os Cânones de
Dort ( 1618); A Confissão de Fé de Westminster ( Presbiteriana, 1648);
Declaração de Savoy ( Congregacional, 1658) e da Confissão de Fé de
Londres ( Batista, 1689).
[29] ROPS, Daniel. Morte e Glória de João Calvino. Disponível em:www.monergismo.com.br. Acesso em: 19 jun. 2009.
[30] MCGRATH, Alister. Op. Cit. p.231.
[31] Ibid. p. 233.
[32] R.T.
Kendall, o pastor da famosa Westminster Chapel escreveu, na década de
90, um artigo intitulado de “A Modificação Puritana da Teologia de
Calvino”, onde argumenta sobre o distanciamento das convicções dos
puritanos dos ensinos clássicos de João Calvino expressos na Confissão
de Fé de Westminster, o que gerou muitas críticas em círculos
reformados. Em face de artigos como o supracitado e dentre outros,
textos foram, aqui no Brasil, publicados criticando as afirmações de
Kendall entre os quais, destacamos “A Confissão de Fé é Realmente
Calvinista?” e “ O Movimento Puritano e João Calvino”, de Paulo R. B.
Anglada e Franklin Ferreira, respectivamente. Publicados em Fides
Reformata, em Julho-Dezembro de 1998 (Volume III. Número 2) e
Janeiro-Julho de 1999 (Volume IV. Número 1).
[33] LOPES, Augustus Nicodemus. Evangélicos em Crise- As Novas Tendências da Igreja. São Gonçalo: Igreja Evangélica Congregacional em Ponte Seca. 1998. 3 Fitas de Vídeo ( 270 mim.), VHS,som,color.
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